Em 2018, Fabio Fernandes, presidente e diretor-executivo de criação da F/Nazca S&S, vai completar 35 anos de trabalho na publicidade brasileira. Dono de dezenas de Leões, entre eles um Grand Prix inédito de filme para o Brasil, conquistado em Cannes em 2015, ele será o presidente do júri de Film Advertising do D&AD 2017, festival que ocorre de 25 a 28 de abril, em Londres. Nesta entrevista, Fernandes fala sobre as premiações do mercado publicitário e sobre o atual momento da criatividade no Brasil e no mundo. Também opina sobre a realidade das agências no Brasil e afirma que elas estão perdidas diante das pressões do anunciantes e das grandes transformações na mídia.
Você vai presidir o júri de Film Advertising do D&AD 2017, agora em abril. Quais critérios você pretende adotar?
Em um júri como o do D&AD você não define critérios por ser o presidente do júri, né? Não há essa arrogância nem possibilidade de imposição de um formato de avaliação por duas razões principais. Uma porque o júri é formado por gente da melhor qualidade, figuras de relevância indiscutível no meio. A segunda é porque o D&AD por si só tem um histórico de ser altamente exigente, muito seletivo na avaliação e só premia aquilo que é realmente fora da curva, tanto em relação ao que foi feito no ano anterior quanto em relação à história da propaganda em todos os tempos.
O que seria fora da curva?
Para mim, o que deve ser realçado, quando você dá um prêmio, deve ser sempre a capacidade de inovação, de refazer, de fazer a gente repensar sobre a forma de fazer propaganda, seja porque é um approach muito novo e impensável, seja porque é uma ideia jamais pensada e realizada na história.
O D&AD será o primeiro grande festival publicitário internacional depois do Brexit e da vitória do Trump? Que impacto esses fatos podem ter na publicidade?
Eu acrescentaria mais um, que de alguma maneira está interligado com os dois eventos mencionados, que é essa nova ordem do comportamento social. Há uma busca cada vez mais clara e evidente, uma busca declarada, pela aceitação de todas as diferenças, seja de raça, de credo, de sexualidade e outros gêneros. A propaganda, muitas vezes, acho que vem se aproveitando de um jeito oportunista de coisas como essas, que acabam vulgarizando a própria importância desses temas. A eleição do Trump afronta claramente alguns desses valores progressistas, dessa busca progressista, e o Brexit, também, de alguma maneira, é uma resposta dos radicais que querem impedir essa evolução do pensamento mais moderno e mais progressista da sociedade. Eu acho que a gente precisa ter muito cuidado para não se deixar envolver em armadilhas que sejam frutos do nosso pensamento ideológico, em que muitas vezes nós valorizamos apenas por ser uma resposta bem dada a alguém que a gente gostaria que recebesse aquela determinada resposta. A gente pode tender a valorizar demasiadamente uma peça só porque ela teve a coragem ou a ousadia de enfrentar aquele ponto, mas, no final das contas, ela é mais sensacionalista ou oportunistado que necessariamente uma boa peça publicitária.
Você poderia dar exemplos de publicidade que tenha sido oportunista ou sensacionalista?
Não sei se é o caso de dar exemplos. Mas, acho que no cinema, por exemplo, está cheio disso com a exploração de temas que estão na onda e aí as pessoas ficam surfando nessa onda como se bastasse tocar no tema, tocar no assunto. Mas, elas não produzem um filme realmente de qualidade. Como a temática está em voga, sai todo mundo fazendo filmes que falam sobre a questão do negro como se isso fosse suficiente para produzir uma boa peça. O assunto é importante e relevante. É fundamental falar dele, mas começa a virar uma onda como se o tema absolvesse a baixa qualidade da peça.
As competições publicitárias cresceram vertiginosamente com ramificações muito além da ideia publicitária. Como você vê esse crescimento dos festivais?
É sempre uma conta difícil, né? De um lado, um festival que não reflete aquilo para onde o negócio da comunicação caminhou vai ficar anacrônico e obsoleto. Cannes, por exemplo, era só de cinema e televisão. Um dia incluiu Print, mídia que já existia muito antes do cinema e já deveria estar no festival muito antes. É evidente que quando ele aumenta para Print, você compreende aquilo porque é óbvio que mídia impressa faz parte do negócio da propaganda, não é só cinema. Eu compreendo essa ampliação. Já acho de alguma maneira estranha quando muito tempo depois, muito atrasado, ele inaugura a categoria Rádio, que é um negócio que existia antes da própria televisão. Ok, é uma adequação. Ele se amplia para atender todas as plataformas que estão ligadas ao consumidor. Mas, acho que há limites, na minha modesta opinião. Há uns exageros que me espantam um pouco e banalizam os prêmios. Sou de uma época em que ganhar um Leão de bronze em Cannes era muita coisa. As pessoas voltavam felizes com um único Leão de bronze porque você estava competindo em um festival só de cinema e TV. Hoje, se você volta só com cinco ou seis Leões, o cara tem até pena de você.
Qual a importância dos prêmios para a realidade publicitária?
Acho que há agências que dão muito uso para isso, principalmente agências que precisam criar uma percepção nova, quando não são percebidas como uma agência de excelência criativa. Então elas investem muito em prêmios em um determinado período. Acho genuíno. Qualquer empresa tem direito de fazer, mas isso acabou transformando o negócio em uma busca matemática de prêmios, não se importando para o fato de o trabalho ter sido visto, conhecido pelo consumidor, se o trabalho premiado de alguma maneira emocionou as pessoas e se alguém se lembra dele até mesmo dentro da própria agência. É um uso excessivamente comercial com intenção de alavancar negócios.
Quais países na sua opinião apresentam hoje as melhores estratégias criativas na publicidade?
