A crise política brasileira, que afetou e prossegue afetando sobremodo a economia do país, já dura três anos, com períodos de altas e baixas cada vez mais para as primeiras.
Quando a situação parecia ter-se amainado mais recentemente, apresentando como consequência uma ligeira melhora da economia, tivemos o desastroso (e muito pouco compreensível em um primeiro momento) vídeo de Joesley Batista gravando o presidente Temer.
Tornado público, o vídeo pirata trouxe de volta a crise em todo o seu esplendor. Temer deveria enfrentar o gravíssimo problema com maior determinação, como Lula sempre fez nos seus momentos recentes mais difíceis, mas preferiu tergiversar. Pensando, talvez, que ganharia tempo – e o tempo transcorrido lhe seria oportuno – aguardando a perícia no material, afundou-se mais ainda diante de um Brasil atônito, que não poderia esperar jamais por aquele encontro destrambelhado com o rei do gado.
Vejo Temer anos atrás em uma das reuniões preparatórias do 4º Congresso Brasileiro de Publicidade, na casa de um dos organizadores do evento. Ele ocupava a presidência da Câmara Federal e mostrava todo o seu saber jurídico aos interlocutores, além de uma boa dose de conhecimento sobre o mercado para o qual o 4º Congresso estava sendo preparado.
Impossível imaginar aquele cavalheiro de fino trato e extensa cultura sobre muitos temas distantes da sua atividade parlamentar, destinado a se envolver anos depois com gente da pior espécie, fazendo-nos agora crer que estava naquela noite em turma errada.
O que mais choca no episódio gravado e que tornou a arrebentar com o país é a destacada desenvoltura com que economizou palavras, demonstrando claramente para qualquer mediano entendedor, que temia (sem trocadilho) pelo pior.
Vem daí a sua grande contradição: sem deixarmos de lado seu comportamento infrator, não poderia ter-se permitido o risco deliberadamente assumido e, repetimos, de leitura fácil pelas suas (poucas) palavras monossilábicas, do encontro fatal.
Toda a cena em muito se parece com o comportamento chulo com que o carregador dos R$ 500 mil saiu da pizzaria Camelo, na Rua Pamplona (SP), parecendo um Jerry Lewis qualquer em um dos seus melhores papéis.
A propósito, que bandidagem mais amadora é essa de marcar esse tipo de encontro de passagem (da maleta), em um lugar público e geralmente apinhado de apreciadores de uma boa pizza de todos os sabores?
Reprovados nesse tipo de exame – que não deve ter sido vestibular – para a universidade de crimes, esses personagens, que jamais deveriam ter desempenhado esses papéis, tornaram-se presas fáceis de um método de delinquência superior, praticado por experts que fariam Don Corleone e sua gang corarem de vergonha pelo primarismo das suas ações.
Estamos agora novamente encalacrados em uma crise, cujo desfecho ninguém sabe qual será.
Getúlio resolveu logo a que Carlos Lacerda provocou em 1954, enchendo-se daquele tipo de vergonha briosa, capaz de fazer com que um ser humano abra mão do seu bem mais precioso que é a vida.
Um tiro no peito e uma carta de despedida que passou a fazer parte importante da nossa História puseram fim a uma crise também interminável e que poderia arrebentar com o país daquela época.
Vargas preferiu arrebentar seu peito em holocausto, certo de que não estava provocando a sua morte, mas apenas antecipando-a.
Pena que poucos grandes erráticos se deem conta disso.
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A edição anterior deste impresso do PROPMARK, cobrindo o Cannes Lions, provocou muitos cumprimentos à direção do jornal. Segundo boa parte dos nossos leitores, foi uma das melhores sobre essa pauta, dentre todas já produzidas nestes 52 anos de circulação do PROPMARK.
Bom que assim tenha sido. Sabemos que tão somente cumprimos com o nosso dever, mas quando o desfecho chega a empolgar leitores, não deixa de ser digno de registro. Principalmente levando-se em conta ter sido a primeira sob o comando da jornalista Kelly Dores, recentemente alçada à condição de editora-chefe deste periódico.
E este ano foi diferente: houve pela primeira vez desde que participo do Cannes Lions (meu primeiro foi em 1971) uma ameaça que bloqueou qualquer tipo de reação por parte dos jornalistas, pelo menos dos brasileiros, acostumados com a ligeireza da sua imprensa.
Ela se traduziu no possível e imediato cancelamento das credenciais dos jornalistas “desobedientes”, o que provocaria um dano maior aos nossos leitores.
Foi a partir daí que mais se revelou o espírito jornalístico de Kelly Dores, pautando a equipe para outros pontos importantes do festival e lembrando para o editorialista uma das muitas frases famosas de Carlito Maia: “Se me fecham as saídas, fujo pelas entradas”.
Nota digna de elogios nesse episódio foi a postura de Nizan Guanaes, que discordou publicamente da atitude da direção do Cannes Lions, prometendo interferir para que em 2018 todos realizem com liberdade e responsabilidade profissional seus jobs.
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Este Editorial é em homenagem a Gilberto Leifert, que deixou a Rede Globo na última semana, após 30 anos de bons serviços prestados à empregadora e ao mercado da comunicação.
A este último prosseguirá prestando sua valiosa colaboração, na presidência do Conar.