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Há quase dois anos, o Brasil abandonou o respeito à forma na comunicação oficial. E vive entregue a uma absurda improvisação. As idas diárias do presidente ao cercadinho que abriga exemplares exóticos da população, seus apoiadores, para intercambiar com eles simploriedades desprovidas de senso de realidade são um retato da sua falta de capacitação para uma liderança respeitável. Bolsonaro não é um idealista, pois um idealista consegue realizar na mente a completude de uma ideia e, assim, organizar o pensamento e expressá-lo no escopo de uma certa lógica. O presidente do Brasil está livre dessa obrigação. Por sua baixa capacidade intelectual e por sua escandalosa pobreza cultural, não deve, portanto, explicações a ninguém. Ou melhor, basta que mantenha o diapasão afinado com o que haja de mais ignóbil no imaginário popular para se fazer compreendido e alcançar uma ainda suficiente adesão.

A democracia, por essência, carrega essa vulnerabilidade e potencialmente vive um risco perene de autoextinguir-se. Conscientes disso, as civilizações contemporâneas tratam de observar certos limites no acesso a seu manejo, cientes da fragilidade que carrega o mais perfeito sistema sociopolítico já desenvolvido. Nos anos 1980, na Áustria, uma figura bizonha atreveu-se a ingressar na política, empunhando bandeira de triste lembrança. Populista intuitivo, agitou as massas, conquistando índices de intenção de voto que poderiam levá-lo ao poder. O que lhe foi negado à força da lei e do bom senso. Houve certo tumulto de parte de alguma militância, mas logo a sociedade retomou a ordem e a proteção da democracia. No Brasil, por um infeliz acidente (e também por falta de história), um indivíduo absolutamente despreparado alcançou o cargo de principal mandatário do país. Fato consumado, o respeito à decisão eleitoral da maioria prevaleceu.

Diante da fatalidade, cada qual tratou de ver que proveito poderia ser tirado de tamanha bizarria. A fragilidade intelectual do escolhido pelo voto era uma vantagem para a manipulação interesseira, mas, ao mesmo tempo, o destempero emocional revelado por evidente psicopatia acabou retirando qualquer garantia de que o acordado sobreviveria à primeira crise. Assim, Bolsonaro acabou desapontando a todos a quem parecia que serviria à medida, fossem aqueles que viam no combate à corrupção um alvo a não se perder de vista, fossem aqueles que apostavam no estabelecimento de um liberalismo econômico de muito agrado ao capital. O Brasil de hoje é o retrato da mente de seu presidente. Caótico, sem rumo, adoecido e correndo sério risco de morte. Tamanho é o pandemônio instalado que, à exceção do dinheiro estrangeiro que saiu voando, todo o resto permanece mais ou menos imobilizado pelo estarrecimento.

O quadro é desencorajador para uma interferência mais bruta do ponto de vista institucional, ainda que solicitada, surpreendemente por alas politicamente opostas, em razão do tamanho do descalabro, a ponto de não sabermos como lidar com ele. Não por acaso, oposição e moderados olham parvos o que ocorre. Aliados do governo, por sua vez, se esforçam na tentativa de nos fazer ver outra a realidade. Impossível, ela é repleta de narrativas horrendas, diariamente alimentadas nas vociferações desequilibradas de seu líder. No cenário absurdo, alguns atores mais maduros e centrados se equilibram entre a proteção do sistema e o risco de negligenciar no devido tratamento ao tumor que compromete o mesmo sistema. O Brasil parece viver o seu nó górdio, atado perversamente por um sádico instalado em outro país que identificou numa família de lunáticos a oportunidade de se divertir com a desgraça do país que o rejeitou.