Projeto que prevê a ampliação do benefício avança na Câmara dos Deputados e especialistas avaliam efeitos para o mercado

Desde 1988, a licença-paternidade no Brasil segue limitada a cinco dias corridos, salvo no caso de empresas que integram o Programa Empresa Cidadã, que permite a prorrogação por mais 15 dias. Esse cenário, no entanto, pode estar caminhando para uma mudança significativa.

No início deste mês, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 3.935/2008, que amplia o benefício dos atuais cinco para até 20 dias. A proposta, de autoria do Senado Federal e relatada pelo deputado Pedro Campos (PSB-PE), prevê uma implementação gradual, sendo 10 dias nos dois primeiros anos de vigência, 15 dias no terceiro ano e 20 dias no quarto.

A medida ainda será analisada pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial. O projeto contempla trabalhadores com carteira assinada, avulsos e microempreendedores individuais. Casos de adoção, guarda judicial e filhos com deficiência têm acréscimo de um terço no período.

Licença-paternidade nas agências

Em agosto deste ano, o propmark investigou como o mercado publicitário tem avançado no debate sobre paternidade.  Entre os exemplos do setor, o Publicis Groupe oferece 30 dias de licença-paternidade, além de benefícios complementares como auxílio-creche estendido aos pais e folga no aniversário dos filhos.

A Artplan também ampliou o período de afastamento para 30 dias e promove iniciativas de letramento interno, como o programa Homens que Falam, que discute paternidade responsável e masculinidade, além da parceria com a Aliança Sem Estereótipos da ONU Mulheres. A Machina adota medidas práticas de acolhimento, com horários flexíveis, modelo híbrido de trabalho e apoio emocional nas primeiras semanas após o nascimento dos filhos.

Na Monks, as políticas de parentalidade contemplam diferentes formações familiares, com licença de 30 dias, mais 30 em regime de home office, além de benefícios de saúde estendidos aos dependentes. A VML Brasil, integrante do programa Empresa Cidadã, estimula uma cultura de flexibilidade para que pais e mães possam conciliar demandas profissionais e familiares. Já a B&Partners revisa suas políticas para unificar regras entre as empresas do grupo e ampliar o debate sobre masculinidades.

Impactos para empresas e colaboradores

Leandro Ziotto, fundador da CoPai e da 4daddy, afirma que o texto votado na Câmara “foi um avanço histórico, pois ele trata sobre um tema com mais de três décadas de atraso”.

O executivo destaca que, apesar de parecer pouco, o período precisa ser entendido como um ponto de partida. “Esse período precisa ser encarado como um primeiro passo, um caminho aberto em direção ao cuidado compartilhado. Vinte dias não são nem três semanas e estamos na luta pela criação do vínculo permanente, pela criação do hábito, pela mudança cultural”, afirma.

Ao mesmo tempo, ele também reforça que a CoPai continuará defendendo uma licença mínima de 30 dias em um modelo progressivo, e relembra que diversos países já provam que a extensão da licença-paternidade, pois é um "investimento no capital humano que traz ganhos financeiros e econômicos”.

Leandro Ziotto, fundador da CoPai e da 4daddy

Além da mobilização pública, Ziotto destaca o papel das empresas que integram a CoPai. A coalizão reúne hoje mais de 115 organizações signatárias e conta com uma carta aberta assinada por CEOs e lideranças empresariais que apoiam uma política pública de pelo menos 30 dias. Ele afirma que relatos internos das empresas ajudam a desconstruir a percepção de que o mercado não estaria preparado. “Pais que tiraram licença-paternidade em suas equipes e/ou empresas retornaram mais motivados, produtivos e com maior lealdade à empresa”, conta ele.

“As empresas podem encarar a ampliação da licença-paternidade como uma oportunidade para fortalecer a cultura de cuidado, melhorar o clima interno e reforçar a valorização das pessoas", conclui.

Do ponto de vista jurídico, a advogada Glauce Fonçatti, sócia do Escritório Batistute Advogados e especialista em Direito do Trabalho, explica que a ampliação da licença representa um avanço social importante, mas impõe desafios operacionais. Ela afirma que micro e pequenas empresas devem sentir maior impacto, pois contam com equipes reduzidas e funções mais difíceis de substituir. A especialista também alerta para o aspecto financeiro.

“Os principais pontos de atenção para as empresas serão revisar suas políticas e regramentos internos, suas escalas de trabalho, preparar suas lideranças para lidar com as substituições, absorver o impacto dessas substituições temporárias e o impacto financeiro que o benefício trará”, oberva. Ela vê oportunidade para fortalecimento das relações de trabalho, desde que haja suporte ao colaborador durante e após a licença.

Glauce Fonçatti, sócia do Escritório Batistute Advogados (Divulgação)

"O planejamento necessário será a revisão das políticas e regras internas, organização das substituições, das escalas de trabalho, o provisionamento financeiro e também o apoio da empresa no sentido de fomentar uma paternidade responsável”, alerta ela.

Por fim, Glauce reforça: "É importante também preparar as lideranças para lidar com o tema de forma empática e criar políticas de acolhimento no retorno do colaborador, até porque existe a previsão de estabilidade após o retorno".

Foto do topo: unsplash