Além da recente estupefação com a contagem inflada de audiência dos vídeos do Facebook, na faixa de 60% a 80% por dois anos, revelada pela própria organização, a comunidade publicitária registrou outro espanto com a divulgação pela Dentsu de que constatou que havia feito “operações inapropriadas” na sua área digital no Japão, atingindo 111 empresas que teriam sido cobradas a mais por anúncios veiculados, entre eles o maior de todos seus clientes, a Toyota.
No total, foram 633 operações duvidosas e a soma de US$ 2,3 milhões, no período de cinco anos. A própria agência afirmou que identificou problemas como relatórios falsos de performance de resultados e falhas no posicionamento de mensagens comerciais.
Também houve “incidentes em que nossos invoices não refletiram resultados verdadeiros, levando ao registro de valores excessivos”, afirmou a agência, em comunicado. Em 14 casos, os valores foram cobrados, mas os anúncios nunca foram ao ar. De acordo com a Bloomberg News, um VP sênior da Dentsu afirmou que a agência vai devolver os US$ 2,3 milhões aos clientes. Já seu diretor-financeiro disse que a Toyota foi a primeira empresa a apontar erros e a exigir respostas.
Assim como no caso do Facebook, o problema foi autoapontado, mas as explicações não foram detalhadas e precisas. Ambas, Dentsu e Facebook, foram enfáticas em dizer que o problema estaria resolvido e os clientes não foram prejudicados ou serão ressarcidos, além de terem sido devidamente comunicados sobre os casos.
A Dentsu insistiu que o problema limitou-se ao mercado japonês e o valor por cliente impactado não era muito expressivo diante do montante da verba administrada. Mas parte da imprensa local e internacional, refletindo outros dirigentes do setor publicitário, afirmou que a revelação na negligência profissional de uma gigante como a Dentsu, que lidera o mercado local e continua sendo, individualmente, a maior agência do mundo, é muito preocupante para todo o sistema.
A verdade é que essa situação específica que se abateu sobre a Dentsu e seus clientes deriva de um problema essencial da mídia digital, que é falta de transparência e de padrões discutidos, definidos e aceitos por todas as partes envolvidas: clientes, agências e veículos – ao contrário das demais mídias, que seguem hábitos e normas que regem suas relações comerciais.
O digital se transformou em uma grande caixa-preta global, no qual se misturam a falta de definições sobre os critérios de visibilidade, a ausência de pesquisas e mensurações aceitas e robustas, o pântano do sourced traffic, o inferno da fraude e a crescente ameaça do adblock, tudo temperado pelo mistério da mídia programática e muitos intermediários entre a saída do dinheiro dos anunciantes e sua chegada ao caixa dos operadores digitais.
Isso tudo é somado ao fato de que por falta regulação pública dos países – devido à natureza de não existir barreiras geográficas para o digital e até mesmo certa ausência de materialidade de diversas de suas expressões –, esse meio se transformou numa terra sem lei.
Aos problemas com o mundo da publicidade têm se somado ações de diversos governos tentando cobrar algum imposto ou as taxas corretas dos gigantes transnacionais da área. São movimentos de países como Estados Unidos, Reino Unido, França, Espanha, Austrália e Índia, para mencionar alguns mais ativos, e entidades transnacionais, como a União Europeia, a OCDE e até o conselho de ministros das finanças do G-20.
Está mais do que na hora, portanto, de fazer a revisão dos métodos e processos do digital, que precisa mudar sua postura, práticas e governança, de forma a estabelecer bases sólidas e confiáveis para se construir da forma adequada o futuro dessa mídia, que só será relevante e sustentável se passar a jogar seguindo as regras adotadas pelos demais meios.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda