No fim do século passado, passei uma temporada trabalhando em Buenos Aires. Fui dirigir a criação da DDB. Um desafio e tanto. E uma experiência maravilhosa. A única coisa que me deixava encucado era tentar compreender como as agências e os veículos sobreviviam num mercado absolutamente desregulamentado.
Os espaços da mídia podiam ser comprados na esquina, de um “bolsero”, que vivia de especular com páginas de jornais e revistas e espaços em TV e rádio, num investimento como qualquer outro. Esse “bolsero” competia com os birôs de mídia – espécie de corretores multinacionais, que trabalhavam na perspectiva de se apropriar da mídia e ditar os preços –, competia com as próprias agências que, muitas vezes, “estocavam” espaços dos veículos, comprados antecipadamente e depois “empurrados” aos clientes e competia, ainda, com os próprios veículos que, mesmo depois de vender para tanta gente, ainda conseguiam negociar seus produtos sabe Deus como.
É de se supor que nessa selva, nesse salve-se quem puder, um pouco de inteligência e muito de esperteza tenham, afinal, juntado forças em nome da sobrevivência. O anunciante, que sempre acreditou, estupidamente, que nessa carnificina seria o grande beneficiado, acabava, na verdade, à mercê dos acordos fechados entre terceiros interessados na sua verba. É ingênuo imaginar que fornecedores encarem passivamente um leilão de preços de mídia sem limites. Acabam se entendendo em nome de ganhar dinheiro. E onde os negócios são induzidos a recorrer a subterfúgios, sob pena de se inviabilizarem, certamente estimula-se práticas menos saudáveis do ponto de vista ético.
Há alguns anos, acompanhei para o PROP- MARK um evento em Lisboa, promovido pela Associação Portuguesa de Agências de Publicidade. Tratou-se de uma exposição, sob o tema Como cobrar por ideias, em que publicitários europeus e norte-americanos apresentavam sugestões de remuneração para as agências, diante da proliferação dos birôs de mídia. Tudo meio utópico. No jantar promovido pela entidade, ouvi da presidente de uma agência multinacional que a coisa tinha chegado ao ponto de ela precisar pedir ao birô dados sobre o cliente para subsidiar seus briefings para a criação. Imagine-se uma situação dessas perdurando por anos. É o fim da agência. O Brasil andou a ponto de viver, formalmente, esse caos. Nos cinco anos em que o processo do Cenp esteve submetido à avaliação do Cade, muita gente apostou que a normatização cairia por terra, escancarando o mercado para predadores que, até então, vinham agindo com certa discrição, ainda que embalados por uma doutrina libertária que, inclusive, cooptou muita gente boa.
Em 18 de janeiro de 2017, fez-se a luz. O Cade aprovou as normas-padrão como ferramenta conveniente e recomendável para o sistema. Uma avaliação diametralmente oposta a um discurso que se pretendia modernizador e mais fiel às praxes da livre-concorrência. Em que pese a pressão poderosa que sofremos no período em que estivemos “de molho”, o mercado, ainda que entregando alguns anéis, soube preservar os dedos para reposicionar-se agora com mais vigor e fazer valer o que é direito.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing