Da bunda de nenê, da cabeça de juiz e de urna, ninguém pode garantir com antecedência o que vai sair. Essas sábias palavras me foram ditas uma vez por uma raposa mineira, ensinando com a sapiência de velho a estar sempre pronto para as surpresas na política, na Justiça e na pediatria. Depois que as coisas acontecem, é fácil prever o passado. Mas conto nos dedos quem sequer imaginou que a situação política do país pudesse tomar o rumo que tomou. Atualmente tem muita gente tentando explicar o que aconteceu nas últimas eleições. Mas não me lembro de ter lido ou ouvido algum comentarista antever este panorama. Para falar a verdade, nem mesmo entender o que passou está fácil.
As interpretações dos rumos da política brasileira têm sido as mais variadas, muitas vezes revelando um enorme desconhecimento histórico, principalmente quanto à ideia de que estamos vivendo algo inédito na vida nacional. Mas não sou comentarista político, ou melhor, não ganho para isso. Até porque ultimamente brotam da terra especialistas como erva daninha. Diante de seu teclado, todo mundo se sente um analista da mais alta relevância. Brinca-se de dar opinião. Conheço gente que posta mais de dez comentários por dia sobre o que ocorre na política brasileira. Acho até saudável, pior seria a alienação. O debate é sempre bom. Antigamente os aposentados jogavam truco ou faziam tricô. Agora, postam. É infinitamente melhor para a cabeça e para o sentimento de pertencer.
Não quero generalizar, pois tenho aprendido muito com algumas postagens que recebo e muitas vezes me enriqueço com ideias que não tive e mudaram as minhas. Como sempre, em tudo nesta perra vida, há dois lados. As redes nos ajudam a entender o mundo. E também aumentam nossa burrice. E alimentam o ódio. Temos de usar a internet com moderação. Já disse numa coluna anterior acreditar que as pessoas não são necessariamente o que postam, graças a Deus. A julgar pelo que leio, estamos voltando à barbárie com uma única diferença: com celulares nas mãos. A rede parece que funciona como a multidão – serve para permitir que nosso lado mais primitivo se revele. Tal como nas arenas de Roma, protegidos pela presença de iguais, colocamos os polegares para baixo, incentivando a degola de outro ser humano sem o menor pudor nem arrependimento.
O coletivo perdoa nossa estupidez. Além disso, escrever algo compreensível é difícil. Colocar em palavras algo a ser entendido, ponderar, expor raciocínio, é para poucos. Daí o uso de imagens ou expressões preestabelecidas. Desculpem, digressiono. Não era sobre isso que queria falar. Então voltemos ao assunto da quase impossível tarefa de saber interpretar a chamada “voz rouca das ruas”. Sobre isso, há uma história exemplar. Havia no rádio um humorista chamado Silvino Neto (pai de Paulo Silvino), um verdadeiro gênio da comédia. Seu personagem mais famoso era o Pimpinella Escarlate, um anti-herói trapalhão, um James Bond caboclo, irônico e malandro.
Pois bem, numa das eleições para a Assembleia Legislativa do antigo Distrito Federal, a chamada “Gaiola de Ouro”, Silvino resolveu fazer uma candidatura só por ironia, para esculhambar o pleito. E se transformou no candidato que falava a verdade.Sua plataforma era “eu quero me arrumar”. Só de sacanagem, oficializou a candidatura e passou a pedir votos oferecendo apenas a mais absoluta sinceridade: seu propósito de ganhar dinheiro e mordomias sem fazer absolutamente nada pelo povo. Parodiando Rui Barbosa, ele dizia “diante de tantas nulidades…”, mas – ao contrário do “Águia de Haia” – ele concluía: “quero participar desta mamata”. Simplesmente foi o candidato mais votado.
Não sei se arrependido, não sei qual santo baixou nele, mas fez um mandato espetacular. Trabalhou feito um louco, representou os legítimos interesses do povo, fez e aconteceu como um parlamentar atuante, íntegro, corajoso. E, acometido de verdadeira sanha cívica, candidatou-se à reeleição, após quatro anos de heroica defesa dos interesses da sociedade. Como era de se esperar, foi derrotado. Pimpinella Escarlate, como deputado honesto, tinha perdido a graça. Não sei bem o que isto significa ou qual a lição que podemos tomar. Mas quem sabe interpretar esta história, começa a entender de marketing eleitoral.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)