Após denúncias do influencer, o presidente da Câmara diz que irá pautar, em breve, projetos sobre crianças em redes sociais

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, disse nesta semana que vai pautar em breve os projetos que têm o objetivo de combaterem ou restringirem o alcance de perfis e conteúdos nas redes sociais que promovam a ‘adultização’ de crianças e adolescentes.

Isso acontece poucos dias depois de o assunto ter voltado aos holofotes depois das denúncias do influenciador Felca contra perfis que usam crianças e adolescentes com pouca roupa, dançando músicas sensuais ou falando de sexo em programas divulgados nas plataformas digitais.

O influencer tem exposto perfis com milhões de seguidores na internet que usam crianças e adolescentes em situações consideradas de adultos para aumentar as visualizações e arrecadar mais recursos, a chamada “monetização” dos conteúdos.

No vídeo, que quase 50 minutos de duração e acumula mais de 36 milhões, Felca citou o caso que envolve Hytalo Santos: ele acusa o influenciador de tirar adolescentes da casa dos pais para irem morar com ele.

Um dos exemplos é o caso de Kamylinha Santos, que — como afirmou Felca — passou a ser tratada como um 'produto' para gerar engajamento nas redes sociais.

Especialistas ouvidos pelo propmark veem com preocupação as denúncias feitas pelo influencer. Marcelo Crespo, professor e coordenador dos cursos de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital, diz que as acusações são 'bem fundamentadas', além de evidenciar um problema que vai além do cultural.

"Ele (Felca) aponta que as próprias plataformas, por meio de seus algoritmos, estimulam a circulação de conteúdos que exploram a imagem de crianças e adolescentes de forma sexualizada ou inapropriada para a idade — um fenômeno que, embora rotulado sociologicamente como 'adultização', pode abrir caminho para violações graves do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal", disse.

Crespo explica que, no campo jurídico, a 'adultização' não é crime por si só, mas a fronteira ultrapassada quando há conteúdo sexualizado envolvendo menor com objetivo de satisfação sexual ou obtenção de vantagem econômica.

"O arcabouço legal brasileiro é robusto. No entanto, persistem lacunas práticas: ausência de regulamentação específica para influenciadores mirins, demora na resposta das plataformas e insuficiência nos mecanismos de verificação etária", destacou. "Projetos de lei em tramitação tentam preencher essas brechas, mas sua eficácia ainda é incerta", complementou.

E as plataformas?

Para Marcelo Crespo, as plataformas têm uma parcela de responsabilidade "relevante e inegável". Ele argumenta que o algoritmo, embora não seja um 'agente humano', é concebido e calibrado por pessoas.

"Quando recomenda, impulsiona ou monetiza conteúdos nocivos envolvendo menores, ele não atua de forma neutra, contribuindo ativamente para o risco e estabelecendo um nexo causal que pode fundamentar a responsabilização", afirmou.

O ECA (art. 241 §2º) prevê a obrigação de remover conteúdo ilícito com menores após notificação, e a recente decisão do STF ampliou as hipóteses de responsabilização sem ordem judicial em casos graves, como conteúdos criminosos, falhas sistêmicas e publicações patrocinadas.

A medida à qual se refere derruba parte do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que desde 2014 exigia decisão da Justiça para esse tipo de punição.

A partir de então, uma notificação extrajudicial já pode levar à responsabilização da plataforma, exceto nos casos de crimes contra a honra. Nesses casos, ainda será preciso decisão judicial para que a empresa tenha que pagar indenização.

No entanto, apesar dessa evolução normativa, ainda existe uma zona cinzenta na aplicação prática. "Faltam casos concretos para avaliar como as plataformas estão se adaptando ao novo cenário e se a responsabilização efetiva ocorrerá de forma consistente".

Caroline Teófilo, advogada e especialista em proteção de dados, segurança da informação e direito digital, disse que Felca jogou luz sobre algo que já acontece e, assim, potencializou com as mídias sociais.

Mas a advogada, diferente do que pensa Crespo, não vê culpa ou responsabilidade das plataformas. "Não enxergo desta maneira", contou.

"A plataforma não insere o conteúdo na internet. Quem insere são as pessoas, a sociedade. Mas cabe à plataforma restringir o acesso a essa informação por ser um conteúdo que vai atingir um público que tem intenções ruins com aquelas informações", defendeu.

Proteção efetiva

Um projeto ideal para coibir crimes ligados à exploração e 'adultização' de crianças e adolescentes deveria unir proteção efetiva e preservação dos direitos fundamentais.

Na visão de Marcelo Crespo, da ESPM, no cenário regulatório, o Brasil já avança em propostas como prazos vinculantes para moderação, verificação etária proporcional ao risco e a obrigação de “design seguro” para menores.

"Essas medidas alinham o país a padrões internacionais, mas precisam vir acompanhadas de salvaguardas contra o overblocking, garantindo devido processo, transparência e mecanismos claros de contestação de decisões", alertou.

A advogada Caroline Teófilo afirmou que deveria haver a implementação de algoritmos que possam bloquear e remover conteúdos relacionados à exploração sexual da imagem de crianças e adolescentes.

"E também um ponto que elas (as plataformas) podem atuar é na questão da idade. De fato, serem incisivos na verificação e na confirmação da idade desse jovem ao acessar a plataforma".

O que dizem as plataformas

Em nota, o YouTube diz que conteúdo com temáticas sexuais não são permitidos na plataforma e, por isso, são removidos assim que identificados. "Tomamos medidas em vários canais e removemos ou restringimos a idade do conteúdo de acordo com nossas políticas de segurança infantil".

O TikTok disse que só permite usuários a partir dos 13 anos, e que essas pessoas têm configurações específicas "para preservar a segurança e o bem-estar, como limite de tempo de tela e restrição de recursos".

O propmark ainda aguarda o posicionamento das outras plataformas digitais. Assim que forem enviados, a matéria será atualizada.