Faz alguns anos que deixei de consumir regularmente o milk-shake de Ovomaltine do Bob’s, uma experiência incomparável de sabor e verdadeira mania na adolescência. Quem provou, sabe do que estou falando. Por isso o baita susto ao ler a notícia de que ele estava se “transferindo” para o concorrente McDonald’s. A novidade soou quase como se o Whopper passasse a ser vendido no McDonald’s, ou se a famosa cebola do Outback tivesse feito as malas e estivesse se mudando para o cardápio do Braseiro da Gávea. É inexplicável a ligação que desenvolvemos com alguns produtos e marcas, especialmente nós, criaturas de hábitos.

Uma fidelidade além da razão. O milk-shake de ovomaltine do Bob’s é uma dessas “marcas de amor” descritas em livros de marketing como o do Kevin Roberts, o polêmico ex-chairman da S&S. Pus-me a investigar sobre que forças teriam provocado uma mudança tão sem sentido (para mim) – e acompanhei com curiosidade a “onda” de protestos de fãs do produto originalmente criado e lançado pelo Bob’s em 1959. Memes, anúncios de oportunidade de outras marcas, foi uma festa que provou a força de um case único de cobranding. No mundo.

João Branco, diretor de marketing do McDonald’s, disse que não houve “roubo”, conforme insinuei, passional, claro, e sim oportunidade de mercado. Ele garante que muitos clientes do McDonald’s pediram o produto e a decisão foi fruto do famoso “atendendo a pedidos”. Marcello Farrel, diretor- -geral da marca Bob’s, explicou que não fazia mais sentido investir na exclusividade de utilização da marca, até porque o custo teria de ser repassado ao consumidor. Silvia Amaral, diretora de marketing para a centenária marca Ovomaltine – certamente a maior beneficiária na “disputa” – reconheceu que a parceria da marca na categoria milk-shake é única no mundo, negou a existência de uma “guerra” (mais uma vez foi minha a insinuação catastrófica) e justificou a mudança com naturalidade, dizendo que o contrato de licença de uso da marca expirou, optou-se pela não renovação e agora os direitos estão nas mãos do McDonald’s. Simples assim.

Diante de tanta naturalidade das três partes, só me resta acreditar que nada é tão simples como se diz. Ainda que afirmem polidamente – ou polianamente – que há espaço para todo mundo, todos brigarão por seu espaço. O Bob’s já tratou de defender seu pedaço. Sua agência, a NBS, criou a #milkfake, referindo-se ao produto concorrente, e vem divulgando aos quatro ventos que o crocante continua com a mesma receita e quantidade de Ovomaltine de sempre. Tem a seu lado consumidores apaixonados, o que é uma vantagem competitiva. E não se pode subestimar o poder dos Arcos Dourados: um filme da DPZ&T já anunciou no intervalo do Fantástico a novidade como “o novo clássico do McDonald’s”. Essa é a magia do mundo das marcas.

Com ou sem o cobranding, é possível que o milk-shake do Bob’s sobreviva muito bem, obrigado. Porque clássico, nesse caso, tornou-se o produto – e não seu nome ou a marca que o acompanhou todos estes anos. Se assim for, seu vigor transcenderá a marca, preservando seu lugar no coração das pessoas seja sob o novo nome Crocante – ou qualquer outro que o Bob’s imaginar. E desconfio que, nas lojas do Bob’s, as pessoas continuarão pedindo, sempre, pelo milk-shake de Ovomaltine, e os funcionários continuarão servindo, com um sorriso no canto da boca.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK