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O Festival de Cannes se encerrou no último dia 22, mas tudo o que ocorreu naquela semana será objeto de reflexão do mercado por, pelo menos, mais 12 meses. E, embora a programação de seminários, as festas e os espaços de relacionamento sejam importantes para o setor gerar negócios, é nas salas de júri das 26 categorias que está o coração do evento: as grandes ideias que levam a publicidade adiante. Foi ali que se descobriu a força de Palau Pledge, que saiu da Riviera Francesa com três Grand Prix, um Leão de ouro, dois de prata e um de bronze. O segmento de turismo já teve campanhas bastante premiadas no festival, especialmente The Best Job in The World, ação de 2009 que ofereceu um emprego inacreditável na ilha de Queensland (salários altos para supervisionar a ilha), como forma de divulgar o turismo local.

Desta vez, a ideia foi criar um juramento atestado nos passaportes dos visitantes à ilha de Palau, em que eles se comprometem a preservar a natureza e, consequentemente, as futuras gerações do local. Ganhou o Grand Prix em Titanium Lions, dedicado às grandes ideias, além de Sustainable Development Goals e Direct. Criada pela Host/Havas – o brasileiro Gustavo Vampré é um dos que assinam a campanha -, ação pode vir a tomar escala e ser adotada em outros lugares do mundo.

“Essa ideia foi além da mensagem. Ela mudou ideias de governos e os fez criar algo sustentável”, afirmou Colleen de Courcy, sócia e diretora-executiva de criação da Wieden+Kennedy, que presidiu o júri de Titanium. “Foi a ideia mais inovadora de Cannes, que pode funcionar em qualquer lugar do mundo”, acompanhou Mark Tutssel, chairman da Leo Burnett mundial, presidente do júri de Sustainable Development Goals.

A grande mensagem de Palau Pledge para o mercado é que a publicidade pode e deve trabalhar de forma integrada com duas coisas que sempre pareceram caminhar separadas para os publicitários: resultados de negócios e objetivo de melhorar o mundo. O case até parece feito apenas para caridade, como tantas outras campanhas que passaram por Cannes e tinham foco em ganhos sociais, e Leões. Neste caso, a intenção era, além de trazer impactos positivos para o meio ambiente de Palau, despertar a sensibilidade das pessoas para práticas sustentáveis que, futuramente, permitirão que o número de turistas cresça, bem como a economia da ilha. “É uma campanha que propõe um ganho social, mas também um ganho econômico”, resume Courcy.

Nessa mesma linha, o GP de Product Design, Kingo, da Ogilvy Colombia para Kingo, mostrou a tecnologia aplicada a uma solução que melhora a vida das pessoas. Na Guatemala, em locais distantes, foram instalados painéis solares e baterias, de graça. Para ativar o fornecimento, as pessoas podem comprar “créditos” por dias ou horas. O sistema reduziu custos para as pessoas e pretende chegar a 500 milhões de pessoas até 2035. Assim, resolve-se um problema social, ao mesmo tempo que traz resultados de negócios, com mais pessoas migrando para o consumo de energia.

TV vale a pena
Outro único case além de Palau Pledge que ganhou mais de um Grand Prix, Trash Isles, da AMVBBDO de Londres para Plastic Oceans, foi vencedora em PR e Design. Ao descobrir uma ilha real de plástico do tamanho da França no Oceano Pacífico, a ONG decidiu entrar com um recurso para que esse espaço flutuante virasse um país oficial, com bandeira, passaporte e até uma rainha. A iniciativa mostrou ao mercado a força de uma grande ideia e do design aplicados à criação de passaportes, bandeiras e demais materiais do “novo país”, para gerar discussão.

Além da questão de se preocupar com o meio ambiente, a mensagem da campanha ao mercado é o quanto uma ação não deve se encerrar em si própria, controlando todos os aspectos da mensagem. A Ilha do Lixo foi desenhada para empoderar jovens a fazerem eles próprios o lobby junto às Nações Unidas para reconhecer a quantidade de plástico no oceano como um grande problema da humanidade, o que, em parte, foi conquistado.

