O que antes era motivo de constrangimento, hoje já é tendência para diversos ramos, inclusive daqueles que nem poderíamos imaginar.

Nasce um novo jeito de consumir, o consumo consciente.

Estamos em tempos de uso, não de posse. Se você trabalha em alguma empresa de bens de consumo ou está envolvido em qualquer atividade de marketing, já ouviu, falou ou pensou essa frase.

Esta máxima mercadológica pode até soar datada aos mais antenados, mas ela nunca foi tão atual e nunca explicou tanto as movimentações mais recentes (e futuras) do comportamento do consumidor.

A economia colaborativa é uma realidade.

Este novo consumo – não mais pautado nos tradicionais produtos e serviços – é baseado em inovações disruptivas que se apresentam como soluções mais eficientes, economicamente atraentes e com apelo de responsabilidade socioambiental.

Nos últimos anos, observamos o crescimento acelerado de startups com propostas simples, mas com uma grande ambição: mudar a forma de como as pessoas interagem com produtos e serviços no seu dia a dia.

Observamos empresas como o Airbnb, fundada em 2008, tornar-se a “maior rede hoteleira” com mais de 2 milhões de acomodações ao redor do mundo por meio da sua plataforma de aluguel de quartos e casas, sendo duas vezes maior do que o líder “formal” deste mercado, o grupo Marriott International, e com custos operacionais infinitamente inferiores do que os gigantes do setor.

Nessa batalha entre Davi e Golias, a robustez das grandes corporações se torna um peso que dificulta acompanhar a velocidade e capacidade de transformação desses novos concorrentes dispostos a entregar soluções inovadoras para antigas necessidades do consumidor.

Nascidas em grande parte durante a crise econômica de 2008, essas empresas enxergam na instabilidade econômica brasileira solo fértil para crescer as suas participações e se tornarem parte da solução para o brasileiro em crise.

Até então, no Brasil, o crescimento do lifestyle colaborativo ocorria por vetores de consumo consciente e responsabilidade social, atingindo apenas uma parcela da população que é atraída por esses ideais – o que pode ser bastante limitador. Em um cenário de priorização de gastos e contenção de despesas, os consumidores buscam alternativas para gastar menos dinheiro sem abrir mão do conforto e da qualidade de vida adquiridos durante os momentos de bonança. É nesse ponto que aumentam as oportunidades.

Contudo, nem só de mudanças radicais no estilo de vida se alimenta a economia colaborativa.

Um ponto mais trivial, mas que já há anos vem causando mudanças em importantes setores da economia mundial – principalmente o de entretenimento – é a busca pela solução em contrapartida à busca pelo produto.

“Você pode até estar vendendo a furadeira, mas o cliente precisa mesmo é do furo na parede”; por mais óbvia que esta afirmação possa parecer, é extremamente comum que grandes empresas que dispõem de times de marketing qualificados negligenciem esse ponto e abordem as estratégias de marketing orientadas ao cliente com certa miopia, se preocupando apenas com os clássicos 4Ps.

Sempre em movimento

Um setor que vem sofrendo com os efeitos colaterais da crise econômica brasileira é o automotivo.

Vendas de veículos novos em queda (26,5% a menos em relação a 2014) e concessionárias fechando as portas diariamente (1.100 só em 2015), mas a necessidade básica de locomoção continua existindo.

O brasileiro continua precisando ir de um ponto A até um ponto B. Então, qual é a solução que está tomando o lugar dos grandes players do setor?

Em parte, essa resposta vem do crescimento do mercado de carros usados e no adiamento da troca da frota (brasileiro deixa de trocar de carro a cada três anos).

No entanto, novas soluções de mobilidade urbana estão ganhando espaço.

A mobilidade urbana sempre foi tratada como um assunto exclusivamente de políticas públicas: transporte coletivo, engenharia de tráfego e malha viária; mas, empodeiradas pelo consumo colaborativo, surgiram novas empresas e programas determinados a atender às necessidades de locomoção na base dos dois pilares impulsionadores deste comportamento do consumidor: menos gasto e mais sustentabilidade.

Surgiram startups voltadas a promover caronas, empresas de aluguéis de carro para curtos trajetos urbanos, programas de aluguel de bicicletas e aplicativos que buscam aproximar pessoas dispostas a fornecer serviços de transporte a passageiros.

Talvez as duas empreitadas que mais causaram impacto na discussão de mobilidade de São Paulo seja a chegada do Uber, seja a criação do programa BikeSampa (parceria da Prefeitura de São Paulo, Sertell – empresa especializada em soluções de mobilidade urbana − e Itaú).

O Uber, com a sua proposta inicial de ser o elo entre pessoas dispostas a utilizar o seu veículo para ganhar dinheiro e pessoas com a necessidade de transporte já havia gerado polêmica com os taxistas – que até então não sofriam qualquer tipo de concorrência, mas já enfrentavam uma queda do número de passageiros devido à crise.

Em abril de 2016, o aplicativo lançou a funcionalidade UberPOOL, a fim de promover o uso compartilhado do serviço pelos seus usuários. O UberPOOL oferece desconto de 40% aos usuários que aderirem à ideia, aumenta a lucratividade do motorista (que reduz os seus gastos com combustível e depreciação do veículo, enquanto ganha mais) e otimiza a frota da empresa, melhorando o nível de serviço. Realmente, fica difícil competir.

Já o BikeSampa oferece o aluguel de bicicletas – a baixo custo – disponibilizadas em diversas estações espalhadas em torno da região central da cidade de São Paulo.

Mais um exemplo em que o uso se sobrepõe à posse, fazendo que os usuários não precisem se preocupar com a manutenção ou segurança das bikes, e aproveitem as ciclovias da cidade para escapar do trânsito intenso de automóveis. Economia colaborativa promovendo a saúde, o bem-estar, a proteção do meio ambiente, ajudando no problema de mobilidade urbana e, é claro, levando o usuário do ponto A ao ponto B.

Alternativas comprovadas

Como dito anteriormente, a economia colaborativa não é só financeiramente atraente como também tem forte apelo socioambiental e de sustentabilidade.

Pode não ser a solução absoluta, mas é, sim, uma alternativa para o brasileiro em crise.

Isso não quer dizer que o modelo de empresas que existe hoje deixará de existir. É preciso repensar o seu modelo e entender que essas novas e despretensiosas startups podem, sim, ensinar novas maneiras de ver e viver o momento atual. Ninguém está dizendo que seja fácil, mas é preciso se movimentar.

Hoje, grandes empresas veem o seu faturamento em queda, enquanto assistem de camarote à ascensão do novo consumo.

Resta saber, agora, quais saberão assumir o protagonismo, reinventar-se e, enfim, surfar nessa onda.

Felipe Botelho é analista da Ipsos Loyalty