Outro dia assisti a uma entrevista do produtor cultural Claudio Prado, um dos criadores da transgressora Mídia Ninja, em que ele afirmava que o mundo está passando por uma zona de turbulência – que dará lugar a nova ordem mundial, próxima àquela tão sonhada pelos hippies, onde novos (bons) valores serão finalmente postos em prática, e no qual as regras de ordem e progresso que fizeram a roda girar até aqui não se encaixam mais. Uma espécie de obsolescência programada de valores, dogmas, métodos e sistemas, que começaram a “dar pau” ao se colapsarem com ventos soprados em forma de pixels, bits e outras unidades do universo digital.
Não deixa de ser uma visão otimista do mundo e um alento em meio à queda de tantos muros de Berlim aos quais temos assistido, de camarote, ou muitas vezes embrenhados no meio deles, sentindo o impacto dos tijolos sobre as nossas cabeças, nos últimos anos. Essa transição para uma nova era, que os mais esotéricos denominam era de Aquário (uns dizem que começou em 2001, outros que está chegando), pode ser a próxima versão, mais ordenada – e possivelmente mais admirável – dessa colossal desconstrução que estamos vivenciando. A terra prometida, onde grande parte daquilo que aprendemos a conhecer não vale mais. Onde o funcionamento das coisas se dá a partir de novas linhas de montagem.
O que ainda vivemos parece, de fato, uma versão tosca e transicional de um processo, ou, como nós acostumamos a chamar, uma disrupção: a ruptura que ocorre quando algo novo tenta se impor ao estabelecido e esse, por sua vez, tenta defender seu pedaço, em geral a custos extremamente altos. A aprovação, na semana passada, da Lei Geral de Proteção de Dados não deixa de ser um símbolo da acomodação do novo ao velho mundo (no que ele tem de melhor, claro), sob o manto de valores centenários como ética e transparência, arrumando a casa e o caos do qual possivelmente muitos se aproveitaram enquanto puderam. Agora não mais, esperamos.
O barato de abraçar o novo é que ele nos desafia a reconhecer que tudo muda, sempre. Anitya – é um conceito budista milenar que representa a impermanência, uma verdade básica da existência humana. Sem a qual, aliás, a vida não existiria. A impermanência traz medo e alento, é um paradoxo. Mas nos move para a frente, estimula nossos intelectos, nos torna mais criativos. E todos sobreviveremos, de uma forma ou de outra – vão se os tijolos, ficam as cabeças, contendo nossas mentes inquietas, afinal de contas.
Também não deixa de ser, de alguma maneira, simbólico que, enquanto encaramos tantas novidades, acompanhamos, preocupados, um dos maiores grupos de comunicação da América do Sul lutando para estancar uma sangria causada, segundo press releases e comunicados, pela “profunda transformação tecnológica que afetou fortemente as empresas de mídia, no Brasil e no mundo, com impacto na circulação de revistas e na receita de publicidade”. A Abril vive o caos, como todos nós, e busca o equilíbrio financeiro, pois quer manter vivas marcas construídas com grande afinco. É inevitável reconhecer, no entanto, que nunca mais será a mesma. Anitya.
PS: Dedico este texto a Claudio Weber Abramo, que faleceu semana passada, jornalista e filósofo defensor da transparência e da democracia, filho de Claudio Abramo, um nome marcante nos meus tempos de universitária, que plantou em mim a preciosa semente do olhar crítico. Abramo foi um crítico ferrenho, viveu intensamente a ditadura, bradava que não havia liberdade de imprensa, e deu a muitos de nós, jornalistas, o ímpeto de comprar sua briga. E não é por ela – a liberdade de imprensa, de expressão, e da transparência – que, tantos anos depois, continuamos lutando?
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