Eles ocuparam cargos no alto escalão de grandes agências brasileiras no passado recente, adquiriram e espalharam conhecimento, ajudaram a construir equipes e revelar talentos, foram reconhecidos e premiados, viajaram o mundo a serviço de suas companhias e esperaram, a cada fim de mês, o salário que compensava esse esforço que culminava em bons resultados tanto para a companhia, quanto para sua carreira profissional.

Por razões diversas, que variam caso a caso, decidiram largar essa dinâmica e se aventurar em uma vida pós-agência, um tipo de carreira que sempre existiu, mas que se torna mais comum e opção para um novo momento de mercado. Com seu expertise e capacidade de relacionamento, iniciaram novos negócios, criaram parcerias, exploraram outros segmentos, desenvolveram competências e passaram a ter uma atuação mais plural e consultiva.

Ana Cortat (Divulgação)

Para eles, a ideia de que o cartão de visita da empresa entrega a verdadeira identidade do executivo se tornou obsoleta, como aponta uma das entrevistadas para a reportagem, Ana Cortat. “Antes de me ver como uma profissional vinculada a uma empresa, sempre me vi como uma pessoa, com crenças e valores próprios, fruto da minha perspectiva e da minha história”, afirma a profissional de estratégia, que liderou as áreas de planejamento de agências como Leo Burnett Tailor Made, Isobar, Africa e Pereira&O’Dell. Segundo ela, após 30 anos em corporações, mais de 10 em C-Level, o desafio de empreender se tornou um desafio até então desconhecido.

Hoje, Ana Cortat é sócia da Hybrid, empresa de propósito em que, ao lado da sócia Dani Meres, a profissional ajuda a acelerar mudanças capazes de gerar impacto positivo nas pessoas e nas corporações. “Depois de uma vida onde o rendimento estava sempre lá, independentemente de qualquer variável interveniente, acordar com o compromisso de gerar o dinheiro que me remunera e remunera outras pessoas em torno do meu negócio é uma experiência assustadoramente fascinante e muito difícil de descrever”, afirma.

O dia a dia de uma profissional como Ana costuma ser diferente. Mas ilude-se quem espera mais facilidades. Ela diz acordar mais cedo, meditar uma hora ao dia, ler notícias e estudar as questões locais e globais que estão impactando nossas vidas e os negócios. A partir disso, diz, divide seu tempo entre prospecções, execuções de projeto e ativismo. “É preciso dedicar tempo descobrindo quem você é, o que te dá potência e o que te move. O que te faz levantar da cama além do dinheiro e do sucesso profissional. Esse é meu único conselho a quem queira atuar assim”, resume.

Celina Esteves (Divulgação)

Outra história interessante do setor é de Celina Esteves que, em 2017, deixou a vice-presidência executiva da Africa e, após 30 anos de carreira dedicada a agências como Y&R, W/Brasil, McCann, DM9DDB e Loducca, decidiu se tornar mentora e coach para executivos do setor. “O trabalho foi se desenvolvendo e comecei a estar, inclusive, dentro das agências, como consultora em casos específicos de fusões, implementação de culturas e grandes contratações”, afirma.

Um tipo de trabalho que faz é o de consultoria para clientes corporativos. “Tenho certeza que todos os meus clientes me procuraram baseados na minha carreira e no meu tempo de experiência. A gente começa algo novo, mas carrega todo o conhecimento adquirido ao longo da vida. Por isso, as relações construídas e a confiança conquistada são fundamentais para este momento de mudança”, resume.

Ela explica que atende clientes fixos em seu escritório e faz parcerias com outras consultorias. Está envolvida em um novo projeto com duas parceiras, também independentes como ela. Em 2020, vão iniciar um trabalho para equipes com workshops e grupos de imersões estratégicas cujo foco é orientar as pessoas que estejam em busca de mudanças, seja na vida profissional ou na vida pessoal.

Em sua vida profissional, Celina diz sentir falta das pessoas. “Amo trabalhar em equipe, trocar experiências, ouvir outras opiniões, acredito realmente no trabalho conjunto. Mas, sinceramente, do mercado de agências não sinto falta. Tenho certeza que cumpri meu ciclo da melhor forma. Passei por agências maravilhosas como McCann, DM9, Loducca, Y&R, W/Brasil e, por último, Africa. Cresci demais, fui apaixonada pelo que fazia e, por isso, acredito que fazia bem feito. Não foi fácil tomar a decisão e começar uma nova trajetória”, relembra.

Um dos desafios desses profissionais é como migrar para o novo modelo de carreira. No caso de Celina, ela fala que fez um processo de coaching durante um ano para entender o que estava buscando e para tomar a coragem de encerrar o ciclo. “Sabia que ali começava uma nova missão e meu propósito naquele momento já era outro. Criei coragem e aqui estou eu, feliz e grata por tudo que vivi ao longo da minha trajetória”, afirma. “Muitas vezes ficamos fechados por horas e horas em cima de uma campanha e esquecemos o quanto é necessário oxigenar. Esse novo modelo de parcerias, para mim, é o futuro. Deixa-me feliz e me dá a liberdade de escolha, o que para mim é fundamental. Tenho muito mais controle sobre a minha vida hoje”, encerra.

Conhecimento

Gal Barradas (Divulgação)

Por trás de histórias como essa, uma situação é inevitável: o profissional precisa buscar conhecimentos inclusive fora de sua área e zona de conforto. Gal Barradas, ex-sócia da BETC, tem uma empresa que atua sob uma chancela de Brand&Venture, com atuação em venture builder, onde contribui com histórico de construção de marcas, estratégia e conhecimento do consumidor para lançar startups nas quais a própria Gal tem participação. A outra área em que trabalha é uma consultoria que pode prestar serviços de posicionamento de marca, estratégia de negócios, transformação organizacional ou cultural em empresas.

A atuação no mundo de startups exigiu novas habilidades. “Foram 28 anos dentro de grandes agências. Sinto falta da ‘minha turma’, do ambiente conhecido com amigos. Estou há dois anos fora de agências e tive de construir networking do zero de acordo com o segmento de atuação da startup”, afirma.

Ela fala que nunca deixou de ser publicitária, que o mundo das startups não é simples e toda a glamurização que existe em torno delas não passa, na verdade, de “duras horas de trabalho e alta competitividade”. “Desenvolver sua visão e as habilidades para os ambientes de negócios e ter competências financeiras é algo muito mais exigido tanto em consultorias como nos ambientes de startups. Além disso, ser consultor significa empreender a si mesmo e desbravar o mercado a todo tempo, o que é um jogo bem diferente de estar num ambiente conhecido”, diz Gal.

Alexandre Peralta (Divulgação)

Ex-sócio da Peralta, que chegou a ter parceria com a rede StrawberryFrog, Alexandre Peralta conta com longa experiência em agências como Talent, Almap, DM9, Africa e FCB. Desde 2017, atua como consultor criativo. “Tenho participado de reposicionamentos de marcas, criações de filmes e campanhas e ajudado em conquistas de contas. Além disso, hoje, faço conteúdo e entretenimento, especialmente séries. Nesses últimos anos, aprendi a dirigir e a escrever para formatos mais longos, de até duas horas. Isso amplia as minhas possibilidades de atuação como contador de histórias para outras áreas além da publicidade. E também me dá a oportunidade de levar esse conhecimento à publicidade”, explica.

O trabalho para clientes com quem se relacionava antes como agência seguiu na nova fase da carreira e os veículos e produtoras com quem tinha contato são porta de entrada para os projetos de conteúdo e roteiro. Recentemente, por exemplo, Peralta assinou contrato com a Sentimental Filme para criar uma série, da qual será showrunner.

