Uma amiga que está de férias outro dia brincou comigo ao sair de uma aula de ioga às 4 da tarde: “Fiz ioga de vagabundo, sala lotada. Tem muito vagabundo no mundo”. Por trás da brincadeira há uma clássica executiva, publicitária, que viveu nos últimos 30 anos muito stress e horários engessados, e para quem qualquer pessoa que não trabalhe (e muito) em horários tradicionais é, em princípio, vagabundo. Frequentando bancos de uma universidade, hoje ela planeja mudar de área e viver uma vida mais leve.
O que ela quer, essencialmente, é deixar para trás um estilo de vida no qual não encontra mais sentido. Bem no fundo, inveja os “vagabundos da ioga”, muitos certamente profissionais com carreiras perfeitamente normais, porém com um valor para ela raro e único: a liberdade.
No mesmo dia, um pouco mais cedo, havia trocado mensagens sobre esse tema com uma ex-colega de trabalho que decidiu abandonar as redações por um novo jeito de trabalhar. Fico fascinada com as pessoas que, como ela, vêm pedindo demissão e fazendo escolhas no lugar de deixar que o mundo escolha por elas. A desconstrução está por toda parte, flertando com novos valores e possibilidades.
“A resposta está na vida simples, livre e leve. Não quero ficar rica”, disse ela, que não tem nem 30 anos, é casada, paga as próprias contas desde os 18 e chegou à conclusão de que uma “carreira” não precisa mais ser linear, construída tijolinho a tijolinho. A linearidade de ser estagiária, depois repórter, editora e, por fim, editora-chefe vem caindo por terra como um castelo de cartas ao sabor do vento. Diante deste cenário, muitas empresas andam repensando os próprios propósitos no mundo para oferecer algo que faça sentido (sempre ele) para os seus funcionários desencantados.
E como a sincronicidade existe, no fim daquela tarde chegou às minhas mãos a pesquisa Purpose at work, estudo global realizado pela primeira vez pelo LinkedIn, segundo o qual 37% das pessoas cadastradas na rede social hoje guiam suas escolhas profissionais por propósito (sentido) e não mais dinheiro ou status. Parece um percentual baixo, mas revela movimento e mudança. Os focados em propósito são mais felizes no trabalho.
Nos países nórdicos, o percentual de pessoas com novos valores chega a 53%, caso da Suécia. Aqui é de 29%. Não por acaso, os países líderes nesses novos valores no estudo são os mesmos que lideram nos chamados “valores pós-materiais” a matriz do “World Value Survey” realizado pelo sociólogo americano Ronald Inglehart.
Segundo ele, o desenvolvimento econômico leva a mudanças culturais que tornam autonomia individual, ênfase em bem-estar, defesa da igualdade de gêneros e diversos outros valores – como os que abordei aqui, ligados a ter um propósito no trabalho – não só mais possíveis como prováveis. Inglehart desenvolveu nos anos 1970 a teoria do pós-materialismo segundo a qual a modernização é um processo de evolução em direção a valores humanísticos.
Depende de desenvolvimento, de educação, de igualdade social. Portanto, poderemos chegar lá um dia, a partir de uma espécie de processo de “modernização” em que valores mais humanísticos se fortalecerão e multiplicarão depois que as nossas necessidades mais básicas e primárias (de ordem mais material) forem plenamente supridas. Embora eu deva reconhecer que não anda nada fácil sonhar com esse futuro.