Um processo administrativo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) contra o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) para investigar “supostas condutas anticompetitivas”, que existe desde 2005, trouxe nova preocupação ao mercado publicitário. O fato novo foi a divulgação de uma carta da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) em resposta a um ofício do Cade, que invariavelmente questiona os envolvidos para dar suporte a sua investigação. O que preocupa o mercado é a posição contrária declarada pela ABA em relação às normas-padrão, da qual fazem parte o ‘desconto-padrão’, comissão paga pelos veículos de comunicação às agências pela veiculação de mídia, que não pode ser inferior a 20% sobre o valor do negócio.
A ABA afirma que já pediu ao Cenp processo de revisão das referidas normas-padrão “com vistas à readequação sistemática de suas regras para que estejam em consonância com os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência”. Mas o que o mercado considera mais grave, segundo a opinião de algumas fontes ouvidas pelo propmark, é que a entidade solicita, ainda, que, até o final do processo de revisão, a vigência das normas-padrão seja suspensa.
Uma fonte ligada ao Cenp afirma que o fato é negativo e “o Cade sempre é uma preocupação para qualquer um, pois uma interpretação deles pode criar enorme transtorno”. No entanto, a mesma fonte afirma ter segurança de que o Cenp vai conseguir convencer as autoridades de que não há nada anticompetitivo na autorregulamentação do mercado publicitário – o modelo de trabalho e de remuneração da publicidade brasileira é único no mundo.
“Esse é um processo que se arrasta há bastante tempo, nós estamos agora numa onda. Esperemos que isso acabe logo. Não vejo nada de anticompetitivo nesse negócio”, falou a fonte.
Outra crítica feita pela ABA na carta é com relação ao conceito de compliance que passou a nortear as vistorias das relações comerciais entre anunciantes e agências realizadas pelo Cenp. Outra fonte ligada ao processo acredita que uma das motivações para a ABA ter tomado uma postura tão radical é o fato de os anunciantes estarem recebendo cartas de non compliance e, em conjunto com suas respectivas agências, tornarem-se sujeitos a processos éticos no contexto do Cenp para adequarem os seus contratos aos percentuais de desconto e formalidades que são recomendados pelas normas-padrão.
A fonte demonstra preocupação: “como funcionaria o mercado publicitário se as normas-padrão fossem suspensas? Que tipo de procedimento vai prevalecer? Vai virar uma terra de ninguém? Qual seria o critério, qual seria o referencial de qualidade?”.
A mesma fonte destaca ainda que a postura radical da ABA de pedir a suspensão das normas-padrão do Cenp, que regem a autorregulamentação do mercado publicitário, pode ser um tiro no pé dos próprios anunciantes. “Com a suspensão das comissões, os serviços de criação da agência vão encarecer e o custo final pode chegar ao consumidor. Seria um efeito ruína”.
Postura unilateral
A postura unilateral da ABA foi além da carta enviada ao Cade. A entidade formou um grupo de trabalho interno chamado de “GT de Revisão das Normas/Padrão no Cenp” para representá-la no processo. De acordo com um relatório de nomes obtido pelo propmark, fazem parte desse grupo representantes da Ambev, J&J, L’oréal, P&G e Unilever, que são “titulares”, além de suplentes listados como executivos da Coca-Cola, GM, Grupo Pão de Açúcar, Mastercard, Nestlé, O Boticário e Petrobras. Vale lembrar que o Cenp foi fundado pelo tripé de agências (Abap), veículos e anunciantes, em 1998, para assegurar as boas práticas comerciais do mercado publicitário, sendo que a criação das normas-padrão foi feita em comum acordo entre as partes.
“A visão da ABA é voltada para o perfil de grandes anunciantes, mas como ficariam os anunciantes pequenos dos mercados regionais se as normas forem suspensas? Vão ficar sem critério e referência de qualidade”, disse uma outra fonte ouvida pelo propmark.
Sob o nº 08012.008602/2005-09, o processo administrativo no Cade investiga os seguintes itens: fixação de porcentagem uniforme de comissão de veiculação, que não pode ser inferior a 20%; fixação de limites para o repasse de parte do desconto-padrão aos anunciantes, com máximo de 5% do investimento bruto conforme o valor contratado; incentivo aos sindicatos locais para adotar tabelas de custeio; orientação para que os veículos de comunicação não pagassem ou pagassem apenas uma fração do desconto-padrão a agências não certificadas (norma revogada em 2012); orientação para que só fossem aceitas em licitações públicas agências certificadas; imposição de que agências de publicidade comprem de pesquisa de mídia; tentativa de impedir a expansão dos bureaux de mídia.
Procurado pela reportagem do propmark, o Cade informou “que não se manifesta sobre casos em instrução e não há prazo legal para a conclusão do processo”. Na prática, o Cade, por ser uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça e responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial, tem, sim, poderes para suspender ou solicitar a adequação das normas-padrão do Cenp se ficar provado que, do ponto de vista concorrencial, elas seriam ilegais.
A carta
Na carta, a ABA afirma que “entende que o desconto-padrão surgiu em um momento peculiar do país, de forte desregulamentação e muita insegurança. No entanto, o cenário foi gradativamente se alterando. Hoje, há um firme contexto de proliferação de mídias digitais e eletrônicas, de diminuição de participação da TV aberta, de maior democratização da atividade publicitária, de grandes grupos, todos muito mais bem preparados para discutir e negociar os seus contratos, com grande liberdade, qualidade e competitividade”.
Dessa forma, continua o texto, “o desconto-padrão, bem como outras regras das normas-padrão atinentes às relações comerciais entre agência, veículo e anunciante, deixará de ser necessário”.
A ABA fala que “apoia iniciativas de autorregulamentação, sendo fundadora do Cenp. Porém, especificamente com relação ao desconto-padrão e a outras regras das normas-padrão atinentes às relações comerciais entre agência, veículo e anunciante, entende que se trata de um instrumento hoje fora de qualquer contexto político e econômico, sem função” (veja a carta na íntegra e os documentos do processo do Cade no link http://bit.ly/1kakHaV).
A fonte ligada ao Cenp critica a postura da ABA. “Temos nosso fórum de discussão, que é aqui e da qual a ABA faz parte”, disse. O Cenp já está com um grupo de trabalho que presta assessoria ao Conselho Executivo, envolvendo a participação de representantes das três pontas do mercado publicitário – anunciantes, veículos e agências –, para propor e estudar as oportunidades de atualização das normas-padrão.
O propmark também procurou a ABA, Abap e o Cenp, mas nenhuma das entidades se pronunciou.
*Colaborou Marcello Queiroz