O modelo de gestão de copresidência não é uma novidade no mercado, acostumado a parcerias duradouras como a de Marcello Serpa e José Luiz Madeira, na AlmapBBDO – ambos citados como referência de liderança compartilhada por quase todos os entrevistados para esta reportagem. Mesmo em cargos mais iniciais, a visão colaborativa sempre se fez presente em um setor acostumado com a estrutura de dupla de redator e diretor de arte na criação há várias décadas.

Mas o movimento de copresidências tem se intensificado nos últimos anos. Em outubro, com espaço de 15 dias, duas das mais importantes agências do Brasil adotaram essa estrutura de liderança. Na Publicis Brasil, após a saída de Hugo Rodrigues para a WMcCann no fim de outubro, a solução foi promover o head de planejamento Eduardo Lorenzi e a head de mídia Miriam Shirley a co-CEOs. Alguns dias antes, a Grey oficializou Marcia Esteves, COO, e Rodrigo Jatene, CCO, como copresidentes da operação brasileira. Eles já ocupavam o posto na prática desde a saída do ex-CEO Sérgio Prandini, no fim de 2016, mas de lá para cá, era ventilada a possibilidade de contratação de um novo chefe executivo. Opção preterida em relação ao modelo de liderança compartilhada.

Uma série de fatores diferentes tem levado agências a optarem por esse caminho e cada uma tem suas razões circunstanciais. A copresidência não é necessariamente uma tendência que vai ser dominante no mercado. Mas é fato que ela surge de maneira mais natural como opção em uma era muito mais colaborativa que no passado. “Por ser um reflexo imediato das transformações da sociedade, a indústria da comunicação sempre precisou ter flexibilidade e se adaptar a novos formatos com muita agilidade. Isso faz com que as agências sejam abertas a testar modelos de gestão que fogem da pirâmide tradicional. A copresidência permite somar competências, dividir tarefas, multiplicar as possibilidades de solução e, ao mesmo tempo, ameniza a pressão sobre um único líder”, reconhece Eduardo Lorenzi, da Publicis. “Os desafios não mudam, independentemente de termos um ou dois líderes. O modelo de copresidência apresenta uma série de vantagens para a gestão de uma agência. No nosso caso específico, existe uma complementaridade de skills e de trajetórias que traz consistência para a linha de frente da Publicis. Além disso, a ponderação entre as visões feminina e masculina tende a ser muito enriquecedora, especialmente se considerarmos o atual cenário que a indústria da comunicação vive”, argumenta Miriam Shirley.

A questão de equilíbrio de gêneros foi considerada nos casos recentes de Publicis. “Ter uma mulher como copresidente é uma mensagem muito importante para o mercado e reflete a nossa filosofia. Mais de 50% dos colaboradores da Publicis são mulheres e nos cargos de liderança este número chega a 60%. Agora esse equilíbrio se reflete também na mais alta liderança”, argumenta Lorenzi.

Fim dos “rain makers”

Um grupo de pessoas unidas por um propósito, gerando negócios, contando histórias entendendo e engajando pessoas vai se sobrepor ao modelo de “rain maker”, ou “uma pessoa que faz chover” no mercado. Pelo menos é essa a análise de Rodrigo Jatene, da Grey. “O mercado de comunicação mudou. Vivemos em um mundo cada vez mais conectado e colaborativo. Com a comunicação não é diferente e esse movimento pode chegar na gestão dos negócios, facilitando a identificação de possibilidades e aumentamos as chances de acerto”, avalia.

No caso da parceria entre Jatene e Marcia Esteves, eles ficaram por quase um ano no cargo de forma “extraoficial”, período no qual um dos grandes desafios do modelo foi se resolvendo: quem faz o quê. “Acreditamos na complementação de perfis, experiências e expertises para ter um olhar cuidadoso e experiente em todas as partes da agência. Juntamos as experiências minhas para auxiliar nas diretrizes criativas, com as da Marcia com a gestão de negócios e ponte com o cliente. Somos complementares: negócios e criatividade liderando juntos o trabalho da agência. Trabalhamos há muito tempo juntos, crescemos e nos conhecemos desde adolescentes. Coincidências ou não, crenças e visões são as mesmas”, analisa Jatene.

Na prática do dia a dia, Marcia Esteves é representante institucional da Grey, incluindo assuntos corporativos que envolvam o negócio, além da liderança direta das áreas de operação, planejamento, mídia e atendimento; Jatene é o representante Institucional criativo, incluindo assuntos relacionados a inovação, criatividade e tendências do mercado, além da liderança direta das áreas de criação e produção. “Duas pessoas normalmente significam dois diferentes pontos de vista, e chegar em um acordo pode não ser tão fácil. Buscamos a verdade em tudo o que fazemos e em todas as decisões que tomamos. Provocamos o conflito olho no olho, se preciso, até chegarmos a um acordo. Juntos e felizes. É desafiador porque não gerimos para agradar e sim para que todos se tornem melhores, a cada reunião e a cada decisão. No nosso caso, como nos conhecemos há muito tempo, muitos anos trabalhando juntos permite que se chegue mais fácil a um acordo. O alinhamento de discursos e diretrizes se faz mais fácil com os anos de convivência”, acredita Jatene.

Transformação inexorável

Alguns modelos de copresidência têm duração mais longa no mercado e um perfil bastante consolidado. Parcerias mais conhecidas, como as de Erh Ray e Gal Barradas, que abriram a BETC São Paulo em 2014, copresidindo a operação de lá para cá. Em 2016, tornaram-se presidentes da Havas Creative, que une, além da BETC, a Havas, a Havas Life e a Havas Digital. Ou de Márcio Santoro e Sérgio Gordilho, copresidentes da Africa desde 2010, quando sucederam a Nizan Guanaes. Ou, mais recente, de Marcio Toscani e Marcelo Reis, copresidentes da Leo Burnett desde outubro de 2014. Compartilharam a gestão da agência com Paulo Giovanni, que manteve-se como chairman até fevereiro de 2017. “Foi um processo de transição natural, que já vinha sendo estudado pela agência em função da complexidade com que o mercado se encontra hoje em dia”, relembra Toscani, que representa o perfil de finanças e operações ao lado de um criativo – o que ele chama de “equilíbrio entre razão e emoção”.

O copresidente e COO da Leo Burnett afirma que o modelo é uma resposta a um “inexorável processo de transformação da indústria da comunicação que passou a impor novos modelos de negócio”. Uma das importantes lições que ele dá a quem esteja pensando nesse modelo é que não se perca o DNA da empresa. “Cada agência está buscando se ajustar a este novo momento de mercado, sem abrir mão do seu perfil. No caso da Leo Burnett, nosso DNA é a criatividade e ter um criativo à frente do negócio é imprescindível. Por outro lado, um mundo de inovações constantes e de complexidade crescente bate à porta, exigindo das agências desenvolverem estratégias de atuação mais em sintonia com o negócio dos clientes. E para ampliar esta interlocução com o marketing das empresas, é preciso ir além do elaborar campanhas publicitárias. Exige-se ter uma agência apta a fazer um diagnóstico preciso do problema e ou oportunidade para chegar à performance almejada, para ambos os lados”, afirma. “Essa revolução na indústria tem levado as agências a reverem seus modelos de entrega, começando por uma gestão coautoral e complementar, em que boas ideias e bons resultados andem lado a lado”, analisa Toscani.

A relação entre os dois exige muito diálogo e afinidade. “para que a parceria dê certo, é importante, além da sintonia e a complementaridade de funções, ter transparência, flexibilidade e deixar vaidades de lado para o bem comum, pensando no sucesso do negócio”, afirma Toscani. Assim, resume, estratégia, gestão e direcionamento da agência precisam estar muito bem embalados em um discurso unificado.

