Em entrevista ao PROPMARK, Fátima Pissarra, CEO da Mynd, fala sobre pedidos de marcas para que influenciadores e artistas não se posicionem politicamente

O clima de polarização político-eleitoral tem criado pressão no universo do marketing de influência. Nos últimos meses, criadores de conteúdo e artistas têm criticado propostas com cláusulas restritivas a posicionamentos políticos que partem de marcas e agências de publicidade.

Mais recentemente, foi a vez de Luísa Sonza, agenciada pela Mynd, que agencia artistas e influenciadores, entre os quais Pabllo Vittar, Gil do Vigor, Yuri Marçal, Pequena Lo, Cleo, Ice Blue (Racionais MC's), Majur, Rincon Sapiência e Babu Santana.    

No post, a artista fala de marcas que têm até 'derrubado' jobs com profissionais que se posicionam politicamente. Em entrevista ao PROPMARK, Fátima Pissarra, CEO da Mynd, confirma a situação e dá detalhes do que tem acontecido no mercado.  

"Sim, é um processo bastante corriqueiro", afirma a executiva em entrevista por email. "Há bastante tempo, isso vem acontecendo e parece que não diminui. Nós acreditamos que deveria diminuir e que as marcas deveriam incentivar que as pessoas lutem por seu propósito e se posicionem e busquem uma sociedade com mais respeito e igualdade, e não que se preocupassem com quem elas votam", complementa Pissara.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Nós temos acompanhado vários influenciadores comentando que estão recebendo propostas com cláusulas contratuais exigindo que não se posicionem política e ideologicamente. Mais recentemente, a Luísa Sonza também postou sobre e citou a Mynd. Como vocês têm acompanhado e lidado com esse tipo de situação?
Sim, é verdade. Alguns contratos vêm com esse tipo de solicitação. O que nós falamos para o influenciador é, obviamente, para não aceitar, porque isso tolhe a cidadania e o direito de expressão de qualquer um. É até mesmo inconstitucional. O que falamos é que a marca tem que contratar a pessoa pelo que ela é e pelo que ela passa para os seus seguidores, independentemente de quem ela vota. Nós acreditamos que esse tipo de cláusula e pedido não são válidos e, por isso, não deveriam ser feitos. Estamos em um país onde cada vez mais as pessoas são incentivadas a se posicionarem, principalmente em questões relacionadas ao empoderamento feminino, racismo, homofobia e tantas outras causas que a gente fala para as pessoas abraçarem. Acho que essa deveria ser mais uma causa que a pessoa abrace, se posicione e vá para a rua exigir seus direitos. Então, o que nós falamos para a pessoa é que ela tenha seu posicionamento, sua postura e cobre isso para que a gente consiga exercer o poder de cidadania, reivindicando o que acha que não está correto.

Qual é a posição da agência sobre esses episódios?
A agência não se posiciona diretamente, porque diz respeito a cada pessoa. A Mynd respeita a opinião de cada influenciador e como ele quer dar jornada ao seu trabalho. A Mynd, como agência, preserva sempre a cidadania, o respeito ao próximo e a liberdade de expressão no que tange não interferir no próximo. Somos uma empresa que preza pelo respeito e pela questão de raça e de gênero, para que possamos ter um mundo melhor e conviver da melhor forma possível, com respeito e amor ao próximo. Em relação à política, também exercemos nossa cidadania para que os políticos façam um trabalho cada vez melhor em prol do país, para que todas as pessoas possam ter uma vida melhor.

Quando colocam que os influenciadores não podem se posicionar politicamente, as marcas querem dizer especificamente o quê?
Quando recebemos um e-mail dizendo que a marca não quer pessoas que se posicionam politicamente, normalmente, ela está se referindo às pessoas que são posicionadas politicamente a favor do Partido dos Trabalhadores (PT). O porquê, eu não sei. Mas normalmente não se refere às pessoas que votam no Bolsonaro. Nós recebemos esses pedidos, assim como já recebemos outras coisas, como: “Eu quero essa pessoa, mas vi que ela vota e se posiciona nesse partido, então não quero mais contratá-la. Não quero me envolver com política esse ano”. Eu acho que existe uma percepção das marcas de que se ela apoiar um influenciador que vota em determinado partido, consequentemente, é como se ela estivesse apoiando determinado partido. O que, para mim, como Mynd, está errado. Você contrata um influenciador pelo que ele é, com quem ele fala e por como ele se comunica com os seus seguidores. Para mim, você pode ser uma mulher empoderada, um cantor que defende o empoderamento feminino e outras causas importantes, como raça e gênero, e tanto faz em quem você vota. Mas, infelizmente, chegam esses pedidos para que as pessoas não se expressem politicamente, o que é péssimo a partir do momento em que moramos em um país onde cada vez mais pedimos para que a sociedade se posicione. É triste ver as marcas querendo tirar esse tipo de posicionamento.

