Vivemos num país racista. E vivemos num país em que a palavra racismo é um tabu. Como diz Celso Athayde, o Brasil é o único país racista do mundo onde não há racistas.

A partir dessa afirmação, é fácil entender como o racismo opera hoje através da dissimulação: todos concordamos que o Brasil é um país racista, sem que ninguém se declare racista. Essa dissimulação é, na realidade, uma sofisticação necessária para que o  racismo continue operando na nossa sociedade. Não falar do racismo é a melhor forma de mantê-lo. Não se assumir racista é a melhor forma de não fazer absolutamente nada para que a realidade venha a ser alterada. E  é assim, utilizando essa mesma dissimulação para camuflar o racismo,  que o mercado de comunicação vem atuando, já há alguns anos.

Trabalho na área de comunicação há mais de duas décadas, sendo que nos últimos 15 anos estive dentro de agências. Há dez anos, sequer havia discussão sobre o assunto, nenhum tipo de autocrítica, nem uma única palavra a respeito da necessidade de se incluir pessoas negras em anúncios. De uns anos para cá isso se modificou. Devido à amplificação da voz do movimento negro, começou a “pegar mal” pensar numa campanha que não tivesse um negro. E é aí que nosso racismo entra em ação e surge o hype da diversidade. 

Chamamos de “Diversidade” um movimento que surgiu exclusivamente para corrigir uma falha gravíssima da comunicação brasileira: não representar a maioria (56%) da sua população.  Mas, ao invés de nomear esse movimento fazendo referência direta aos negros, nomeamos essa “boa ação” de modo a embranquecer seu significado –já que sabemos que diversidade não abrange só os negros. Diversidade abrange negros, mulheres, pessoas com deficiência, indígenas, gays, ruivos, o que você quiser. Diversidade reforça a exclusão, uma vez que retira o protagonismo do negro, colocando-o como mero coadjuvante.

Além disso, diversidade não reflete a realidade. Diversidade revela um desejo: o de vivermos num país onde as diferenças convivam nos mesmos espaços, nas mesmas escolas, numa roda de amigos ou numa sala de reunião. Desejo legítimo e belo, que pode e deve ser abraçado por muitas marcas, porém completamente distante da nossa nua e crua realidade.

A partir da necessidade de implementar a “diversidade”, passamos a ver uma centena de campanhas que trazem diferentes fenótipos. Por exemplo, aquele clássico filme de uma criancinha loira correndo na grama de mãos dadas com uma japonesinha e um menino negro. Ou, mais comumente, filmes com um monte de brancos e um negro passando lá atrás. Não existe aí uma intenção de representá-los, e sim de incluí-los num mosaico irreal que não representa o mundo que vivemos.

Depois que a diversidade virou moda, vemos uma indústria que se vangloria de ter dado um grande passo – ainda que uma pesquisa recente da UERJ mostre que nos últimos 30 anos a presença de negros em anúncios passou de 9% para 16%.  O fato é que muito pouco mudou. Tudo continua praticamente igual, embora num ou noutro filme, durante a reunião de casting, seja discutida a necessidade de um negro na cena. Ele não é considerado ao longo do processo.

Portanto, falar de diversidade (ou retratá-la numa campanha) não tem absolutamente nada a ver com se aproximar ou se conectar com as pessoas negras. Tanto é que, segundo um dado alarmante do Instituto Locomotiva, 94% dos negros dizem não se sentir representados pela propaganda brasileira. Porque, de fato, não estamos falando com as pessoas negras. Ou seja, não estamos falando com metade do Brasil.

Quem me explicou perfeitamente o que significa “diversidade” para o nosso mercado foi a Antônia, uma das entrevistadas no nosso estudo A Casa e seu Significado. Quando acabamos a entrevista, perguntei a ela se notava que alguma coisa havia mudado na propaganda brasileira, se havia algo diferente, se algo mudou de uns anos para cá. Sem demora, Antônia respondeu que sim, que hoje havia muito mais negros nos anúncios, na televisão. Antes de comemorar: ela me disse isso com segurança e começou a rir. Rir muito. Perguntei por que estava rindo. Eis a resposta:

“Existe, eles colocam bastante, agora tem que ter pelo menos um, tem que ter pelo menos um negro, né? Eu ri no sentido de, aquela coisa, vamos pôr pra ninguém achar ruim, pra não dizer que aqui ninguém é a favor dos negros, mas vamos meio que camuflar. (…)” . 

O que a Antônia nos diz é que o movimento que estamos fazendo, e que chamamos de diversidade, se trata de algo voltado para nós mesmos. E não voltado para se conectar de fato com os negros do nosso país.  Isso é tão verdadeiro que depois de todos esses anos falando de diversidade, os negros ainda não são ouvidos. Porque nós, aqui do “outro lado”, sequer colocamos sob suspeição nossas pesquisas, se elas falam ou não com as pessoas negras, simplesmente porque nem mesmo nos fazemos essa pergunta. O resultado é que ignoramos o que pensam os negros, quais as suas reais necessidades e aspirações. 

Está na hora de mudar. Chegou a hora de pararmos de falar de diversidade e começarmos a fazer propaganda PARA os negros e não só COM negros. E fazer isso não por termos um bom coração. Fazer isso pois é a única forma de uma marca ser relevante no Brasil.

Links:

Folha.

PROPMARK.

Carolina Campos é sócia do Estúdio Nina, instituto de pesquisa focado no público negro