Respeito como alicerce

A parceria entre Marcio Santoro e Sergio Gordilho está prestes a completar oito anos – em março de 2018. Os papéis bem definidos são uma parte importante para o sucesso da dupla, e devem ser sempre esclarecidos às equipes. Mas a principal questão é outra. “Nos conhecemos há 20 anos. É preciso ter um profundo respeito, que é o alicerce de tudo. Deve-se ter cuidado para não brigar ou levantar a voz. A partir disso, se constrói o modelo da copresidência”, receita Santoro.

Os anos foram importantes para delinear as funções de cada CEO. Naturalmente, Gordilho foi liderando assuntos como inovação, criação e produção, enquanto Santoro assumiu as decisões sobre dados, estratégia e planejamento. Mas ouvir o outro ponto de vista é fundamental para garantir que as melhores decisões sejam tomadas. “Quando é algo ligado ao produto criativo, eu apoio decisões do Gordilho. E quando se trata de questões financeiras e administrativas, ele também dá esse suporte. Claro que há momentos em que se tem de negociar, rever decisões, mas temos isso de forma muito clara, o que facilita a equalização. O dados de business intelligence ajudam a dar o suporte para as decisões”, analisa Santoro.

Eles concordam que as mudanças na indústria da publicidade tendem a gerar mais modelos de copresidência. “Nossa indústria é muito complexa e enfrenta uma grande revolução de tecnologia, e outra do comportamento humano. Nesse cenário, é difícil ter controle absoluto sobre a estrutura de uma agência. Onde temos uma deficiência, o outro supera. As pessoas precisam ter a mesma visão sobre o negócio, de prestar um serviço de qualidade para as marcas, mas expertises complementares agregam muito”, afirma Gordilho. “A copresidência precisa ser baseada na cultura e DNA da empresa em que se vai atuar. No caso, temos a visão de criatividade e business. Se os executivos fossem só de criatividade, talvez não desse certo, e vice-versa”, analisa o copresidente e criativo.

A divisão de tarefas permite que Erh Ray e Gal Barradas empreguem seus melhores potenciais a serviço da Havas Creative, mas algumas funções acabam sendo divididas. O que é positivo. Ray explica que o relacionamento com clientes é facilitado, já que cada executivo tem melhor entrada com determinado grupo de contas. “Você precisa confiar na pessoa e se jogar de olhos fechados. Tem de ser uma relação visceral”, afirma Ray.

“Eu e Erh Ray somos muito complementares, mas dividimos a mesma visão entre nós e a agência. A principal questão é ter esse alinhamento de valores e crenças, porque, de resto, é apenas um alinhamento disciplinar, pois não tomaria uma decisão de criação sem ele e ele não tomaria uma decisão de estratégia sem mim”, explica Gal Barradas.

O tempo ajudou a dupla a moldar o modelo de copresidência. Desde o começo, adotam alguns métodos como o de sentar juntos na mesma sala. “Estamos sempre conversando sobre decisões. Não precisamos de um grande momento para discutir as coisas. É um modelo interessante também porque, sempre que houver dois assuntos importantes ao mesmo tempo, haverá uma liderança para aquele momento”, explica Gal Barradas. Claro que o caminho da copresidência é bastante árduo e depende de muita confiança para funcionar. É um desafio diário. “Já é difícil manter a presidência da agência por sete anos, imagina uma copresidência”, brinca Marcio Santoro, da Africa. “Só a convivência desnuda a pessoa. Estamos juntos o tempo todo, dividindo a mesma sala. Hoje, já sabemos, mais ou menos, que tipo de decisão a outra pessoa tomaria”, afirma Gal sobre a parceria com Ray. “Quando há diferenças, é preciso questionar, ceder e compreender que sempre existe o outro lado. Só com muita confiança para a copresidência funcionar”, resume Ray.