Esse processo já aconteceu em outros momentos? Se sim, quando e como?
Sim, é um processo bastante corriqueiro. Nós trabalhamos com a Gleice, por exemplo, que, logo depois que saiu do BBB e falou “Lula Livre”, teve várias marcas pedindo para que ela não se posicionasse politicamente ou que não quiseram contratá-la por isso. Há bastante tempo, isso vem acontecendo e parece que não diminui. Nós acreditamos que deveria diminuir e que as marcas deveriam incentivar que as pessoas lutem por seu propósito e se posicionem e busquem uma sociedade com mais respeito e igualdade, e não que se preocupassem com quem elas votam.

Quais são as empresas ou segmentos que mais demandam uma isenção político-ideológica?
As empresas mais multinacionais e internacionais são as que menos ligam. Há muito tempo, a Coca-Cola bancou colocar a Pabllo Vittar em uma lata de refrigerante. Quando ela fez isso, recebeu vários comentários negativos e xingamentos. Também houve campanhas do Banco Itaú com a Pabllo, do Santander com o Gil do Vigor, entre outras. Normalmente, as marcas que puxam esse tipo de comunicação mais abrangente e inclusiva, sem se importar com quem o influenciador vota, são as empresas mais multinacionais. As marcas locais, de apenas um dono, são as que mais pedem para que as pessoas não se posicionem politicamente e ideologicamente, porque têm medo da represália que podem sofrer. O que vemos ao longo do tempo, principalmente por trabalhar com questões supostamente “polêmicas”, como raça e gênero, é que as marcas que se posicionam possuem sim haters, porém também possuem pessoas ao lado delas que são muito mais fiéis do que se fosse uma marca “em cima do muro” e que não tivesse hater. Se você tem uma marca que está em cima do muro e não tem hater, muito provavelmente ela também não tem pessoas muito fiéis. Se uma marca tem hater, a parte de fidelidade dela também é muito mais forte, com pessoas que lutam e brigam por ela.

Em que momento surgem essas cláusulas? Logo no início das conversas ou mais na hora de bater o martelo? Caso mais ao final, qual o nível de desgaste que tem gerado com os influenciadores e creators?Muitas vêm no início mesmo. O que a gente vê, muitas vezes, é que as pessoas que já são defensoras de questões supostamente “polêmicas”, como raça e gênero, são mais comuns de serem aceitas com defesas políticas, porque elas já estão do lado de lá das pessoas que têm um posicionamento forte. Quando você pega um tipo de pessoa que não tem essas questões mais ativistas, é mais difícil da marca aceitar que ela tenha um posicionamento político. Os pedidos são diversos e em diferentes momentos, seja no início, no meio ou no fim de uma campanha.

Alguns influenciadores já afirmaram que tiveram propostas (com cláusulas restritivas sobre posicionamentos) com valores acima do que costumam receber. Isso também tem acontecido com influenciadores da Mynd?
Eu nunca reparei na questão do valor e nunca foi mencionado que “se aceitar um valor a mais, não pode se posicionar politicamente”. Normalmente, a marca pede para que a pessoa não se posicione politicamente, independentemente do valor. E nós nunca falamos: “Para não se posicionar, vamos cobrar mais”. Eu desconheço. Com a gente, nunca aconteceu.

A Mynd tem um cálculo ou estimativa de quantos projetos e parcerias já perdeu em razão dessas exigências por parte das marcas?
Primeiro, nós não consideramos que perdemos, mas sim que ganhamos na questão da luta por uma sociedade melhor, mais igualitária e com mais respeito. Então, para nós, é um ganho e não uma perda. Mas sim, existem inúmeras marcas que pedem para não trabalhar com influenciadores que se posicionam. É sim uma fonte direta de renda que não se realiza, porém é uma questão de liberdade de expressão, de posicionamento e de acesso, que é muito importante em uma sociedade em que cada vez mais devemos lutar por respeito e igualdade.