Anunciantes exploram recursos de IA para criar filmes, personagens e experiências imersivas
A inteligência artificial deixou de ser um recurso de bastidor nas campanhas publicitárias para se tornar um elemento protagonista das narrativas. Com a popularização de ferramentas generativas, marcas e agências estão experimentando novas formas de criação, mesclando entretenimento, dados e automação.
Recentes campanhas de empresas como Smart Fit, Avon, Decolar e Tetra Pak mostram como a IA já está sendo usada não só para acelerar processos, mas para inspirar conceitos, criar estéticas próprias e encenar mundos imaginários. O avanço, no entanto, não acontece sem discussões: ética, originalidade e repetição são pontos centrais nas análises de especialistas ouvidos pelo propmark.
Quando a IA 'assume' a criação
A Smart Fit lançou a campanha 'Passaporte pro Shape', criada pela Milá, que usa IA para simular 'destinos' de treino como agachamento búlgaro e flexão hindu. O filme adota linguagem inspirada em comerciais de turismo e combina nomes de exercícios com países, com foco na retomada do público às academias após o período de férias.
Já a Avon apostou em um filme gerado por IA para abrir o Mês do Batom. A campanha, da VML, usou o conceito de Bolsa de Valores para posicionar a linha Ultra como o 'melhor investimento para os lábios'. A ação incluiu ainda uma live shop, influenciadoras e cupons, com presença de Márcia Sensitiva como porta-voz da abertura do mês.

A Decolar apresentou a campanha Aniver Decolar, com produção 100% em IA generativa. Criada pela REF+, com execução da ZupCreative, a ação envolveu trilha sonora, personagens e cenários construídos com IA, com foco em mídia multicanal.
Na campanha da Tetra Pak, desenvolvida pela Publicis Brasil, a IA aparece para reforçar o contraste com a tecnologia 'não-artificial' das embalagens longa vida. A atriz Giovanna Antonelli protagoniza o filme que explica o funcionamento da caixinha e sua capacidade de conservar o suco sem a necessidade de conservantes.
IA como aliada (mas não substituta)
Para o professor Samir Nassif Palma, da pós-graduação de Data Analytics e Inteligência Artificial Aplicado ao Marketing na ESPM, a IA amplia as possibilidades criativas, mas não elimina o fator humano. “Ela já é usada para gerar ideias, textos, imagens e vídeos, otimizando tempo e permitindo personalização. Mas a sensibilidade humana continua essencial para garantir propósito, empatia e relevância cultural.”
Palma também destaca que a IA deve ser usada com transparência e cuidado ético: “É fundamental sinalizar quando um conteúdo foi gerado por IA e evitar manipulações que alterem fatos. Culturamente, a supervisão humana é indispensável para evitar ruídos ou crises.”
Já o professor Tiago Rigo, da Famecos/PUCRS, observa que o uso generalizado da IA tem gerado conteúdos criativos, mas pouco diferenciados. “Muitas campanhas se aproveitam das mesmas tendências, memes e estéticas. Quando tudo é muito igual, nada se destaca — e isso enfraquece a comunicação”, afirma.
Rigo alerta para a necessidade de as agências se colocarem como usuárias acima da média. “Se o cliente consegue fazer o mesmo que a agência com IA, para que ele vai contratar a agência? Precisamos ir além da camada visível e usar a IA para análise de briefings, testes, entendimento do público e estratégia.”
E o futuro?
Ambos os especialistas concordam que a IA vai ocupar tarefas operacionais e repetitivas, mas dificilmente substituirá o pensamento criativo. “A fotografia não acabou com a pintura. A IA vai abrir novos caminhos para a criatividade humana”, afirma Palma.
Já Rigo conclui com uma provocação: “O conteúdo autoral e com propósito vai ganhar ainda mais valor. Se a história do personagem usado em uma campanha não importa, talvez a IA possa fazer esse trabalho sozinha. Mas, se quisermos contar histórias reais que conectam, ainda vamos precisar de gente criativa — e atenta — por trás.”
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