Então vocês querem saber o que me inspira. O que me inspira a criar, a trabalhar, a viver, é isso? Gente, isso podia ter vindo num dia mais inspirado, né? Enfim, vamos lá.
Ler sobre propaganda não me inspira. Profetas do marketing não me inspiram. Fichas técnicas, não mais. Propaganda besta, metida a importante, nem um pouco. Já roteiro bão, filme bão, texto bão, primeiro me dão uma invejinha lascada, depois me inspiram a fazer melhor.
Manifestos inspiradores não me inspiram – só dão preguiça.
Uma taça de um bom vinho me inspira. Goiabada com requeijão me inspira.
Os colegas se zoando na agência, coisa besta, mas que deixa o dia a dia tão mais gostoso, me inspiram, mas eu só percebo isso quando paro de rir. Estar hoje trabalhando numa agência legal, com gente legal, job legal, é inspiração que se alimenta de inspiração e se devolve com inspiração.
As mulheres bonitas da agência me inspiram, embora eu tenha a impressão de que já não inspiro muita coisa nelas, não (preciso me lembrar de esconder esse texto da Beatriz, ou ela vai me mandar ter inspiração no sofá da sala).
Duas taças de um bom vinho me inspiram.
Ouvir Mozart, Satie, Ella, Billie, Baden, Tom e Cartola me inspira. O quadro do Zaragoza que tem logo na entrada da Talent me inspira.
Cliente que reprova coisa boa em troca de mesmices me expira. Bom é quando o cliente sente frio na barriga, ri de nervoso, arrisca, sabendo que está colocando o (impublicável) na reta.
A Voz do Brasil não me inspira – aliás, quando um inspirado deputado ou senador vai dar fim nisso?
Três taças de um bom vinho me inspiram.
Os grandes amigos que fiz nas agências, em especial os do peito da Almap (não vou ficar enfileirando nomes, eles sabem quem são), me inspiram – ma muito.
Lembrar do Petit me inspira.
Viajar, conhecer lugares e gente nova me inspira, me alarga, me renova. Lembrar das noitadas debaixo das estrelas em São José me inspira.
Quatro taças de um bom vinho me inspiram.
São Paulo me inspira. Sair de São Paulo e ir para a praia, para o mato, para o silêncio, para dentro de mim, depois voltar para São Paulo.
Pensar no que o Marcellão ou o que o Robertinho ou o Valdir fariam me inspira.
Ler, reler e ler de novo me inspira. Ultimamente, muito mais poesia do que relatórios.
Essa razoável quantidade de cabelos brancos me suspira. Essa barriguitcha já me inspira pena. Andar me inspira à beça. Prestar atenção nas grandes desimportâncias. Escrever as crônicas de terça me inspira.
Aquele Leão já meio desbotado e guardado no armário já não me inspira muito.
Um almoço com a Confraria no Martín Fierro me inspira. Aliás, boa comida é coisa que me inspira por demais. Mas sem pressa, que pressa é um troço muito desinspirador. Passarinho me inspira, mas não vou dizer isso que vão me acusar de pieguice.
Me inspira ignorar a gramática de vez em quando e escrever errado, como começar frase com “me”.
Arrogância e prepotência só me inspiram pena. Gente que grita e tem faniquito me inspira a sair de fininho e ir ao cinema.
Um desenho do Lollo me inspira. Como são muitos por dia, me alegram e me empurram pra frente, que inspiração é troço contagioso.
Cinco taças de um bom vinho mi inzpiram.
Beatriz me inspira há 25 anos, Maria há 16 e Pedro há 14.
Não sei se essa lista é o que vocês estavam esperando ou se vai inspirar alguma coisa. Desculpem não trazer novos caminhos para o marketing ou decretar a morte da revista ou de outro meio. É que eu não faço mesmo a menor ideia dessas coisas. E, francamente, não acho que o pessimismo seja inspirador.
Muito bom, muito bem. Mas e agora? Peço ou não a sexta taça?
Cássio Zanatta é redator da Talent Marcel. Também é cronista e escreve quinzenalmente na revista virtual RUBEM