O vice-presidente editorial do Grupo RBS, Marcelo Rech, acaba de assumir a presidência da ANJ (Associação Nacional de Jornais). Em entrevista, o executivo falou sobre a nova realidade dos veículos impressos, que têm de estar além do papel para atender à demanda de um público que tem diferentes necessidades de consumo de notícia ao longo de seu dia. “O grande desafio nosso é preparar as audiências para distinguir quem é o produtor com certificado de origem dos que não têm o certificado”, afirma. Para Rech, o negócio do jornal não é oferecer as informações impressas em papel, mas confiabilidade. “Nós não estamos no ramo da impressão de jornal nem no de produção digital, estamos no ramo da distribuição de conteúdos confiáveis”, fala. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao PROPMARK. 

 

Nova realidade
Os jornais são muito mais do que transmissores de notícias em papel. Isso é uma visão antiquada do jornal. Com o advento da internet, os jornais vêm passando por uma transformação profunda. Com investigação, reportagem, reflexão, análise, confrontam o que está nas redes sociais, utilizando as ferramentas profissionais de jornalistas, com conceito de qualidade, buscando se posicionar de uma forma muito diferenciada dessa desinformação que campeia o mundo extremamente fragmentado, em que cada indivíduo, cada empresa, cada partido pode ser um produtor de conteúdo. Nosso posicionamento hoje está muito à frente desses produtores de conteúdo não profissionais. Nos valemos desse conteúdo para mostrar para a população onde está a verdade. O grande desafio é deixar claro para os públicos – mercado, anunciante, leitor -, que nem todo jornalismo  é igual. Tem o profissional e tem o resto. 

Notícias falsas
Nas redes sociais, você coloca 50, 60 milhões de pessoas em uma cadeia de transmissão em que o conteúdo adulterado ou criado para prejudicar alguém pode chegar a centenas de milhões de pessoas. Foi feito um estudo na USP (Universidade de São Paulo), em abril, mostrando que três das cinco notícias compartilhadas no Facebook  naquele mês eram falsas. Isso é uma parte da desinformação, é uma estratégia, sobretudo no campo político. São assuntos mais ligados às relações públicas do que ao jornalismo. São defensores de causa que produzem esse conteúdo. O grande desafio nosso é preparar as audiências para distinguir quem é o produtor com certificado de origem dos que não têm o certificado. Não que a gente esteja certo sempre, mas nós buscamos estar sempre porque vivemos do acerto. Os não profissionais não têm essa preocupação. A preocupação deles é defender causas. O que é legítimo, mas não é jornalismo. O bem mais abundante atualmente é a informação e o mais escasso é a informação confiável. É neste campo que os jornais devem se posicionar.]

Plataformas

Estamos caminhando cada vez mais para sermos agnósticos em relação a plataformas. Nós não estamos no ramo da impressão de jornal nem no de produção digital, estamos no ramo da distribuição de conteúdos confiáveis. Se isso é em papel, mobile, desktop, enfim, no que quer que seja, é secundário. Nós precisamos estar presentes, cada vez mais. Os jornais, talvez como nenhum outro veículo, estão presentes em plataformas tão distintas para atender ao público da maneira mais conveniente. Se ele está com tempo e disposição para ler um jornal em papel, ok. Se ele tem um minuto na fila do elevador para acessar mobile, perfeito. Se ele quer fazer uma leitura extensa no travesseiro com o tablet à noite, estamos presentes também. Não cabe a nós dizermos qual a melhor plataforma. Quem decide isso é o público. Às vezes, o que é mais conveniente de manhã, não é ao meio-dia ou à noite. Têm alguns veículos que nasceram digitais e não atendem todo o público, já que tem uma parte que ainda prefere o conteúdo impresso. 