No geral, a propaganda verdadeira e a propaganda de festival são coisas muito diferentes, uma com porção gigantesca e a outra, apenas uma fração. A propaganda, em geral, de qualquer país, basta você ligar a televisão ou abrir a revista, entrar na internet, é muito medíocre. De medíocre para ruim. Acho que os Estados Unidos, por exemplo, que têm a maior quantidade de peças horrorosas produzidas todos os anos, é também um país com a maior quantidade de peças espetaculares todos os anos. Também a Inglaterra, com uma proporção parecida. Acho que o Brasil segue entre os quatro, cinco países que fazem boa propaganda. Claro que não podemos esquecer dos nossos hermanos aqui do lado, na Argentina, que fazem uma propaganda espetacular já há muitos anos. Acho que têm coisas sempre boas da França, Espanha, Dinamarca, Noruega, Austrália…
Se você tivesse de citar até três cases publicitários vistos no último ano, quais você consideraria que têm uma ideia simplesmente genial?
Não digo o case inteiro, mas para o assunto que vou julgar no D&AD, destaco o filme do Channel 4 para as Olimpíadas e Paralimpíadas de 2016. Ele consegue ser ainda muito melhor do que o feito, quatro anos antes, para os Jogos de Londres, em 2012. Acho que é um dos filmes mais emocionantes e mais espetaculares nos sentidos de crafting, de ideia, de exploração de casting, de luz, de fotografia, de edição e de música. É um filme perfeito.
Como você avalia o atual momento da criatividade brasileira?
Acho que o Brasil está sofrendo o fenômeno global e o seu fenômeno particular. Globalmente, o mundo não está vivendo o seu melhor momento em vários sentidos, dos econômicos aos sociais. No Brasil, a gente está sofrendo ainda de uma crise econômica que se mostra como a maior de toda a nossa história. O que acontece com a propaganda com isso? Em uma visão simplista, há uma redução de investimentos, mas, na visão mais profunda e mais importante, o negócio da propaganda se transforma em todos os sentidos para pior. Existe uma busca, que cada vez cresce mais, de uma maioria de clientes, por resultados de curtíssimo prazo, o que empobrece o cenário, a conversa da comunicação com o consumidor. Existe uma busca por agências que entregam coisas que não são o que uma agência de propaganda deveria entregar, sobretudo com falta de inteligência por parte da agência. Perde-se a honestidade profissional, com uma concessão exagerada para alguns desses clientes. A consequência final disso é a comoditização. Quanto mais os clientes encontram agências passivas, que aceitam tudo sem pensar e sem inteligência, mais os clientes estão comprando uma coisa que eles podem comprar em qualquer lugar. Sendo assim, eles acreditam que podem pagar qualquer preço.
O que as agências precisam fazer para reverter isso?
Precisam de hombridade, elegância e honra. Precisam saber que elas estão fazendo um negócio que não é simplesmente de ganhar dinheiro. Você não pode chegar para o seu médico e exigir um determinado diagnóstico e receita de acordo com o seu interesse. Você não pode falar ‘Não, doutor, o senhor não está entendendo. Eu não tenho catarata e não quero usar colírio. Eu tenho seborreia e quero passar um xampu’. Acho que as agências estão fazendo isso em muitos casos. Se o paciente fala que o problema é seborreia e o negócio é xampu, o cara filma seborreia e xampu e bota no ar porque ele não pode perder a conta, não pode ser tido como inflexível por um cliente que está pressionado, que está com estresse, que tem necessidades, objetivos e metas para bater. Então o cenário fica difícil. Eu, pessoalmente, e a F/Nazca acreditamos nisso. Não existe nada como a honestidade profissional pra você poder ter a altivez e a honradez de dizer para o cliente até mesmo que ele não deveria fazer nada e não deveria investir naquele momento, a despeito disto vir a ser um prejuízo para a agência.
As agências, na sua opinião, estariam perdidas diante de tantas pressões?
Sem dúvida nenhuma.
Alguma pista para se reencontrarem?
Acredito que a onda vai virar de novo. Se eu não acreditasse eu não manteria o modelo que a gente tem aqui, que é um modelo que perdemos todas as vezes que a gente encontra um tipo de anunciante que não tem essa visão, que quer uma agência que simplesmente execute aquilo que ele, unicamente, acredita que deve ser feito. O diálogo é fundamental.
A mídia está se transformando de maneira muito rápida e radical. Qual o desafio para as agências?
A agência tem de estar update com tudo que está acontecendo, com todas as possibilidades e oportunidades. Agora muito mais do que antes, com o conhecimento de plataformas de tecnologia. É quase impossível você ser excelente em tudo. Talvez esse seja o erro de algumas agências, que é acreditar que elas têm de ser essa coisa full service absoluta e total.
Como você avalia a interação do consumidor com a publicidade?
Ficou muito pior. O consumidor hoje é muito mais cético do que era no passado. Ele está mais cerebral do que no passado, quando se deixava levar mais por emoção. A propaganda era mais assunto no passado do que ela se transformou atualmente.
Em 2018, você completa 35 anos de carreira publicitária. Qual a grande transformação do mercado neste período?
Acho que a grande transformação, que talvez consiga abranger tudo que a gente está conversando, é a busca pela certeza de estar falando com o máximo de consumidores possível e agradando a esses consumidores com o máximo possível, com ferramentas que são científicas e garantem a rentabilização do dinheiro. Não falo isso como um elogio. Essa é a transformação. É sobre isso que a gente trabalha todos os dias. É disso que a gente tenta fugir ou driblar todos os dias, porque nem sempre na nossa crença, na minha opinião, quando você está conseguindo falar com uma quantidade imensa de pessoas, você está conseguindo despertar sentimentos verdadeiros e profundos nessa quantidade de pessoas.