Frederic Kachar, diretor-geral de mídia impressa do Grupo Globo, que deixa a presidência da Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) nesta semana após quatro anos, acredita que 2017 será um ano difícil, mas aposta na criação de novos negócios para dar sustentabilidade ao negócio. Ele chama a atenção para a necessidade de os jornais e revistas se reinventarem e afirma nesta entrevista que ninguém sobrevive mais apenas da publicidade tradicional. Para 2016, a estimativa de mercado é de uma queda de faturamento em torno de 20%. “Nós caímos menos, mas por causa  dos projetos que criamos que trouxeram faturamentos novos”.  

Alê Oliveira

Qual o balanço do ano para o mercado de mídia impressa?
Foi um ano dificílimo. Acho que todo mundo teve sua resiliência testada ao último limite. Acho que não tem mais nenhuma editora ou jornal que espere uma retomada de crescimento no negócio tradicional, no impresso. O grande ponto é como a gente gerencia o ritmo de queda desse negócio e como acelerar novas fontes de receitas. Se for resumir 2016, o ritmo de queda foi maior do que todo mundo esperava. Acho que ninguém esperava um cenário macroeconômico tão adverso por um lado e, por outro lado, que isso acelerasse tão drasticamente também a queda no nosso meio tradicional de impressos. E, dentro desse cenário, o lado bom é que obrigou todas as empresas a acelerarem seu processo de reinvenção e de criação de novos negócios. Nunca jornais e revistas lançaram tantos eventos e formas de monetização ao vivo quanto em 2016. Acho também que nunca fomos tão intensos na criação de campanhas. Quase todos os players têm seus estúdios, suas houses de criação, como Estúdio Folha, Estúdio Estado, Estúdio Infoglobo e Estúdio Globo. Tivemos muitos cases interessantes de mídia impressa com branded content, criando junto com anunciantes campanhas, contando histórias. E há outras fontes também, os esforços da Abril em e-commerce, por exemplo, que precisam ser mencionados. A velocidade com que os jornais e revistas criaram coisas novas foi maior do que a dos anos anteriores. Até porque o negócio tradicional involuiu numa velocidade acima da esperada.

Quanto foi essa queda?
Eu estimo que em torno de 20% a 25%, tanto para os jornais quanto para as editoras de revistas. O modelo de negócio hoje é totalmente em cima de publicidade. Ninguém ganha dinheiro de verdade com circulação, nem Abril, Folha ou Estado. No fundo, a circulação é um meio para se criar audiência. Pode ter uma margem positiva, mas não suficiente para pagar os custos da empresa. O modelo de negócio é hoje muito em cima de geração de audiência para monetização em publicidade, seja no impresso ou no próprio digital. Todo mundo desesperado para ter unique visitors e page views. O que eu acho que está começando a ficar claro é que a venda do nosso conteúdo vai ter de contribuir com mais margem. E não vai ser via impresso, porque o interesse das pessoas por edições impressas é decrescente. Não tem nenhum lugar no mundo, salvo raríssimas exceções, que as circulações estejam crescendo. Então o caminho é no mundo digital criar produtos que tenham valor claro e relevante para os consumidores e eles paguem por isso. Os jornais americanos e o Financial Times, na Inglaterra, têm feito isso com maestria: ganhando dinheiro dos consumidores com produtos digitais e diminuindo a dependência com publicidade.

Quais são as perspectivas para 2017?
Acho que muda pouco com relação a 2016. Vai ser um ano muito difícil. Está claro que a recuperação do país não vai ser na velocidade que se imaginava há seis meses. Acho que será um ano em que a gente vai sofrer dificuldades no negócio tradicional, seja pelas verbas reduzidas dos anunciantes, seja pelo dinheiro reduzido dos consumidores. Estou falando muito de publicidade, mas a gente tem assinaturas que custam R$ 20, R$ 30 por mês, que as pessoas não tinham crédito para pagar no cartão. A taxa de rejeição do cartão de crédito triplicou em 2016. E nunca houve tanto pedido de cancelamento por falta de recursos. Tem uma questão macroeconômica seríssima. Não vejo grandes recuperações, acho que talvez o fundo do poço tenha passado. Isso significa que a gente vai ter de aumentar a velocidade dessas novas iniciativas de novas fontes de receitas, de manifestações de conteúdo ao vivo, que são os eventos, de produção e conteúdo para os anunciantes, de monetização das nossas propriedades digitais e, principalmente, achar um produto digital que tenha valor relevante para os consumidores. Se você olhar o IVC (Instituto Verificador de Comunicação), a carteira de assinantes exclusivos do digital anda de lado desde 2015. Ninguém cresceu. A Folha não cresceu, o Estado não cresceu, nós não crescemos, a Abril não cresceu. Os números das editoras são ridículos, os jornais têm um volume mais relevante. E eu ouso dizer que os assinantes exclusivos digitais são ex-assinantes do papel. Eles são leitores de papel que se digitalizaram, migraram de uma plataforma para outra. De repente, nesse caso, a margem do digital é até maior para a gente. Mas o que definitivamente está claro é que não conseguimos atrair novos consumidores, a nova geração que viu os seus pais pagando por assinaturas. A gente ainda não criou produtos digitais que atraiam essa nova geração, esses novos consumidores. O que me parece é que não tem nenhum produto hoje no mercado que tenha essa capacidade.

