CEO global da rede de agências Isobar, do grupo Dentsu Aegis Network (DAN), a chinesa Jean Lin gerencia uma equipe de 5,5 mil pessoas em mais de 45 países. Seu modelo de liderança é bastante peculiar na publicidade, já que ela fica baseada em Xangai, abrindo mão da presença em mercados como Nova York, Paris ou Londres, como é comum em outras redes. Ela afirma que enxerga o mundo como um lugar sem fronteiras e busca construir equipes baseada em valores como a diversidade, não apenas de gênero, e tem cabeça aberta para encontrar soluções para clientes de qualquer lugar do mundo. Foi apontada pelo Festival de Cannes como presidente do júri de Digital Craft em 2018, repetindo a função que já havia ocupado na categoria Cyber, em 2015. Nesta entrevista, Jean Lin, uma das principais lideranças da nova geração da publicidade mundial, fala sobre a reinvenção de uma indústria ávida por novos modelos.

O setor de publicidade enfrenta um momento desafiador no mundo, com receitas de alguns grandes grupos em instabilidade. Como lidar com esse momento?
O modelo tradicional de publicidade enfrenta grande pressão e também acho que a indústria precisa acompanhar o que está ocorrendo com os clientes. Não acho que seja questão de apertar um botão e mudar tudo nas agências. Só que mais de 50% dos 100 maiores anunciantes do mundo estão diminuindo a quantidade de parcerias com que trabalham, o que indica que há algo errado. Por outro lado, o marketing está no momento certo para pensar em criar, distribuir e otimizar experiências engajadoras, com qualidade de entrega. A maturidade do mercado permite que novas coisas possam ser realizadas. Estamos diante de um mar aberto, com tempestades de vez em quando. Digo a nossa equipe que não podemos nos ver como todos em um grande barco, mas como pessoas em barcos menores e se ajustando conforme a necessidade do cliente para ajudá-lo a enfrentar as tormentas.

As agências precisam transformar seus modelos de negócios, assim como empresas de outras indústrias já precisaram fazer?
Sem dúvida. A transformação digital é uma necessidade para todas as indústrias. Nenhuma empresa consegue impactar a vida das pessoas se não se adaptar. As agências precisam manter sua relevância. Há uma correlação entre empresas digitalmente preparadas e crescimento sustentável no futuro.

Você lidera a rede Isobar a partir da Ásia. O que essa região traz de impacto a um mercado acostumado com as visões de Nova York e Londres, por exemplo?
De fato, a Ásia vive um momento bom. E se torna mais importante para a indústria de publicidade. Mas vivemos em um mundo mais conectado, com marcas mais globais. Não faz sentido termos uma visão de “headquarter”, concentrando a liderança a partir de apenas um lugar. Precisamos de uma atuação mais ágil dos escritórios, mas com visão global que permita criar influência e ajudar clientes de todo mundo. No geral, a Ásia não tem a maturidade de outros mercados, mas o espírito de inovação a faz muito forte. Todos as regiões têm pontos fortes. A inovação e a criatividade podem vir de qualquer lugar e precisamos ter a mente aberta para a diversidade. Temos, por exemplo, muita coisa boa dos Estados Unidos e dos países emergentes. A melhor coisa da inovação é que não sabemos de onde ela virá.

Como analisa o desenvolvimento do mercado chinês, que ganhou grande relevância para a publicidade nos últimos anos?
A China vive um bom momento, mas tem um modelo que não pode ser adotado em outros lugares. Tem grandes players, como o Alibaba, e um mercado em que há uma grande conexão entre social, mobile, conteúdo e as transações comerciais. Quando saio na rua, não levo minha carteira, com dinheiro ou cartões de crédito, já que os pagamentos podem ser feitos direto pelo celular. Essa visão mobile first é algo que muda todo o cenário do mercado, dando mais espaço para o e-commerce e o social commerce oferecerem experiências melhores para os consumidores. Há uma grande transformação no mercado que está mudando o cenário tradicional rapidamente.

A Isobar trabalha sobre o conceito de humanidade aumentada, que faz referência à realidade aumentada. O que vocês propõem com essa ideia?
Vivemos num mundo em que a tecnologia mudou nossas vidas, mas, no final das contas, a realidade aumentada é o que vai realmente ajudar a melhorar nossas vidas. As interfaces tecnológicas se tornarão mais naturais e instintivas, automatizando tarefas repetitivas e dando mais tempo para se praticar a criatividade e compaixão. A interface de voz, por exemplo, já está ajudando as pessoas a navegarem de maneira diferente do que tocando na tela, de forma mais humana. Isso traz grande impacto à forma como criamos, com auxílio de elementos sociais e inteligência artificial.

Como lidar com um dos grandes problemas da indústria no momento, a falta de lideranças femininas?
O que ocorre na publicidade não é diferente de qualquer outra indústria. É um desafio para todos na sociedade. Não vai melhorar tão rápido quanto gostaríamos, mas precisamos ter uma atenção especial à falta de mulheres, especialmente em um mercado como o de publicidade, que precisa de inovação em tudo o que faz. A diversidade na força de trabalho é fundamental para as empresas avançarem, seja relacionado ao gênero ou mesmo à nacionalidade. Quanto mais diversificada uma equipe, mais rápido a criatividade e a inovação se farão percebidas. Claro que a questão de gênero é um bom caminho para se começar, porque o mundo tem 50% de mulheres e é natural que elas tenham esse mesmo peso nas equipes e na liderança.

No mercado internacional, há indícios de perda de confiança de anunciantes no trabalho das agências, especialmente na publicidade digital. Como retomar esses laços e requalificar a relação?
A confiança é como um casamento, que precisa oferecer valor para os dois lados. Acho que a busca por agilidade fez a velocidade da inovação ser muito rápida e todos ainda estão aprendendo o potencial da tecnologia. É preciso uma grande mudança de princípios, políticas e de ambiente de negócios na publicidade atual, para que agências e anunciantes restabeleçam a confiança no outro. A questão-chave é criar um entendimento comum sobre como adicionar a tecnologia à publicidade e como melhorar o ambiente de negócios, com suas práticas e culturas. Não existe um caminho fácil para resolver a questão, mas é um passo que devemos começar a dar.

Que eventos mantêm grande relevância para o mercado publicitário?
Há muitos festivais, com diferentes pontos de vistas, que são complementares. O Cannes Lions é um indicador de tendências e segue muito importante para essa indústria em todo mundo. Serei presidente do júri de Digital Craft e teremos muitas questões interessantes para discutir, como o impacto da tecnologia para criar experiências na vida das pessoas, a privacidade de dados no mundo digital, que é uma questão muito atual, e o crescimento da importância do craft em um mundo em que os consumidores sentem cheiros, sabores e demais sensações para se engajarem com as marcas. Cannes se reinventou para esta edição e quer olhar para frente, mas sem perder a essência de ser o lugar que escolhe os grandes trabalhos criativos do mundo. Entre os eventos, também tenho gostado muito do DMexco, na Europa, que se tornou interessante por uma série de aspectos.

Cresce a importância de categorias com foco em craft no Festival de Cannes?
O Digital Craft é mais relevante que nunca em uma economia digital. É importante o festival equilibrar grandes ideias com uma parte técnica acima da média, porque é só com essa integração que conseguimos entregar experiências que integrem marcas e pessoas e resolvam problemas importantes de negócios dos clientes, fortalecendo suas marcas. Ter um craft qualificado impacta a forma como as pessoas enxergam, sentem e experienciam uma determinada marca.

Como andam as operações da Isobar no Brasil e no mundo?
Apesar de um ano de 2017 que foi difícil para toda a indústria da publicidade no mundo, conseguimos manter um crescimento orgânico da operação. Queremos oferecer uma solução completa aos clientes, que integrem as experiências que inspiram os consumidores, conectando marcas, produtos, serviços e todos os outros elementos na mesma transação. Sobre o Brasil, é claro que houve uma crise, como em outros lugares do mundo. Mas vemos a situação econômica como temporária, tanto que estamos ampliando as ofertas de serviços nesse mercado. Um exemplo é que fomos a primeira rede do Brasil a adquirir uma consultoria de negócios, a Cosin Consulting. Também adotamos uma estrutura nova, com CEO e CCO (em dezembro, Rodrigo Andrade se tornou o novo COO no DAN e CEO da Isobar Brasil. Rui Branquinho, por sua vez, assumiu como CCO do DAN Brasil e da Isobar). Considero que nossa operação brasileira está muito bem preparada para o futuro.

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