Lisboa tem uma capacidade única de transmitir a sensação de que tudo está sob controle. Talvez seja o cenário: o sol refletindo nos azulejos, o Tejo avançando em um ritmo constante e a cidade funcionando com uma harmonia quase coreografada. Lisboa acolhe e desacelera. Mas essa serenidade muda assim que se entra no Web Summit, onde fica evidente que estamos diante de uma dinâmica tecnológica intensa, acelerada e em plena transformação.

Logo no início do evento, o tema dos agentes digitais ganhou destaque. Cristiano Amon, CEO da Qualcomm, sintetizou bem o momento ao afirmar que estamos deixando a era dos aplicativos para entrar na era dos “companheiros digitais”. Na prática, trata-se de um ecossistema no qual óculos, fones e relógios inteligentes passam a compreender o usuário em níveis mais profundos, antecipando necessidades e comportamentos.

A Qualcomm prevê um mercado de US$10 bilhões apenas para dispositivos de IA pessoal. Na Índia, por exemplo, já é possível realizar pagamentos por QR code diretamente pelos óculos. No Brasil também seguimos evoluindo um dos sistemas de transferência instantânea mais eficientes do mundo, o Pix, que agora começa a ganhar novas camadas de uso e integração.

Falando em Pix: o Brasil assumiu um papel de protagonismo. O sistema registrou 36,9 bilhões de transações apenas no primeiro semestre e, na abertura do Web Summit, Paddy Cosgrave, CEO do evento, destacou o Pix como “um dos sistemas de pagamento mais revolucionários do mundo”.

É interessante observar a surpresa de um dos principais nomes da tecnologia diante de algo que, para nós, já faz parte da rotina. Talvez resida aí a verdadeira força do Pix: o Brasil simplificou um sistema financeiro historicamente complexo e transformou eficiência e inclusão em prática cotidiana. É motivo de legítimo orgulho.

No campo do marketing, a conversa se concentrou na crise de confiança da Geração Z. Criadores como Josh Richards (criador e estrategista) e Grace Beverley (empreendedora e influenciadora) reforçaram o conceito que se tornou quase obrigatório: a autenticidade.

Quanto aos formatos, o conteúdo passou a se comportar como um Lego contemporâneo. O futuro dos programas começa pelo clipe, não pelo episódio. A repercussão da série Tremembé no TikTok é um bom exemplo: muita gente conhece o trecho antes de conhecer o todo. Isso quando chega a ver o todo. As marcas, naturalmente, percebem que precisam assumir seu papel como produtoras, porém com menos postura publicitária e mais sensibilidade humana.

Do lado das corporações, os CMOs estão revirando suas estruturas, abandonando a compartimentalização tradicional entre pessoas, ferramentas e processos. A nova abordagem integra arquitetura de sistemas, fluxos de trabalho redesenhados e organização de equipes em torno dessas estruturas. O conceito de "contexto é a nova criatividade" ganha relevância.

Também chamou atenção o movimento das agências em busca de independência das holdings para maior agilidade e inovação. Escala hoje significa qualidade de pensamento e ideias, não apenas quantidade de pessoas. Tecnologia permite escalar conteúdo de formas antes impossíveis, com equipes menores e mais focadas.

O debate da bolha da IA também apareceu no corredor, nos cafés e nos palcos do evento. Uma mistura de preocupação e sorriso irônico: talvez seja bolha, sim. Mas, como lembraram alguns executivos, bolhas também movem a inovação, mesmo quando explodem na nossa cara.

Pra fechar, a conversa mais futurista: a ascensão dos World Models. Modelos capazes de aprender observando vídeos e gerar novos vídeos personalizados, seja para ensino, entretenimento, jogos, tudo em tempo real. Hoje você busca no YouTube. Amanhã, o sistema vai criar exatamente o vídeo que você teria buscado, com o contexto que você precisa, no ritmo que você entende.

Esse é o Web Summit Lisboa 2025: um lugar onde você sai com a sensação de que ninguém está exatamente preparado para o futuro (que já está aí).

É empolgante. É assustador. E, de um jeito meio desconfortável, convidativo e inevitável.

Patricia Gerard é Chief Business Officer do Grupo TV1