A vida do profissional que lida com construção de marcas vem passando por uma fase de intensa transição com a quebra de verdades absolutas que norteavam nossos caminhos – e faziam a nossa vida bem mais fácil. Hoje, a atenção do ser humano é tão hipersaturada que aparecer, fazer a diferença na vida das pessoas, ser lembrado e, ainda, ganhar sua fidelidade virou uma missão bem desafiadora e pouco linear para o marketing. Temos a prática dos mil pontos de contato que fez o saudoso mapa de “x” parecer assunto dos anos 90, do omnichannel que tornou a conversa sobre a jornada um desafio mais que etnográfico, e as redes sociais que trouxeram a possibilidade de um relacionamento real entre as marcas e suas audiências, tirando o profissional do seu pedestal. E como cereja do bolo: os dados.
Transitar entre a observação, a conversa, a intuição, o frio na barriga e uma boa análise quantitativa cheia de insights também é uma habilidade nova para muitos profissionais de marketing. A subjetividade de um bom contador de histórias sempre vai ter seu lugar ao sol. Mas é preciso um treinamento intensivo para enfrentar um bom contra-argumento baseado em dados – principalmente sobre comportamento humano e não as tradicionais pesquisas declaradas. Para quem chegou ao mercado de trabalho nos últimos cinco anos, parece trivial. Mas para quem está, assim como eu, trabalhando há 20 anos com construção de marcas, a vida ficou bem mais complexa. Tentando colocar em caixinhas, destaco alguns desses desafios:
A experiência vem antes
Uma boa história contada com uma boa produção não resolve mais a vida do profissional de marketing. Mais do que lindas campanhas publicitárias, a marca precisa resolver um problema ou ter uma missão, seja funcional ou emocional, para ter espaço no dia a dia da sua audiência. E resolver o problema de tal forma para ser marcante e relevante na vida do consumidor. Parece óbvio para uma marca de serviços, mas o mesmo vale para marcas de bens de consumo. A marca precisa ter uma razão de existir na vida das pessoas e entregar produtos ou serviços da forma mais incrível possível. Ao resolver um problema ou trazer alguma satisfação e, ainda por cima, de maneira encantadora, criamos uma memória afetiva com o consumidor. Essa experiência será compartilhada de todas as formas pelo cliente. As marcas mais cultuadas da nova economia, que trouxeram soluções inovadoras para muitos atritos do dia a dia por meio da tecnologia, privilegiaram a experiência e só depois de ter seu lugar marcado na jornada do seu público, começaram a investir em publicidade. O grande desafio é converter um mero admirador, que ama as campanhas, em um usuário de fato, que ama o papel da marca na vida dele. Muitas marcas de renome são mais adoradas do que realmente consumidas. Que função (palavra menos charmosa do que propósito, mas talvez mais literal) sua marca tem na vida das pessoas e de que forma você entrega isso?
Transparência na relação
Por muito tempo, o universo do marketing foi bastante permissivo, ou melhor, fantasioso, vendendo promessas e não, necessariamente, entregas concretas. Só as marcas tinham voz, a conversa era unilateral e hierárquica. Hoje, as redes sociais deram poder à sua audiência, para o bem e para o mal. Ficou inevitável: ou as marcas se tornavam mais transparentes, reais e responsáveis, ou era uma questão de tempo para o sistema se autorregular e expurgar quem ficou só no blá-blá-blá. Lembro do meu primeiro estágio em marketing, há mais de 20 anos, quando passei o dia no SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) ouvindo ligações de todas as naturezas: gente reclamando, gente dando ideia, e gente só querendo matar o tempo e conversar com alguém. Nada mudou no comportamento humano, mas hoje existe um meio muito dinâmico para isso. E se você trabalha com marca, antes de mais nada você trabalha com gente. Ter essa relação de troca dá trabalho, mas não há nada mais precioso que essa escuta.
Escuta ativa
Escutar vai além de entender o que se está falando sobre a marca. Escutar, na posição de alguém que tem a missão de construir uma marca, é também entender o entorno, sair da bolha, perceber e valorizar as diferenças e contextos particulares, entender que o consumidor não é você e nem tem uma vida parecida com a sua. É entender quais são as angústias, vontades e interesses do momento, e de que forma a marca pode ou deve participar destas conversas. Não adianta querer vender peixe quando o mar está cheio de óleo. Ajude a limpar o mar, ou a evitar que isso aconteça, e logo você volta a vender peixe. Quando você escuta de forma ativa, o público se torna o centro de todas as decisões, e o profissional para de se gabar e falar exclusivamente sobre a marca. A marca não precisa se posicionar e ter uma opinião sobre qualquer assunto quente nas redes. É interessante escutar as conversas para participar apenas do que faz sentido para a marca e conectar suas ações com seu propósito. Pode ser uma ótima oportunidade para se conectar com seu público e gerar uma afinidade genuína.
Relevância + encantamento
Não basta ter um bom produto ou serviço, plugado em uma experiência suave e sem atritos, mas ser entregue e contado da forma padrão do mercado. A marca será mais uma em meio a muitas possibilidades que surgem todos os dias para o seu público. Encantar é também um belo desafio. Se a marca ficar dentro das expectativas na hora de dar seu recado, vai ser difícil aparecer nessa enxurrada de conteúdo que brota por segundo. Ao mesmo tempo que fazer associações ao seu mercado traz um atalho mental para a sua audiência, a marca corre o risco de ficar naquele limbo genérico. Mais do que encantar, fazer rir ou chorar, é preciso fazer uma conexão com a marca. Caso contrário, é grande a chance da ação se tornar puro entretenimento e não gerar resultados.
Para se sobressair em um mercado tão comoditizado, a marca precisa fazer parte da vida do consumidor, aliando experiências marcantes com soluções que facilitem o seu dia a dia. Já o profissional de marketing tem a necessidade de conhecer a fundo seu público-alvo com seus anseios, expectativas e necessidades, sem qualquer tipo de idealização. Mais do que nunca, hoje é o cliente quem dá as cartas. E para ter sucesso, a marca precisa surpreender o consumidor, antecipando a próxima jogada.
Por Patricia Mascagni, diretora de Marketing da Visa