O que é mais difícil hoje: atrair esses novos leitores que não querem pagar pelo conteúdo ou vender publicidade digital?
Eu não acho que as pessoas não aceitem pagar pelo conteúdo. Elas não vão pagar por aquilo que está disponível de graça em outro lugar. Se o que a gente está oferecendo está grátis em outro lugar, ninguém vai pagar. Mas se a gente consegue criar algo que claramente é diferente do que é grátis e agrega valor na minha vida, as pessoas vão pagar. Eu não acho que tenha uma antipatia ou ojeriza a pagar. O ponto é que o que está sendo oferecido não tem valor. Voltando à pergunta, acho que os dois são desafiadores porque não existe formato de publicidade digital vencedor. O que a gente tem visto são CPMs decrescentes. A migração da audiência para o telefone torna isso um desafio maior ainda, porque o consumo no mobile é efêmero. Então, não existe formato vencedor, com exceção de branded content e native ads, mas que não têm escala. Dá um trabalho muito grande fazer. Não consegue fazer mil por dia. Mas a nossa vitória está no consumidor. Acredito que o dinheiro de publicidade vai ser menor para o nosso negócio, vai ser muito mais pulverizado porque há outras formas de se conectar com os consumidores e a gente precisa ter foco em conteúdo relevante que os consumidores queiram pagar porque faz a diferença na vida deles. A gente não pode insistir num modelo que viva só de publicidade. O que definitivamente não vai parar de pé é montar redações caras, com excelentes jornalistas, para viver apenas de publicidade.

O cenário está melhor para um jornal popular como o Extra ou para um jornal segmentado, como o Valor? Por quê?
O cenário está difícil para o jornal popular, premium, para TV aberta, para todo mundo. Não tem nada fácil no Brasil hoje em dia. Está tudo muito difícil. O ponto de partida é o mesmo para todo mundo. O meu ponto é que eu tenho muita clareza que a receita que eu quero aplicar para um não é a mesma para o outro. Extra e O Globo são viáveis, são ótimas oportunidades, têm uma sinergia grande já, mas são modelos de negócio diferentes.

O que o Grupo Globo vem fazendo para enfrentar o dilema?
Todo mundo está se reinventando, TV aberta, TV fechada, nós. Claro que os jornais e revistas estão sofrendo há mais tempo e temos a obrigação de nos reinventarmos mais rapidamente. Mas essa transformação dos hábitos de consumo de mídia que afeta os hábitos de anunciar vale para todo mundo. Está claro que há uma mudança relevante acontecendo, que afeta não só os nossos conteúdos, mas também, obviamente, a estratégia de comunicação dos anunciantes. E precisamos trazer proposta de valor contundente para os dois lados, tanto para o consumidor como para o anunciante.

E qual é a estratégia para o Valor, após a separação com a Folha?
Do ponto de vista de conteúdo, não muda absolutamente nada. Vamos seguir com o compromisso de ser a melhor publicação de economia e negócios, e política também. O que a gente vai fazer é ganhar todas as sinergias possíveis. No Valor, há varias sinergias que podemos fazer, a começar pelo mercado de luxo. Se você olhar os pares do Valor mundo afora, como o Wall Street Journal e Financial Times, de 30% a 40% da publicidade vem de marcas de luxo. No Valor, tem uma ou outra. Mas as maiores publicações de luxo estão comigo, que são Vogue, Casa Vogue e GQ. Então, que tipos de produtos posso criar em conjunto? E não é só networking. É criar coisas novas, porque a audiência do Valor está comprando essas marcas de luxo, por exemplo. E trazer valor para os anunciantes, para que eles invistam nisso. Será que podemos criar novos eventos? Acho que sim. O Valor não cobre carro, por exemplo. Mas o leitor do jornal compra carro. Posso produzir algum conteúdo ou evento de carro para a audiência do Valor, aproveitando a capacidade que tenho aqui dentro. Nós compramos o Valor porque acreditamos que podemos aportar valor no jornal, trazer dinheiro para o Valor com o resto do portfólio. A sinergia de receitas vai dar o tom da sustentabilidade da empresa e essa é a minha grande aposta, ao trocar conteúdo, eventos e habilidades, entre os veículos, mas, no fim do dia, eu estou preocupado com a receita. Não tem uma única empresa de mídia impressa no Brasil que não tenha receita decrescente desde 2012. A Globo Condé Nast e o Valor até o ano passado cresciam em receita, mas, na média, todo mundo, de 2012 para cá, caiu em receita. O ponto é: existe empresa sustentável cujo faturamento cai todo ano? Não existe, porque o limite de economizar chega em algum momento. Nossa grande aposta é que essa combinação de atributos nos coloque de novo no rumo. São quatro anos seguidos caindo faturamento.

Você acredita que no ano que vem volta a crescer?
Não, de jeito nenhum. Mas para quem está menos 20% e virar menos 5%, é 7 a 1. Eu não estou dizendo que nós (Grupo Globo) caímos 20%, nós caímos menos que o mercado. Essa é a minha estimativa de mercado. Nós caímos menos não por causa das páginas, mas devido aos projetos que criamos, que trouxeram faturamentos novos.