Stephan Loercke, Líder da Associação Global dos Anunciantes, fala sobre os desafios da indústria de comunicação e a necessidade de resgatar da eficácia criativa

O mercado de comunicação tem sido impactado por vários eventos ao longo dos últimos anos, desde fatores externos, como a pandemia e a Guerra na Ucrânia, a internos, como a falta de representatividade e de conexão com pautas da sociedade e a perda de talentos.

Para Stephan Loercke, CEO da líder da WFA (Associação Global dos Anunciantes), entidade que congrega mais de 100 grandes marcas globais, responsáveis pela movimentação de 90% dos investimentos em marketing do mundo, esse cenário tem trazido novos desafios à medida que o papel das marcas é ressignificado e as pessoas esperam mais das empresas.

Uma preocupação central da entidade para lidar com essa nova configuração é tratar da 'eficácia criativa', em queda em vários mercados. Para Loercke, resgatar essa característica na comunicação pode ser o caminho para ter ganhos em construção de marca, na atração e retenção novos talentos, e também em representatividade.

Abaixo, os principais trechos da entrevista com o executivo.

Como você analisa o ano de 2022, que para muitos seria o “ano da recuperação”?
Eu não chamaria 2022 de “ano da recuperação”, que é o pensávamos no final de 2021 e início de 2022. É melhor compará-lo a uma montanha-russa. Acho que o que estamos vendo é um acúmulo de incertezas com pouca visibilidade. Há muitos especialistas que têm opiniões sobre o que vai acontecer no futuro, mas há tantos especialistas quanto cenários. Eu acho que é justo dizer que há pouca visibilidade e, em muitos aspectos, é quase, um “Terra Incognita”. Temos as repercussões da pandemia, que ainda não desapareceu do globo, e que cria um enorme impacto nas cadeias de suprimentos. Você pensa sobre a guerra da Ucrânia e a incerteza que cria, logo que a Rússia é um mercado enorme. Além de todas as implicações nos preços das matérias-primas, do petróleo e da energia, que estão no teto. Também há pontos de interrogação em torno da geopolítica, com alguns especialistas falando de um momento de inflexão onde há uma separação gradual do que foi até agora o mercado global. Portanto, há grandes questões que têm implicações de longo prazo para nossas sociedades, para a economia e para as marcas.

E qual o papel das marcas diante deste cenário de incertezas?
Eu não quero exagerar o papel das marcas quando se trata de fome, da guerra e da potencial crise que vamos enfrentar por causa da interrupção das exportações da Ucrânia. Tudo isso coloca em perspectiva o papel das marcas. Acho importante sermos humildes como donos de marcas em termos de nossa importância relativa. Mas acho justo dizer também que há uma mudança gradual nas expectativas das pessoas com relação às marcas, porque essa grande incerteza de qual estamos falando caminha de mãos dadas com uma diminuição gradual da confiança em instituições estabelecidas, como a mídia e os governos. Cada vez mais as pessoas estão céticas de que as instituições serão capazes de lidar com essas mudanças sísmicas. O mais recente barômetro de confiança da Edelman mostra, novamente, que a grande maioria das pessoas espera que as marcas sejam uma força para o bem em nossa sociedade. Além de oferecer produtos e serviços de boa qualidade, precisam ser guiadas por valores que ajudem a sociedade a lidar com seus desafios. Podemos pensar em mudanças climáticas, inclusão e diversidade e uma série de questões que hoje representam grandes problemas sociais. As marcas precisam ser exemplares na forma como operam e se comportam.

Ao longo deste período, o mercado começou a conviver também com uma questão que é multisetorial, “a grande renúncia”, com as pessoas pedindo demissão e buscando novos caminhos. Como a WFA tem acompanhado esse movimento?
Eu acho que é uma mudança muito importante que estamos vendo no mercado de trabalho agora, quando de repente percebemos que o talento qualificado está em falta e está criando critérios para escolher seu empregador que são muito rigorosos e muito exigentes. Estamos vendo uma situação de escassez de talentos em toda a economia, em muitos mercados conhecidos na Europa e nos EUA, mas também especificamente na indústria da publicidade, que tem desafios adicionais e que nos últimos anos perdeu em termos de atratividade. Nós perdemos profissionais para bancos de investimento, para as startups do Vale do Silício, plataformas e alguns dos talentos mais brilhantes escolheram ir para outro lugar. Acho que isso nos diz que precisamos nos olhar no espelho como uma indústria, em termos de como podemos nos tornar mais atraentes novamente para os jovens talentos e entender os critérios sobre quais esses profissionais farão as suas escolhas.

Como fazer isso?
Envolvendo sustentabilidade, diversidade e inclusão, o clima, dados, ética e outras questões que são fundamentais para o futuro das sociedades. Ser capaz de fazer a diferença nessas questões enquanto indústria nos tornará empregadores mais atraentes no futuro. Se aplicarmos a nós mesmos as causas que defendemos, como uma sociedade mais diversificada e inclusiva, estaremos aumentando a qualidade e a eficácia do nosso trabalho. Em 2021, realizamos o primeiro censo global da nossa indústria e uma conclusão foi que um em cada sete profissionais de marketing estava pensando em deixar nosso setor porque considerava que o local de trabalho não era diverso e inclusivo o suficiente. O que mostra que precisamos praticar também o que pregamos aos outros para nos tornarmos empregadores mais atraentes.

Para onde a WFA está olhando hoje?
Queremos levar os profissionais de marketing a abraçar questões da sociedade para impulsionar o crescimento. Há uma área específica que vamos analisar que é a eficácia criativa porque a nossa indústria depende da criatividade para levar as pessoas a adotarem as nossas marcas. Quando você analisa a criatividade nos últimos anos, percebe que diminuiu gradualmente na maioria dos mercados por várias razões, mas principalmente porque cada vez mais a publicidade não é sobre a construção de marca, é sobre performance, é sobre promoção de vendas a curto prazo. Isso também está ligado ao fato de que a evolução dos gastos com mídia em direção ao digital aumentou a natureza promocional de mais curto prazo da publicidade. Queremos ver o que podemos fazer como marcas para aumentar novamente a eficácia criativa da publicidade. Como podemos nos tornar melhores líderes de marca e incentivar criativos que construam marcas de forma mais eficaz ao longo do tempo. Essa é uma grande agenda e acreditamos que a eficácia criativa pode ser aumentada incentivando mais diversidade em nossas equipes. E isso está ligado à agenda de sociedade da nossa indústria.

Hoje nós temos uma situação econômica complexa em várias partes do mundo e, normalmente, as marcas investem ações mais promocionais neste cenário. Como implementar essa agenda?
Essa é a reação de curto prazo para muitas empresas porque elas têm porque precisam entregar resultados trimestrais, mas sabemos que as reações de curto prazo não são a decisão mais inteligente no longo prazo. Portanto, queremos que os profissionais de marketing apreciem melhor a necessidade de equilibrar a construção da marca e o marketing de performance de curto prazo. Achamos que isso é indispensável para recuperar a magia de nossa indústria, porque parte da razão pela qual nossa indústria está se tornando menos atraente também é que muito do trabalho criativo de curto prazo não é mais tão atraente. É um ganha-ganha-ganha. Primeiro, você quer ter certeza de que, a longo prazo, será mais eficaz como setor; segundo, estará criando anúncios mais atraentes para os consumidores e, portanto, eles não desejarão bloquear seus anúncios; e terceiro, vai querer fazer de uma maneira que seja mais sustentável no longo prazo, mais diverso e inclusivo.