“Estou totalmente ligado ao mercado de agências, mesmo que de uma forma não convencional. A diferença é que não fico dentro da operação”, reflete, assegurando que sempre há possibilidade de retornar ao mercado. “Meu dia a dia é bem produtivo. Não perco tempo no trânsito, começo a trabalhar muito mais cedo, não tenho distrações nem interrupções, não me envolvo em assuntos operacionais e participo de menos reuniões. Por isso, crio mais rápido e melhor”, assegura.

Segundo ele, há uma tendência de talentos e empresas se juntarem por projetos pontuais. “As agências podem ter um talento caro em momentos específicos, e o talento pode administrar o tipo e a quantidade de projetos que quer se envolver”, assegura.

Ken Fujioka (Divulgação)

Pluralidade

Ken Fujioka chegou a ser sócio da Loducca antes de deixar o segmento de agências. A maior parte de seu tempo hoje vai para o projeto ADA Strategy em que, ao lado da sócia Cristina Famano, resolve problemas complexos de negócios e marketing em quatro semanas. Outra parte do relógio é dividida entre a sociedade e conselho de duas startups, além da mentoria para startups pela Endeavor, e a função de co-host do podcast Naruhodo, a de coordenador de um grupo reflexivo de masculinidades do MEMOH, e, finalmente, de produtor-executivo do espetáculo InconscienteMente.

“No meu caso, a principal mudança foi justamente para uma atuação mais plural. Sou privilegiado duas vezes: primeiro, porque tenho condições de escolher em que vou trabalhar; e segundo, porque as habilidades e a experiência em estratégia me permitem aportar conhecimento em diversas áreas. Alguns contatos da época de agência, hoje, são meus clientes, outros são parceiras e parceiros de projetos na ADA, ou mesmo ouvintes do podcast”, diz Fujioka.

Segundo ele, não há planos de voltar às agências. “Eu sinto saudades de profissionais espetaculares que ainda estão em agências, então, dificilmente consigo trazer para projetos da ADA, pelo menos por enquanto. E sinto muito não ter feito mais para melhorar as práticas do mercado enquanto estava dentro dele”, cutuca.

Para ele, há muito mais vida fora das agências e o tempo é melhor aproveitado. “Gasto quase nenhum tempo com burocracias inúteis e politicagens tóxicas. Mas, de novo, é preciso colocar minha situação em perspectiva, pois pude escolher quando sair. A maioria das pessoas não tem esse privilégio, ou sequer se esforça pra enxergar as possibilidades, o que faz com que haja pouca empatia em relação aos menos privilegiados. E é justamente isso que faz com que práticas ruins do mercado de agências continuem se perpetuando”, analisa.

Profissional com experiência em produtoras e setor de RTV de grandes agências – a Publicis foi a última delas -, Dani Andrade abriu uma empresa que presta serviço para viabilizar projetos de produção. “Eu plugo os profissionais conforme a necessidade do job. Tenho meus parceiros. Marco reuniões em coworking quando necessário. Assim, fica tudo mais ágil e custo barato e consigo atender um mercado mais amplo, como agências, produtoras e principalmente clientes”, diz.

No balanço entre vida pessoal e profissional, destaca, é possível fazer seus horários e focar melhor no trabalho. “Montei um home office onde fico 100% do tempo online para meus clientes, do início até o final do trabalho. Às vezes, preciso ficar algumas horas presenciais nos clientes para reuniões específicas. Mas tudo hoje é mais focado e produtivo”, diz.

O desafio nesse modelo é manter a disciplina. “Comporto-me nos horários de trabalho como se eu estivesse numa empresa. Pela manhã faço minhas coisas, e vou para o home office como se estivesse indo pro meu trabalho. E, como trabalho com horas, tudo é milimetricamente computado. Se estou trabalhando quatro horas no dia pra um cliente, é naquele cliente que estou focada. Faço uso de ferramentas como o Trello, que me ajudam a deixar tudo muito bem organizado”, explica.