Danielle Panissa, diretora de marketing da marca para Ásia-Pacífico, conta sobre a experiência de posicionar a icônica marca brasileira do outro lado do mundo

Quinta funcionária a entrar no time da Havaianas da Ásia, Danielle Panissa é a diretora de marketing por trás das estratégias de comunicação da marca brasileira em 17 países da APAC (Ásia-Pacífico), tão diversos quanto China, Japão, Indonésia, Austrália, Tailândia, Filipinas e Nova Zelândia.

Na entrevista, a executiva compartilha a experiência de posicionar a Havaianas no outro lado do mundo, as curiosidades e as soluções que tem encontrado para transmitir todo o DNA e brasilidade de uma das marcas mais icônicas do país.  

Com mais de 20 anos de experiência em bens de consumo, Danielle chegou no escritório de Hong Kong em 2018, poucos meses depois da abertura, e hoje lidera um time com mais de dez pessoas das mais diversas nacionalidades: de chineses a americanos, além de profissionais de Hong Kong.  

Como você chegou a Havaianas?
Eu tenho mais de 20 anos de experiência em bens de consumo, grande parte da minha vida foi entre Brasil e América Latina. Eu trabalhei quase 14 anos na P&G e acabei vindo para a Ásia quando o meu marido, que é piloto, teve uma super oportunidade. A gente resolveu conhecer um pouco desta região que para nós, como brasileiros, é super diferente em termos de cultura, hábitos de consumo, mas viu como uma super oportunidade de crescimento.  Neste período, a Havaianas estava começando a montar o nosso escritório APAC, no final de 2017, por que antes o negócio era feito por um time que cuidava da área de exportação localizada no Brasil. Com a estratégia de crescer de forma mais acelerada nos mercados internacionais, a companhia decidiu montar um hub forte na Ásia.  Já existia toda a nossa sede na Europa e nos Estados Unidos e eles complementaram com o hub na Ásia e também para a América Latina. Foi neste momento que acabei entrando, fui a funcionária cinco, em um momento bem startup, para cuidar de marca, produto e hoje sou a responsável também pelo  e-commerce para a região. Para mim, foi uma oportunidade maravilhosa porque, como brasileira, não tem melhor marca que a Havaianas. Ela traz toda brasilidade, orgulho e aqui na Ásia a gente ainda tem muita oportunidade de crescimento. Hoje, temos uma equipe de uns 30 funcionários em nosso escritório de Hong Kong, que cobre, basicamente, 16 países, e nós montamos também a operação na China, como mais 10 pessoas dedicadas. São dois escritórios regionais.

Danielle Panissa foi a quinta profissional a integrar a equipe de Havaianas na Ásia (Divulgação

Como tem sido o seu trabalho na região?
Hoje, o meu papel é trazer todo o diferencial da marca Havaianas não só da parte de portfólio de produtos, mas realmente se conectar emocionalmente com o consumidor da Ásia. E, para isso, tem coisas que é a mesma forma com a qual temos que trabalhar a marca na Europa, no Estados Unidos, com muita consistência. Principalmente, se você olha os assets, ícones da marca, posicionamento “designed for a free life”, mas também temos entendido que é muito importante a gente tropicalizar e ter uma visão “glocal”. E, aqui na Ásia, o que tem funcionado muito é a força das collabs. Nos últimos dois, três anos, a gente vem fazendo colaborações com marcas da Ásia, como Mastermind, Mastermind, BAPE, Hypebeast. E nós começamos a lançar alguns produtos que faziam parte de contextos importantes regionais. Por exemplo, no ano passado, desenvolvemos uma coleção especial do “ano novo chinês”, que acabou sendo comercializada também na Europa, nos Estados Unidos e em outros mercados da APAC. Para aquele momento, fizemos uma parceria com uma designer chinesa, que criou toda a parte de conteúdo, fizemos o lifestyle shooting. Tudo isso porque era importante fazer parte deste momento do consumidor asiático. Foi um super aprendizado para nós.

E a conexão com o público asiático?
Hoje, como temos o hub local, estamos conectados com o consumidor e, ao mesmo tempo, trabalhando com a equipe global, a gente consegue desenvolver esses projetos. Agora, acabamos de lançar a segunda edição da "Sakura", que é a Cerejeira que marca o começo da primavera no Japão. É o começo da Havaianas, as pessoas saindo do inverno e começando a usar um pouco mais dos sapatos abertos. No ano passado, fizemos uma campanha com algumas influenciadoras japonesas, como Ami e Aya, que são bem icônicas no país. A gente fez toda uma criação de conteúdo com elas, desenvolvimento de produtos e agora a gente está trazendo essa coleção novamente. E isso, de novo, faz parte da nossa estratégia de crescer se conectando também com o consumidor local e fazendo essa relação de uma forma emocional sem deixar perder o DNA Havaianas, o que a gente quer transmitir e, principalmente, trazendo essa leveza  e liberdade.

A Havaianas traz essa narrativa de leveza e experiências fora de casa. E, no meio desse processo de construção do escritório na Ásia, veio a pandemia, com todo mundo ficando em casa. Como foi esse momento para vocês?
Foi uma super oportunidade para a gente se reinventar. Da mesma forma que no Brasil, mesmo com a pandemia, a quantidade de inovação que a Havaianas trouxe foi fantástica. A gente continuou se conectando ainda mais com os consumidores. No nosso caso, também tivemos que nos reinventar. Se os consumidores não estavam mais viajando para as praias, pensamos: como podemos trazer a marca para esses consumidores que estão mais nos grandes centros urbanos agora? E aí adaptamos um pouco a nossa comunicação focada em grandes cidades.

Postagem sobre a loja da Havaianas em Sanya, na China, que fica dentro hotel Atlantis. Abaixo do logo, o conceito "Designed for a free life, since 1962" (Reprodução)

Começamos a fazer conteúdos, de novo, com grandes influenciadores, focados em usos, como para ir a restaurantes, em shoppings, porque as pessoas não ficaram 100% fechadas. Para nós, o maior impacto foi não ter mais viagens, mas o consumidor ainda tinha um acesso, mesmo que mais limitado, a ocasiões urbanas. Muitos mercados não tiveram o “work from home”. Eu, que moro em Hong Kong, fiz home office só agora em fevereiro, até então continuava indo para o escritório, praticamente todos os dias. A nossa adaptação de estratégia foi mais focada em um consumo urbano e menos no uso de férias e de lazer. Com essa mudança, a gente continuou crescendo e conquistando mais os consumidores locais.

Hoje, quem é o consumidor de Havaianas na Ásia?
Nós sabemos que a Havaianas é uma marca muito democrática e temos produtos para todo mundo, mas o nosso grande foco é em mulheres de 18 a 35 anos que gostam de aproveitar a vida, têm um lado fashion e gostam de viajar e de estar com os amigos. Claro que, dependendo de um mercado ou outro, você tem uns fatores mais diferenciados. Na China, por exemplo, a gente está falando muito do consumidor do sul porque é onde a temperatura é mais amena e consumo de chinelos é maior do que em áreas de inverno rigoroso.

Cuidando de 17 países, além desse exemplo chinês, tem outras diferenças que te chamaram a atenção como começou a cuidar de Havaianas?
Para mim, a Austrália é um mercado em que a marca é amada da mesma forma que ela é amada no Brasil. É muito forte e qualquer um conhece a marca. Como tem essa cultura de praia, quando chega o verão, a conexão é imediata. Só que é um país onde as pessoas têm um melhor poder aquisitivo. E tem um outro mercado, que é o nosso segundo maior na Ásia, que tem uma situação completamente diferente, as Filipinas. Se você olhar o PIB deles, é infinitamente menor que o da Austrália, só que a marca é desejada por todo tipo de consumidor e é um produto muito premium. Eles são apaixonados pela marca e, às vezes, ficam um ano guardando dinheiro para comprar um produto da Havaianas e, quando usam, querem mostrar o logo, que é um produto diferenciado. Então, existem essas diferenças. É um contexto totalmente diferente pelo poder aquisitivo do público da Austrália, mas nos dois mercados é uma “love brand” e a número 1 tanto em awareness como em top of mind.  

Tem mais algum exemplo?
Outra grande curiosidade é a Indonésia. Lá, nós temos 51 lojas, sendo praticamente 30 em Bali. Praticamente em cada esquina tem uma loja da Havaianas. Com a pandemia, o tráfego de turismo caiu muito. E começamos a nos perguntar como poderíamos crescer no país sem contar com Bali. Quando mudamos a nossa estratégia e começamos a trabalhar com a Luna Maya, influenciadora que tem 33 milhões de seguidores, iniciamos a criação de conteúdos para falar com os consumidores urbanos da Indonésia, principalmente de Jacarta, e hoje o nosso negócio urbano já está maior do que o de Bali.

Você citou muitas parcerias com influenciadores para posicionar. Qual a importância dos criadores de conteúdos nestes países?
A gente se inspira muito do que é feito no Brasil, que é uma referência. Tanto na Ásia quanto no Brasil é muito importante você ter alguns influenciadores, mas é chave você escolher com quem você quer se associar. Nós fazemos um trabalho bem detalhado para saber quem são esses grandes porta-vozes, que se conectam, têm os mesmos valores, que vão trabalhar com as suas comunidades e trazer realmente a marca de uma forma leve, fun, divertida, fazendo com que o consumidor se sinta livre para se expressar. Acho que a gente fez de uma maneira muito assertiva na Indonésia. Hoje, acabamos de montar um squad na Malásia, estamos montando na Tailândia, com pessoas que são realmente embaixadoras da marca. E tem mercados onde o influenciador é super importante. Não é só um meio, é mais do que isso, ele nos ajuda a atingir o coração dos consumidores, abrir consideração da marca. Conseguem tropicalizar a mensagem da marca da forma que o consumidor local se conecta ainda mais. Tem funcionado muito bem.

Lançamento da segunda edição da coleção "Sakura" no Japão para posicionar a marca no país (Divulgação)

Como funciona a integração com o global?
Nós temos alguns projetos grandes, tanto as colaborações quanto o Pride, com foco em diversidade. São ações globais, mas que a gente busca executar localmente. No projeto de Pride, a gente fez uma ação maravilhosa há dois anos, por exemplo, em Bondi Beach, na Austrália, reaplicando a mesma campanha, mas fazendo uma ativação diferenciada em cada um dos países com as mesmas mensagens, visuais e pilares de investimentos. Hoje, eu trabalho com um calendário na minha região de ações que fazem parte do calendário global. A  gente busca executar no mesmo timing e, quando não é possível, porque temos questões sazonais, tentamos reaplicar o mesmo toolkit para trazer esse posicionamento de marca global executando nos diferentes mercados de uma forma mais sincrônica. Pride é uma ação que está sempre no nosso calendário. Na Austrália, é em dezembro/janeiro, enquanto nos outros mercados é em junho, como no Japão. Na China, a gente acaba não executando porque tem um desafio maior culturalmente.

Aproveitando essas falas sobre o universo digital, o Beto Funari, presidente da Alpargatas,  disse recentemente que a Havaianas só é vendida na China nos canais digitais. Por quê?
O Beto definiu algumas grandes batalhas, como Estados Unidos, alguns países da Europa e China. Há 4 anos, a China já tinha distribuidor e, quando montamos a sede regional, uma das grandes decisões estratégicas que tomamos foi assumir o negócio direto na China. Tivemos que buscar aqueles grandes logísticos que tem no país, que, basicamente, fazem a execução tanto de importação de produto quanto do armazenamento logístico e que são muito focados no online. Então, nós decidimos entrar no digital primeiro e estamos avaliando agora quais são os momentos para uma expansão para o offline. Estamos começando a aprender o que seria o canal offline, que seriam as lojas ou pop-ups. Como é muito mais sazonal, poderíamos ter pop-ups regionais e em algumas áreas ter expansão com distribuidores, mas é um trabalho que ainda está começando. O foco, por ora, é no crescimento nas plataformas online.  

Como você já comentou, a Havaianas é uma marca que carrega um DNA muito forte de Brasil. Qual é o nível de conhecimento das pessoas em relação ao país?
O nível de conhecimento do Brasil é muito superficial na maioria dos países da Ásia. Conhecem muito como um lugar exótico, de praias, com pessoas felizes e lugares bonitos. O que, por outro lado, ajuda muito a Havaianas, logo que a marca representa isso, essa coisa da felicidade, do fun e do universal. Mas eles têm um conhecimento limitado.  Hoje, a gente usa na Ásia a assinatura “designed for a free life, since 1962”,  e tenta trazer a brasilidade dentro da nossa forma de atuar. Sempre com a parte do lifestyle shooting onde buscamos apresentar esse lado do Brasil. Por mais que tenhamos uma fotografia mais internacional, temos alguns conteúdos que mostram esse nosso DNA como marca. Quando a gente trouxe influenciadores da Ásia para o Brasil foi o momento que falamos mais do que é o país e da sua relevância. E, quando houve a inauguração de um escritório nosso e convidamos a imprensa, buscamos trazer esse lado para falar um pouco mais da nossa cultura, do jeito que nos relacionamos com os nossos consumidores e como a Havaianas é uma marca muito mais informal.

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Panissa entre Shirane Diesing e Yuna Chan

E como funciona essa relação com o seu time hoje, que é formado por pessoas de outras nacionalidades? Como é o processo para transmitir esse valor cultural e brasileiro da marca?
Nós  temos um contato muito forte com o time global e incentivamos muito a troca para que a gente consiga mostrar essa cultura para todo mundo, muitos dos quais nunca vieram ao Brasil. Para você ter uma ideia, antes da pandemia, todo ano vínhamos, pelo menos, 2 vezes ao Brasil para eventos de lançamento, fóruns. E toda vez, eu tentava trazer alguém da equipe, por que a gente acredita que é super importante para se conectar com a nossa marca e com a nossa cultura. Nós temos focado muito em como ter essa cultura forte e isso ser um grande fator para atrair e reter talentos na nossa organização. Agora, como não estamos podendo viajar, o time global faz grandes eventos online a cada 4 ou 5 meses e o time brasileiro tenta trazer a vibe da Havaianas digitalmente. No último, por exemplo, teve uma banda tocando músicas brasileiras, como uma forma das pessoas terem um pouco mais de contato. E isso pode ser um diferencial porque quanto mais a pessoa se conecta com a nossa marca e a nossa cultura, a gente vê um nível de engajamento muito maior, tanto dos funcionários quanto parceiros, como agências, influenciadores.