Lula Vieira

Toda sexta-feira na hora do almoço eu tomava café com leite num pé-sujo com o Milton Gonçalves, pois toda sexta-feira nós fazíamos um debate na Rádio Globo e depois era tradição a gente ir com os convidados ao botequim ao lado da rádio.

Antes que vocês pensem que eu sou um mentiroso hipócrita, contando essas inocências só para me passar por abstêmio, aviso que depois do café com leite cada um ia pro seu lado e, já que se trata de uma sexta-feira, partíamos para as caipirinhas do fim de semana.

Ou seja, o tal café com leitinho é quase uma despedida de solteiro, uma espécie
de aviso prévio para o fígado, lembrando que está na hora de começar a vir chumbo grosso.

Na rodinha podia estar o prefeito, o chefe de polícia, o jogador de futebol, o artista famoso. É a hora da confissão que não se pode fazer no microfone, a hora do sussurro ao pé do ouvido, das maledicências.

Algumas até verdadeiras. A maioria dos fatos que eu tomo conhecimento não posso passar adiante, pois rodinha de botequim é tão sagrada quanto um confessionário, e se eu perder a confiança da turma, passo a ser discriminado. Mas para esta eu abro uma exceção.

Dia desses o Milton me contou uma história que é uma verdadeira parábola. É o caso do jovem galã da Globo que resolveu faturar um extra fazendo uma excursão pelo interior com uma peça teatral.

Espertinho, o cara se decidiu por um monólogo, já que, sem ter de dividir a grana com ninguém, poderia ganhar mais.

Conversa daqui, conversa dali, ele descobriu que havia uma coletânea de monólogos de Shakespeare que era um verdadeiro achado. Não precisava de cenário, não precisava de guarda-roupa, de maquilagem e nem de trilha sonora.

Na verdade, não era preciso nem se preocupar com direito autoral. Era só fazer um belo cartaz com o título “Fulano da novela tal apresenta Shakespeare” e pronto!

Estava garantida a lotação de todos os clubes, cineteatros e casas de espetáculo do interior. Afinal, pensava ele, “a atração sou eu”.

Senhoras e mocinhas do país inteiro não iriam perder a oportunidade de ver de perto o mais fofo de todos os galãs, o gostosão do momento.

Shakespeare, ou seja lá quem fosse, seria mero pretexto. E assim foi feito. Com a ajuda de um diretor veterano, ele meio que decorou falas de Otelo, Julio Cezar, Romeu e fez uma colcha de retalhos em forma de peça.

Criou um traje que se constituía de uma malha preta bem justa (a assistente chamava de “sensual”, mas eu não vou entrar nessa) e imaginou um cenário despojado, tipo “foda-se, vai o que tiver na hora no palco”. Logo na primeira cidade viu que suas previsões estavam certas.

Tinha gente saindo pelo ladrão, com
direito a uma faixa de boas-vindas e gritos histéricos de lindo, gostoso e poderoso.
Um sucesso. Sucesso, disse eu? Espere um pouco.

Uma determinada hora entra nosso amigo no palco e começa a declamar. Ninguém entende nada.

Logo começaram os sussurros, algumas risadinhas discretas e, em seguida, todo mundo passou a conversar em voz alta. Ouviu-se até (horror!) alguns apupos. Nessa hora o nosso galã para, põe as mãos na cintura e grita para a patuleia: “Gente, esperem aí! Não fui eu quem escreveu esta merda…”

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)