Jogador brasileiro voltou a ser vítima de racismo na Espanha e internet faz barulho em busca de justiça
Durante a 35ª rodada do Campeonato Espanhol, o jogador brasileiro Vinícius Júnior voltou a ser alvo de ataques racistas no jogo entre Real Madrid e Valência, que foi realizado no último domingo (21).
O episódio causou revolta não somente no jogador e em seus colegas de time, mas também em parte dos telespectadores que estavam acompanhando a partida de futebol. Logo, se iniciou uma corrente de apoio e busca por justiça nas redes sociais — que está repercutindo durante toda a semana.
Como era de se imaginar, tanto a La Liga quanto os seus patrocinadores foram pressionados pelo público que estava à espera de um posicionamento e, dentre todos, o Santander foi o que sofreu a maior pressão por ser a principal patrocinadora do campeonato. Em nota, o banco apontou que "repudia veementemente qualquer manifestação preconceituosa ou racista”.
As pressões em cima do banco chegaram ao Sindicato dos Bancários, que se posicionou contra a omissão do Santander com o caso e criticando as campanhas publicitárias do serviço, que, segundo o movimento, destacam a diversidade e igualdade, mas seguirá com o patrocínio da La Liga até o fim da temporada.
"O banco destaca em suas campanhas publicitárias a promoção da diversidade e igualdade, mas na prática manterá o patrocínio ao campeonato espanhol até o fim da temporada. Sabemos que, quem silencia em casos de violência, compactua com ela. Para combater o racismo é preciso ser antirracista. Por isso, reiteramos a importância de medidas efetivas para combater o crime de ódio, não basta uma mensagem com fins publicitários. E aguardamos as punições adequadas a pessoas e entidades que cometem crimes e silenciam frente à violência", reiterou o movimento.
A Puma, patrocinadora da federação e do Valencia, também se posicionou e ofereceu apoio ao jogador brasileiro. "Na Puma, não toleramos o racismo, condenamos a discriminação de qualquer forma e nos solidarizamos com Vinícius Júnior e toda a comunidade do futebol", disse a marca em comunicado à Reuters.
"Os patrocinadores buscam se associar com o esporte pelos atributos que o mesmo proporciona: emoção, felicidade, trabalho em equipe. Patrocinar uma competição em que o racismo ocorre com recorrência é estar endossando os tristes episódios que todos nós estamos vendo. Por isso, empresas, como a Puma e o Santander, se posicionaram rapidamente contrários aos acontecimentos", apontou Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports e especialista em marketing esportivo.
O movimento brasileiro Sleeping Giants está sendo um dos responsáveis pela cobrança das marcas por posicionamento e ações para combater o racismo no futebol.
Apesar das manifestações, ambos não mencionaram ações mais ativas contra o racismo no esporte.
Já em relação à La Liga, as cobranças se tornaram cada vez maior após o presidente da primeira divisão da liga espanhola de futebol ter se esquivado da culpa e atacado Vinícius Jr. nas redes sociais.
"[o caso] Impacta diretamente e da pior forma possível a La Liga. É crise de imagem e não tem jeito. Enquanto a federação não tomar providências mais sérias e assertivas, ela será atacada pelo público por sua omissão. A entidade tem a oportunidade de corrigir os erros e implementar uma nova política que tente evitar ao máximo a recorrência desse tipo de episódios e se tornar referência para outras ligas e campeonatos ao redor do mundo", afirmou Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em gestão esportiva.
Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, endossou a resposta de Salviano e acrescentou que a má resposta da entidade fez com que as marcas precisassem se posicionar de forma contrária, levando para a federação espanhola a mensagem de que "não estamos no mesmo barco".
"O que aconteceu foi uma espécie de war room, comum no meio quando algo assim acontece, para que os patrocinadores se posicionassem, já que a entidade que cuida do assunto não fez isso da forma correta e esperada perante a sociedade. Então, as marcas começaram a soltar as próprias notas dizendo que não concordavam com o que estava acontecendo e colocando a La Liga em uma situação mais difícil ainda. A mensagem das marcas é que 'eu não concordo com você e, mesmo te patrocinando, não estamos no mesmo barco'", ressaltou o docente.
Além destas, outras marcas e entidades entraram na corrente de solidariedade ao jogador brasileiro, como por exemplo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Nike.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se juntou aos internautas e fez um pronunciamento, no qual exigiu que a Fifa, a La Liga e ligas de outros países tomem providências.
Daqui para frente
Este foi o décimo primeiro caso de racismo sofrido pelo atleta brasileiro e, com isso, a imagem La Liga está manchada. Segundo Fabio Wolff, daqui pra frente a federação precisa desenvolver uma política que garanta a punição tanto de torcedores quanto de times que praticarem ou apoiarem atos criminosos, como racismo.
"A La Liga tem a oportunidade de mostrar ao mundo através de medidas drásticas e efetivas que a mesma não tolera e nem tolerará mais o racismo. Isso deve ocorrer imediatamente, não existe mais margem para equívocos", apontou o sócio-diretor da Wolff Sports.
Já no ponto de vista dos patrocinadores, Salviano apontou que é necessário que estas marcas, junto à federação, se mostrem ativas na luta contra o racismo com projetos e campanhas de conscientização, por exemplo.
"Seria de bom tom que a Liga e as marcas que financiam o campeonato desenvolvam projetos e campanhas de conscientização para que casos como estes não voltem a ocorrer. No entanto, cabe ressaltar que o combate ao racismo não pode ficar restrito apenas aos discursos de campanhas e posicionamentos oficiais. É preciso de ações práticas, assertivas e urgentes", concluiu o CEO da Heatmap.
Falando agora sobre o Vinícius Júnior, Martino acredita que, apesar de lamentável, o caso fez com que ele se torne uma voz cada vez mais ativa na luta contra o racismo.
"Apesar de ser uma situação lamentável, a resposta que o Vinícius Jr. teve faz com que ele aumente ainda mais de tamanho, como um embaixador da luta contra o racismo, se juntando a nomes históricos como Lewis Hamilton e LeBron James, por exemplo. Ele se torna uma pessoa que, provavelmente, será lembrada como quem vai mudar a forma como o futebol, especialmente o espanhol, trata desse assunto", ressaltou o professor da ESPM.
Entenda o caso
Em uma partida do Real Madrid e Valencia, Vini Jr foi acertado por uma segunda bola em campo, o que levou a uma série de reclamações do jogador e seus companheiros de time. Enquanto o incomodo era resolvido, parte da torcida do time adversário (Valencia), iniciou um coro chamando Vini Jr de "macaco".
Revoltado com a situação, Vini Jr mostrou para o árbitro de onde vinham os gritos racistas e mesmo assim, os gritos continuaram. Mais para frente, no final da partida, uma confusão se iniciou entre os jogadores rivais e o atleta brasileiro foi imobilizado por um dos rivais com um um mata-leão e, após a interferência do VAR, expulso por revidar com um tapa.
Ainda no domingo, o jogador lamentou a partida nas redes sociais. "Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato, que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi, hoje é dos racistas", desabafou Vini Jr.
O atleta destacou que este não é o primeiro episódio de racismo que sofreu no esporte. Em fevereiro deste ano, a La Liga, responsável pelo Campeonato Espanhol, criou uma comissão especial para cuidar dos casos de racismo contra o jogador.
Para além do barulho nas redes e a manifestação de algumas marcas, após anos de ataque, as autoridades identificaram os responsáveis pelos ataques racistas e os detiveram na Espanha após o jogo do último domingo. A polícia prendeu sete torcedores, mas, até o momento, três já foram liberados após prestarem depoimento.