Ando fugindo de lives como o diabo da cruz, sobretudo daquelas de publicitários em entrevistas de cunho autoapologético. É curioso o efeito dessa epidemia, mundialmente paralisante, sobre o ego de algumas pessoas. Parece que potencializa a angústia com a possibilidade de desaparecerem. Não no sentido de morrerem, mas de deixarem de ser percebidas por conta de uma reviravolta nos interesses dos outros. Mas, enfim, cada um sabe onde lhe aperta o calo.

Na fuga a que me referi no início, encontrei, por puro acaso, um vídeo que me fez dar gargalhadas como há um bom tempo não dava. Não, não foi nenhum humorista, nenhum “influencer”, nenhum imitador, nada de que eu tivesse qualquer indicação ou referência.

Aliás, se eu fosse dar algum pitaco aos criativos, hoje, diria: deem uma oportunidade ao acaso, parem de procurar pelo específico, abandonem as referências, percam o rumo, desfoquem, não saibam o que querem…

O tal vídeo tem duas características que me prenderam imediatamente: a simplicidade e a naturalidade. Atenção: não confundir simplicidade e naturalidade com a breguice tosca das “obras” bolsonaristas. Estou falando de beleza, no mais humano dos sentidos.

Resumindo: uma filha, ao saber que a mãe começou a demonstrar sinais de Alzheimer, teve a ideia de “provocá-la”, como estímulo à sua atividade cerebral. E passou a gravar vídeos curtos com o celular, em sua casa, no interior da Bahia, improvisando falas com as mais deslavadas mentiras sobre suas posses. A mãe, que a tudo assiste, é solicitada pela filha a confirmar o que é dito e tem reações hilárias. Assisti a dezenas deles, sem cansar e sempre rindo muito. Impressiona como a “fórmula”, tão básica, resista há tanto tempo e os episódios consigam surpreender. Numa palavra, eu diria que é viciante. Inclusive, porque faz um contraponto saudável à avalanche de iniciativas “elaboradas para o sucesso” que polui as redes sociais. O que me leva à refletir sobre o conceito que está na moda: o “novo normal”. Não será o “novo normal”, simplesmente um retorno ao normal?

Ou seja, o fim da anormalidade equivocadamente entendida como normal? Não me refiro ao simplismo de questionarmos se vamos trabalhar em casa ou num escritório, por exemplo. Algumas formas de viver provavelmente vão mudar.

Mas quero tratar de conteúdo, do resgate da independência
intelectual, da liberdade dos sentimentos, do direito à emoção com a mais completa diversidade. Eu vejo uma grande oportunidade para “descatalogarmo-nos”, de “não ter que nada”, mas de se sentir à vontade para “poder tudo”.

Talvez, resida nesse “novo” normal apenas o retorno à lógica da busca da originalidade, isto é, do verdadeiro processo criativo. Sim, aquele que brilha num raciocínio “ao contrário”. Aplicado a uma nova realidade, fatalmente vai gerar resultados inéditos.

Não foi a pandemia quem nos paralisou, já vínhamos criativamente paralisados há bastante tempo, atados por um processo inibidor da espontaneidade. É hora, portanto, de aproveitar que as cordas afrouxaram e nos soltarmos de uma vez.