Eu tenho um amigo, Mauro Bentes, que faz tempo me critica pelo que ele chama de “gostos exóticos”. Calma lá, minha senhora, não se levante da mesa imaginando ouvir confissões descabeladas de práticas ofensivas às pessoas educadas. Não falarei de sexo bizarro nem de políticos de Brasília. É apenas um comentário sobre um livro que acabei de reler, que de alguma forma tem uma relação íntima com o Mauro Bentes. Vou à história. Um grupo de amigos, do qual eu participava com entusiasmo, tinha uma mesa cativa num restaurante no Rio de Janeiro chamado Alcaparra, que se formava toda sexta-feira para praticar alguma extravagância gastronômica que – ao contrário do que dizem os veganos e médicos em geral – não matou ninguém.
Nesses almoços, o chef Raimundo se esmerava fazendo pratos que só de pensar me dá água na boca e lágrimas nos olhos. De saudade. Sabedor de que a mesa podia receber gente como Ziraldo, Ancelmo Góis, Zuenir Ventura, Zelito Viana e Miguel Paiva, nosso citado Mauro se sentiu prestigiado quando o convidamos para um almoço. Nenhum de nós se preocupou em alertar que não apenas nos fartávamos de comida.
Era uma “experiência”, como se diz atualmente. Na hora acertada, vestindo um de seus conjuntos esportes mais elegantes (e ele tem uma coleção completa, um mais catito que o outro), Mauro se senta à mesa e pergunta qual é o menu. Quase chorando de felicidade e expectativa eu contei: risoto de rabada! E ainda tem uma dobradinha especial!
Mauro disfarçou, alegou um súbito mal-estar, levantou-se e escafedeu-se. Muito tempo depois me confessou que foi preciso uma semana de salada de alface para seu estômago se recuperar. E ele nem tinha visto os pratos! Depois disso, não aceita nem tomar café na minha sala. Deve imaginar que eu o adoço com rapadura. Pois bem, a Editora Senac tem um livro que é a cara do Mauro Bentes.
Chama-se Embutidos e é de autoria de Breno Raigorodisky, que não conheço pessoalmente, mas sei que é publicitário e filósofo, diretor de criação e deve ser um tremendo bom garfo. Nesse livro, que de vez em quando devoro como se fosse uma linguicinha mineira, o autor te leva para um passeio pelo mundo para apreciar os melhores embutidos que o gênio humano já conseguiu inventar. Já está molhado de tanta saliva. Quando eu era criança fazia coleção de Ele & Ela e revistas pornográficas dinamarquesas só para sonhar com sexo. Comi (se tanto) umas cinco das milhares de mulheres peladas que as revistas mostravam. Em compensação posso comer quase todos os embutidos do livro.
Não sei se fico eufórico com essa troca, mas é sempre melhor que nada. Seguindo as receitas, já produzi em casa algumas raridades, como a Andouille, que é um rocambole formado por intestino grosso, intestino delgado e estômago de vitela. É um prato apreciadíssimo entre os gourmets de Rouen e Lyon. Qualquer dia vou encontrar ingredientes para surpreender os meus convidados com um morcón como se faz na Andaluzia, que é um embutido feito de paleta, língua e canela de porco. Já encomendei material para uma coppa di Ascoli Piceno, feita de pele, cartilagem, orelha e língua de porco. Já que estamos com as mãos nas tripas, vamos tentar elaborar um fegatazzi, que é simplesmente linguiça de fígado de porco, temperado com erva-doce e comida com polenta.
Esquecendo um pouco as frescuras de meu amigo Mauro Bentes, recomendo com entusiasmo, glutonice e alegria o livro Embutidos – da sobrevivência à gastronomia, do já citado coleguinha Breno Raigorodisky. É uma obra de fôlego. Agora vocês me deem licença, pois me espera um salsichão com salada de batatas que, diante dos pratos descritos anteriormente, está parecendo que vou comer algo como caldinho de galinha. A diferença vai ser a mostarda kielbasa e chalotas bem apimentadinhas.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br).