O livro Como as marcas crescem, de Byron Sharp e seus colegas no principal centro mundial de pesquisa aplicada sobre marketing, que teve sua edição brasileira recentemente lançada pela Rede Globo, destaca o fato de que as marcas de consumo líderes em termos globais e dos mercados mais maduros e competitivos só atingem essa posição e a mantém quando anunciam de forma constante nas mídias de massa, em especial a TV. Essa constatação, feita por pesquisa empírica (baseada na realidade dos mercados) realizada de forma sistemática por algumas décadas, também tem sido defendida pelos estudiosos britânicos Les Binet e Peter Field, com base na principal premiação de casos de sucesso de publicidade do mundo, o IPA Effectiveness Awards.
Isso ocorre com todas as grandes marcas de consumo líderes e a prática de investir pesado na TV nos últimos anos ganhou um reforço inusitado: os principais empreendimentos e marcas do universo digital têm obtido sucesso utilizando de forma constante a publicidade na televisão, a ponto de estarem hoje entre os principais investidores nesse meio.
Os serviços de conteúdo via streaming também têm empregado com ênfase a TV para promover suas assinaturas. Tanto que não surpreendeu muito o fato de o Netflix usar o SBT para lançar com impacto a nova temporada de Stranger Things. No dia 28 de outubro passado, após o final do Teleton, entrou em rede nacional um programa de uma hora sobre a segunda temporada dessa série. A audiência alcançada foi de 7 milhões de espectadores, provavelmente superior ao número de assinantes do Netflix no Brasil (os últimos dados divulgados, no fim de 2016, foi de haver 6 milhões deles em nosso país).
O que o Netflix e outras novas e vitoriosas marcas da nova onda digital estão buscando na TV é exatamente o mesmo objetivo que as grandes marcas tradicionais de consumo, criadas nos séculos 19 e 20, buscaram nos últimos 70 anos: usar a mídia mais poderosa e confiável na geração de conhecimento, construção da fama e da intimidade com muitos milhões de consumidores que, no final do processo, vão comprar e utilizar mais esses produtos e serviços – em muitos casos por um preço premium, superior.
O mais irônico dessa situação é que algumas dessas novas marcas do mundo digital basicamente vivem de publicidade e fazem constantes discursos e enormes esforços para minimizar o papel e a força da TV no presente do universo publicitário. Mais estranha ainda é a recusa em serem tratadas pelo que são, pelo menos em parte: empresas de mídia – da mesma forma que são a TV e outras organizações do gênero.
As razões dessa luta contra a verdade dos fatos se deve a diversos fatores, não justificáveis, que têm sido objeto de disputa com governos (pela evasão de impostos e elisão de controle); com as empresas de mídia tradicionais (pela competição unfair e a falta de seguir os mesmos princípios deontológicos); bem como o chamado mercado anunciante, composto pelas próprias empresas anunciantes e suas agências (pela falta de transparência e a divulgação não-confiável de dados, numéricos e de perfil, de sua audiência).
A falta de confiança nos números exagerados, ocultos e fantasiosos do meio digital fica ainda mais exacerbada quando se compara com a mídia TV, que tem sido a que comprova da forma mais robusta e precisa sua grande audiência. A TV, assim como os demais meios tradicionais, resolveu há décadas o dilema do poeta Juvenal, que vivia perguntando, na Roma antiga, “Quis custodiet ipsos custodes?”. Ou seja, “Quem fiscaliza os fiscalizadores?” No caso das empresas de mídia, são sempre terceiras partes confiáveis, das leis e governos a auditorias independentes, que garantem os melhores padrões de governança.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)