Publicidade
Conseguir saber como a gente vai pagar a conta é quase um subproduto do desafio principal que é o mercado e o público perceberem que no campo dos jornais e dos veículos profissionais de comunicação é uma natureza diferente. Aqui tem muito mais valor do que uma desinformação transferida em redes sociais ou blogs. O primeiro desafio é deixar claro para o mercado que isso tem um valor diferente. Segundo é a nossa capacidade de gerar essas receitas, não de uma maneira de oposição às redes sociais, mas de maneira complementar. Nenhuma marca consegue se construir com reputação, imagem e credibilidade abdicando de mídias como jornal, revista rádio e TV. Nós somos os que mais se associam à credibilidade. Hoje a vida ficou muito complicada para quem lida com investimento publicitário porque tem de acertar na complementariedade. Você tem uma série de alternativas que antes não tinha. Abrir mão desse posicionamento obrigatório nas mídias jornal, revista, rádio e televisão é abdicar da construção da reputação, e a marca não vai conseguir executar nada no digital. Não vai conseguir estabelecer uma relação de confiança duradoura de valorização da marca. É isso que o mercado está começando a entender que são coisas complementares e não excludentes. 

Confiança
A grande disputa hoje é por atenção, mas não basta só disputar a atenção. É preciso ganhar a confiança. Se a marca não conseguir isso não adianta e, nesse sentido, os jornais continuam uma fortaleza. Mesmo marcas puramente digitais com frequência fazem campanhas nos jornais, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa. Nada transfere mais reputação e credibilidade do que o jornal, na plataforma que for, do papel à marca do veículo na rede social. 

Custo
Temos o desafio de mostrar para o mercado e para o anunciante que este jornalismo tem um custo mais alto e precisa de profissionais mais qualificados, independentes, com informação adequada. Ao mesmo tempo, não precisamos fazer um investimento milionário em toda notícia. O que cada veículo deve identificar é aquilo em que ele pode ser melhor e perseguir este objetivo. Qualidade não se compra em prateleira, mas se constrói no dia a dia, com ética, com conceitos modernos de gestão, com profissionais talentosos, o que não necessariamente é caro. É profissionalismo e as empresas de comunicação no Brasil têm.

 

Recessão
Existe um impacto da recessão em todos os setores. Os veículos são muito sensíveis ao PIB (Produto Interno Bruto), mas, ao mesmo tempo que se cortam determinadas funções, crescem outras. Tem áreas novas, focadas em digital, em métricas, em análise, que não existiam há 15 anos. No fundo é uma espécie de compensação. Há esforços para que talentos que fazem a diferença sejam preservados. Aqueles que vão além da mera transmissão da notícia, que virou uma commodity. A gente precisa de profissionais que agreguem, que acrescentem, que trabalhem o porquê e o como, e não apenas o quê.  

Relações
Se você pegar veículos exclusivamente digitais, que a idade média da redação é 23 anos, a tendência é que sejam excessivamente superficiais, sem uma capacidade de olhar além, que a experiência traz. Essa troca (entre gerações) está na raiz da credibilidade. Estamos no ramo de vender credibilidade e entregar confiança. As relações entre as empresas e as pessoas vão se dar cada vez menos por leis, decretos e cada vez mais na confiança, na reputação. Eu faço ou não um negócio baseado na reputação do restaurante, do hotel, por exemplo. A gênese dos jornalistas profissionais é a confiança. 

ANJ
A entidade é muito bem gerida historicamente e, por ser jornalista de formação, meu foco vai ser jornalismo profissional como grande valor junto ao público e mercado. Um aspecto muito relevante, que está na origem da ANJ, é a defesa da liberdade de expressão e da integridade dos profissionais de comunicação. 

Campanha
Estamos agora fazendo uma campanha muito positiva que defende que nunca se leu tanto jornal. Nizan Guanaes foi o grande inspirador. Estamos mantendo este espírito e vamos discutir agora o que vamos fazer na sequência. Nós acreditamos muito em publicidade como formador de posicionamento.