Na categoria mais tradicional de Cannes, Film Lions, It’s a Tide ad, da Saatchi & Saatchi NY para Procter & Gamble, mostrou ao mercado que uma marca pode continuar investindo pesado em meios tradicionais. A compra de 90 segundos do Super Bowl a US$ 15 milhões foi a estratégia perfeita para o comercial, que fez referências a diversos filmes históricos veiculados nos intervalos do evento, para comprovar que, sempre, as camisas estão limpas. Portanto, todos são comerciais do sabão Tide. Evidentemente, a campanha também estava preparada para uma estratégia digital. Mesmo a celebridade escolhida, o ator David Harbour (de Stranger Things), foi pensada no sentido de alguém com força na TV tradicional e influenciador nas redes sociais.

Um segundo GP em Film foi outorgado a The Talk, da BBDO NY para P&G, uma peça que reforça o posicionamento da empresa em discutir a questão racial, ao recriar a “conversa” que pais negros precisam ter com seus filhos para prepará-los para as dificuldades que o racismo impõe à vida. A empresa, o maior anunciante do mundo, deixa claro às outras marcas que é preciso construir um propósito muito forte e se posicionar quando for preciso.

Tecnologia
Em meio a essas tendências, a principal parece ser a fusão entre emoções humanas e tecnologia. Nos últimos anos, houve uma grande correria nas agências para se pensar em campanhas com uso de dados, realidade virtual e aumentada, geolocalização, wereables, robótica e tantas outras novidades colhidas em lugares como o SXSW. E também, uma preocupação reforçada com a qualidade de craft das peças.

O Cannes Lions 2018 mostrou que a abertura a tantas novidades é válida, mas desde que as campanhas consigam manter as emoções humanas como prioridade. Foi o caso de Hope, da Sra. Rushmore Madrid para Cruz Vermelha, vencedor do Grand Prix em Film Craft, categoria focada na excelência e qualidade da produção. Inscrita na subcategoria dedicada à direção do filme, a ação tirou lágrimas dos integrantes do júri ao retratar a história do pai que busca socorro para a filha e descobre que o hospital foi destruído. A mensagem é de que “sem hospitais, não há esperança”.

Com sete Leões, incluindo um GP em Creative Data e ouro em Radio, JFKUnsilenced, da Rothco/Accenture Interactive (Irlanda) para The Times (primeiro Leão da história de uma empresa ligada a consultoria), conseguiu utilizar os dados de uma maneira a dar vida às palavras de John F. Kennedy. A inteligência artificial permitiu prever como teria sido o discurso do presidente americano, caso não tivesse sido assassinado em Dallas, em 1963. Sua voz foi adaptada de vários discursos para recriar este. Em Innovation, o GP foi para Myline, da MullenLowe SSP3 (Bogotá) para Ministério das Comunicações e Tecnologia, que permitiu a pessoas de regiões extremas da Colômbia, que não possuem acesso a internet ou smartphones, fazerem pesquisas na internet com seus telefones. Nesse caso, duas grandes tendências tecnológicas, inteligência artificial e reconhecimento de voz, trabalharam juntas para melhorar a vida das pessoas.

Lições do Brasil
Ganhador em Mobile Lions, Detector de Corrupção, da Grey Brasil para Reclame Aqui, usa a tecnologia de reconhecimento facial como uma forma de tentar diminuir a corrupção. A partir de agosto, com o início do processo eleitoral, uma equipe de dez pessoas vai alimentar a base de dados do projeto, com informações sobre crimes ou acusações contra candidatos a todos os cargos em disputa, exceto deputados estaduais. O outro GP brasileiro, Tagwords, da Africa para Budweiser, foi vencedor em Print&Publishing Lions. Além de indicar uma evolução da área, que antes se encerrava nos anúncios impressos, o case mostra o poder de uma boa peça de print para gerar engajamento e conversar com o mundo digital. Na campanha a publicidade convidava as pessoas a buscarem por alguns termos de pesquisa. Os resultados traziam imagens de grandes artistas e eventos mostrando uma lata ou garrafa de Budweiser sempre presente.

Cases

Hope, que conquistou o GP em Film Craft; ação levou júri às lágrimas ao retratar a história de um pai que busca socorro para a filha: 

Um dos GPs brasileiros foi Tagwords, da Africa para Budweiser, em Print&Publishing:

Um dos GPs de Film foi para It’s a Tide Ad, da Saatchi & Saatchi NY para P&G:

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