Alguns anos depois de ter sido contratado pela DPZ, em 1981, recebi um convite para trabalhar na Talent. Como estava muito feliz, ao lado do Petit, do Zara, do Roberto, do Washington, do Neil e de tantas outras estrelas daquela constelação de criativos, preferi ficar.
Hoje, voltando o pensamento para aquele momento, me ocorre que não foi só por isso que deixei de ir.
Não fui porque a Talent era uma agência ambígua na percepção de um “criativo típico” dos anos 1980. Explico (ou tento explicar): vivíamos o apogeu da autossuficiência criativa. Funcionava mais ou menos assim: você estava numa reunião de que participavam profissionais do marketing do cliente e o atendimento da agência. Discutia-se assunto intrincado, que vinha tirando o sono de todos. Você escutava aquilo tudo e, de repente, falava uma frase, uma única frase, que desatava todo aquele nó.
Um repente, uma intuição, uma sacada. Zero de empirismo. Distensionava o ambiente e você era aclamado herói daquela gente, inclusive por dar uma sobrevida a seus empregos. O oposto disso era a burocracia, o chamado by the book. Que nada mais era do que seguir regras, confinando soluções criativas a equações de planejamento. As coisas eram realizadas desse jeito, principalmente nas agências norte-americanas que, no melhor estilo do projeto USAID ensinando nativos a escovar os dentes, mandava cartilhas com regras de como fazer as coisas direito em suas sucursais brasileiras.
Como detinham contas alinhadas, aquilo desse ou não os resultados desejados, o máximo do “castigo” a que a agência estava sujeita era ter de trocar algum executivo, às vezes vindo um gringo para “corrigir” os erros do brasileiro. Um ambiente, portanto, de grandes limitações para a vaidade de um criativo genuíno daqueles tempos.
O redator e o diretor de arte que viviam o privilégio de trabalhar numa agência como a DPZ (se é que na época havia alguma agência “como a DPZ” senão a própria DPZ) olhava o entorno e não se sentia seguro para deixar aquele lugar encantado.
Suponho que essa síndrome tenha me acometido diante do convite da Talent. Pior: na Talent, a estrela era o cara do planejamento. Alguém que conseguira libertar o planejamento da gaiola de uma cartilha gringa.
Era um fenômeno. Um pioneiro. Pois não sendo, como nós, brilhantes sacadores de mensagens emocionantes na ponta, nem um chato cagador de regras escritas pelos outros fazendo um meio de campo empatador, se constituía, de fato, num criativo autêntico, quebrando padrões e apontando soluções de precisão cirúrgica no planejamento. Um guia confiável para a criação. Mas como um guia confiável para a criação que não era do “departamento de criação”? É isso o que se chama de excepcionalidade.
Eu não soube lidar com isso. Embora tenha na DPZ uma escola insubstituível, pudesse voltar no tempo me deixaria levar pelo profundo respeito pelo Julio, aceitaria o convite da Talent e exerceria com feliz humildade a subordinação à sua inteligência. Sim, me faltou o Julio Ribeiro no currículo.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)