Na abertura desta série sobre o digital, dedicarei este primeiro artigo à sombra da desconfiança que paira sobre esta mídia, que tem se expandido, mas enfrenta uma espécie de “crise de crescimento”, devido a uma série de fatores, que serão objeto de análise mais minuciosa nas próximas semanas.
O primeiro ponto sobre o qual temos de refletir com maior atenção, para não embarcar de forma irrefletida nessa tendência que está desestruturando alguns dos fundamentos do mercado publicitário, é a confusão entre uso do meio digital, sua utilização publicitária e seu impacto sobre os consumidores.
Que o digital mudou o mundo todo e inúmeras de suas práticas e hábitos, ninguém tem dúvida, nem é preciso discutir. Mas existe um enorme descompasso da velocidade entre o digital como instrumento de comunicação pessoal e empresarial e como mídia publicitária, pois nem mesmo um formato padrão de sucesso foi alcançado, uma vez que, em termos de mídia para construção de marcas e até a geração de negócios, esse meio ainda está vivendo uma etapa inicial de exploração de caminhos.
No campo do searching, o digital é vencedor e ninguém dúvida de sua eficiência, apesar de ainda haver espaço enorme para melhorias. Mas no campo da construção de marcas, que fez o sucesso da chamada mídia de massa, o digital está longe de apresentar a eficácia que seus vendedores [da mídia digital] alardeiam e os seus compradores esperam. E a geração ativa de negócios é igualmente muito duvidosa. Os formatos do digital apresentam alguns sucessos, mas muitas falhas, dúvidas e apostas. Além do searching, em evolução, há inúmeras incertezas sobre o display, o vídeo, o native, a mídia programática e até o mobile – que explode em utilização, mas está bem longe de ser uma mídia publicitária efetiva.
Abrangendo todos esses aspectos, há uma enorme desconfiança sobre a real audiência das mensagens publicitárias no digital. Uma empresa constituída por professores da Universidade de Oxford, a Oxford Bio Chronometrics, fez um interessante estudo baseado na compra de espaço junto aos quatro maiores websites do mundo: Google, Facebook, Yahoo! e Linkedin. Os resultados indicaram que apenas entre 2% (Google) e 12% (Linkedin) dos cliques foi de serem humanos. Todo o restante foi constituído por diversas formas de bots.
O problema do digital começa com as pesquisas de audiência e hábitos de consumo sobre o meio. Basicamente, faltam critérios sólidos de mensuração e também auditoria independente. Se comparado com o que se faz sobre a televisão, por exemplo, enquanto o sistema de mensuração e conhecimento da audiência da TV vem sendo desenvolvido há décadas – pelas agências, clientes, a própria televisão e muitas empresas especializadas -, o que se usa para o digital está longe de ser um consenso entre os players do mercado, além de as pesquisas serem feitas de forma não-independente em quase todos os casos e de utilizar dados baseados em heavy users digitais e não sobre um painel que represente o conjunto da população e dos consumidores.
Outro ponto central do problema com o digital é o conceito de visibilidade, sobre o qual também se está bem longe de um critério consensado. Ligado a essa questão está o fantasma do ad block, um aspecto igualmente perturbador. Sobre a metodologia de contabilização de cliques, também se pode discorrer bastante, pois os níveis de desconfiança sobre sua confiabilidade são bem elevados.
Como consequência de tudo isso e de um modelo que se colocou como uma mídia que – ao contrário das demais – seria remunerada apenas a partir de seus resultados efetivos, desenvolveu-se um enorme sistema de fraudes, que se calcula estar entre dois terços e três quartos do que se veicula no digital. Como se nota, não faltarão temas bem intrigantes para serem abordados nas próximas colunas.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda