O publicitário Washington Olivetto costuma destacar que a criatividade da propaganda brasileira é caudatária do trabalho realizado pela geração anterior à sua, que definiu a arquitetura do modelo brasileiro de publicidade. Um dos marcos foi a consolidação da Lei 4.680, em 1965, ano da fundação do PROPMARK, e mais tarde da criação do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação). Não há dúvida de que a lei da publicidade permitiu um ambiente de prosperidade e de sedimentação do negócio.

A geração de Olivetto, Nizan Guanaes, Marcello Serpa, Alexandre Gama e Fabio Fernandes, por exemplo, realmente se aproveitou desse arcabouço e colocou o Brasil entre os países referenciais do negócio global da comunicação. Mais do que isso, esses profissionais e suas equipes de redatores, diretores de arte, profissionais de planejamento, designers e mídia, conseguiram que o Brasil fosse listado entre os países de destaque na indústria da economia criativa e se tornou benchmark e protagonista do segmento, ao lado dos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Alemanha. O Brasil pode estar, por uma série de motivos e miopias, no Terceiro Mundo estrutural, mas, em alguns raríssimos casos, como o da publicidade, o país não faz jus à essa pecha de ser terceiromundista.

Desde a década de 1990, o Brasil disputa as principais premiações globais, especialmente no Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade. Agências como AlmapBBDO, DM9DDB, F/Nazca Saatchi & Saatchi e Ogilvy asseguraram o Grand Prix de Agência do Ano em Cannes. Algumas conquistaram esse prêmio de forma inédita em suas redes, caso da Ogilvy.

Hoje a criatividade envolve elementos que vão além do design estético de peças. A era digital misturou a beleza e o inusitado com outras possibilidades, especialmente as tecnológicas. Mas essas novas dinâmicas não se viabilizam sem esse passado. Claro, usar um nome famoso ainda vale para conectar marcas, produtos e serviços. Mas há um novo ‘mode’ para determinar o que são os novos influencers. Não é mais apenas a imagem de quem está no elenco da novela global. O volume de penetração nas redes sociais se conjuga com a audiência que passou a se concentrar em outras plataformas.

Mas, graças à excelência de produzir ideias capazes de envolver uma marca com seus clientes, a publicidade brasileira se tornou motor que movimenta as demais indústrias, nas palavras de Sergio Valente, CCO da Globo Comunicação, e repetida regularmente por Luiz Lara, chairman da Lew’LaraTBWA. Como uma bucha de aço ganhou dimensão no mind set do consumidor com as campanhas criadas por Olivetto e Francesc Petit na DPZ e depois apenas com Olivetto na W/Brasil? As campanhas estreladas pelo ator Carlos Moreno tinham mais do que 1001 utilidades. Foi uma das mais longevas do país. Foram três décadas nos meios, principalmente TV e revista. As contracapas de Veja se tornaram clássico da propaganda brasileira. A expectativa pelo conteúdo da revista se confundia com a publicação dos anúncios. Com seu tom histriônico, esteve à frente dos memes tão comuns hoje nas redes sociais. Bombril tirava onda de Pelé ao Papa.

A DPZ foi berço dos profissionais que usaram a criatividade a favor do negócio. O senso estético e o craft minucioso garantiram a agência criada por Roberto Duailibi, Francesc Petit e José Zaragoza. Assim como os futuros negócios de pupilos que passaram pela agência.

Olivetto lançou a W/GGK e levou consigo contas como Bombril e parte da Sadia. Também levou consigo o jovem Nizan Guanaes, um talento criativo que mixou informações para se tornar mais do que um híbrido. Além de combinar o conhecimento que adquiriu com Duda Mendonça, o fundador da DM9 em Salvador, marca adquirida por ele e seu primeiro negócio em 1999, Nizan bebeu na fonte de Chico Abreia, vice-presidente de criação da Artplan, empresa de Roberto Medina que à época atendia Cervejaria Brahma, Barra Shopping, contas públicas e orquestrava o Rock in Rio, primeiro evento-proprietário de uma agência de publicidade no país e pioneiro na ativação de marcas ao vivo.

A Artplan, liderada por Abreia, também contribuiu para a formação de Fabio Fernandes. Antes de migrar do mercado fluminense para o de São Paulo, o profissional teve passagem consistente na agência de Medina e foi um dos responsáveis pela criação da campanha de lançamento da cerveja Malt 90. Depois, ele fundou a F/Nazca, onde deu continuidade ao trabalho de Olivetto com o Unibanco e, sem dúvida, com o case de Skol Cerveja que desce redondo. A F/Nazca conquistou, no início da década de 1990, o GP de Agência do Ano no Cannes Lions e mais recentemente, com Leica 100, o primeiro GP de Film do Brasil no festival.

Olivetto fez história no Cannes Lions. Conquistou cerca de 50 Leões, todos na época que a competição contemplava apenas filmes. Entre seus comerciais mais conhecidos estão o célebre O homem com mais de 40 anos, o primeiro Leão de ouro do Brasil, trabalho criado quando iniciava carreira na DPZ para o Conselho Nacional de Propaganda com direção de Andrés Bukowinski, em 1975. Já na W/Brasil construiu a marca Cofap com as campanhas do cachorrinho da raça dachshund. Porém, com Primeiro sutiã, para a Valisére, a W/Brasil ganhou uma dimensão muito maior do que poderia imaginar. O case Banco 30 horas também ajudou a consolidar o branding criativo da agência de Olivetto, que há cerca de oito anos vendeu a sua marca para a holding Interpublic, hoje WMcCann.

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Publicidade criativa movimenta negócios. Não é aquela que apenas é distinguida com prêmios. Esses garantiram e ainda garantem certo glamour a atividade e profissionais. Mas não há mais espaço para os holofotes de outrora. A Talent, de Julio Ribeiro, construiu cases como Bonita camisa, Fernandinho, para a US Top. Para a Brastemp, a agência assinou a campanha Não é assim uma Brastemp, frase que virou bordão, assim como o slogan do jeans US Top. O DNA criativo se manteve na Talent, responsável atualmente pelas campanhas de Tigre e Postos Ipiranga.

A criatividade é um vetor que não pode ser medido apenas com o resultado estético. Guanaes, na DM9DDB, criou a campanha Pipoca para o Guaraná Antarctica, de estética irretocável. O jingle grudou como chiclete na memória do consumidor. A criatividade nesse caso misturou a qualidade dos materiais de comunicação com a combinação certeira da guloseima com o refrigerante. Porém, quando ajudou a lançar a marca Vivo, Nizan e sua equipe na Africa montaram um link ao vivo em algumas capitais do país com a apresentadora e humorista Maria Paula, usando o visual do jornalismo e a estrutura regional da Rede Globo.

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A DM9DDB acumula nos seu portfólio trabalhos históricos para Super Bonder, revista Follow, Johnson & Johnson e, por exemplo, Mamíferos, para a Parmalat, trabalho assinado por Erh Ray.

A AlmapBBDO tem capítulo especial na história da publicidade. É a agência brasileira campeã das premiações globais. É listada no ranking Gunn Report como uma das mais criativas do mercado internacional. Em 2017, foi a primeira colocada da pesquisa, como em 2004, 2005 e 2010. Em 2017, o Gunn Report lançou o Gunn 100, índice que lista as 100 melhores ideias criativas do mundo, e incluiu a campanha Endless possibilities, criada pela AlmapBBDO para Getty Images, em 5º lugar. O desempenho da AlmapBBDO começa com Alex Periscinotto na década de 1960, repassada para Marcello Serpa e sustentada atualmente por Luiz Sanches e Cíntia Gonçalves. Com Pedigree, Volkswagen e Havaianas, a marca criativa da AlmapBBDO está presente. As famosas sandálias, um produto de penetração global, assim como a publicidade brasileira, ganharam sustentação de branding, que permitiu sua expansão para outros mercados.

Há mais de cinco décadas as agências e seus profissionais ajudam a construir uma indústria que exporta talentos para os principais mercados, principalmente Estados Unidos e Europa. Anselmo Ramos, por exemplo, ajudou a David a conquistar premiações expressivas para o Burger King. Também ajudou a Ogilvy a conquistar o prêmio de Agência do Ano em Cannes com trabalhos para Dove, como o case Retratos da Real Beleza que ganhou o GP de Titanium e teve participação decisiva no prêmio de Agência em 2013 da Ogilvy Brasil em Cannes, o primeiro da rede no festival. Ramos depois assumiu a David nos Estados Unidos e fez barulho com Burger King. PJ Pereira eleva o volume da publicidade brasileira com sua Pereira & O’Dell.

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A simplicidade é valor agregado da publicidade brasileira. Quando a Ford adquiriu a Willys, em 1967, a Salles Interamericana fez anúncio de oportunidade para Ford considerado matador: Faça como a Ford, compre um Willys. O estoque dos jipinhos se esgotou. O poder de síntese das peças publicitárias brasileiras é o ingrediente que dá liga para os profissionais do país construírem carreiras em agências do exterior. Rafael Rizuto, jurado do Glass Lions 2018 e fundador da TDB de São Francisco, mas com passagens pela 180LA e Pereira & O’Dell, ganhou os GPs de Integrated e Promo e um Leão de Titanium no ano passado em Cannes com o case Booster your voice.

Uma ideia carismática envolve pessoas. A expressão é de João Livi, CEO da Talent Marcel. E a publicidade é dependente química da boa ideia. Com ela o consumo de uma marca fica sujeito a elevação de share. E sem ela uma marca pode desaparecer. Foi com uma boa ideia que Joanna Monteiro colocou a FCB Brasil no radar global da publicidade. Com o case Nivea Protection, a FCB conquistou o Grand Prix do Mobile Lions em 2014.

O glamour do passado pode ter desaparecido, mas o protagonismo da comunicação não perdeu espaço. Com a era digital e sua multiplicidade de canais, o individual cedeu lugar ao coletivo. Agora os líderes, como Paulo Coelho, Hugo Rodrigues, Marcio Oliveira, Marcio Santoro, Sergio Gordilho, Fabiano Coura, Renato Simões, Luiz Sanchez, Felipe Luchi, Fernando Guntovitch, Geraldo Rocha Azevedo, Rafael Pitanguy, Ruy Branquinho, Mario D’Andrea, Rodolfo Medina, Marcos Quintela, Fernando Musa, Eco Moliterno, Sergio Valente, Abel Reis, Pedro Cabral, PJ Pereira, Joanna Monteiro e Renata Florio, entre outros, conjugam o pronome nós.

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