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Com o título “O fim de uma história linda”, o publicitário Fabio Fernandes publicou um ‘textão’ no Facebook, em que se despede da F/Nazca Saatchi & Saatchi, agência que fundou em 1994, acumula vários prêmios e criou algumas das campanhas mais famosas da propaganda brasileira.

No post, Fabio diz que, por sua vontade, “nunca deixaria a F/Nazca. E ainda que algum dia pensasse em fazê-lo só o faria na certeza de que ela estivesse em velocidade de cruzeiro”. Ele continua: “Não sou do tipo que pula do barco, sai de fininho, corre pela porta dos fundos ou pega o boné e deixa problemas grandes ou pequenos para os outros”. 

O Publicis Groupe, do qual a F/Nazca faz parte, soltou um comunicado sobre a saída de Fabio Fernandes da liderança da F/Nazca Saatchi & Saatchi. Segundo o texto, Fabio exercia as funções de presidente e diretor-executivo de criação da agência. O  grupo informou que o time de lideranças da F/Nazca, junto com o Publicis Groupe, continuará a atuar com a mesma estrutura e focado em definir um novo modelo de negócio de acordo com as necessidades de cada cliente. 

Veja a íntegra do post de Fabio Fernandes:

Nunca vou me esquecer do dia 6 de abril de 1994.
Três meninos – uns, mais que outros – Ivan, Loy e eu, começávamos uma das histórias mais emblemáticas da propaganda brasileira. 
Parênteses: não vou medir as palavras aqui. Qualquer traço de modéstia que me mova ou algum receio de ofender pelo uso indiscriminado dos superlativos que por 25 anos evitei usar, hoje, pelo menos hoje, não vai valer aqui. De todo modo, a licença só vale para quando falar da F/Nazca – jamais de mim – porque eu não mereço um centésimo dos méritos da agência, que tantos e tantos me ajudaram a construir. Ressalva feita, ainda assim já peço perdão aos eventuais incomodados, a quem, mesmo agora, não tenho qualquer intenção de atingir. Parênteses fechados. 
Não tínhamos contas, não tínhamos capital próprio. 
Na verdade éramos duros, com pouco mais do que precisávamos para dar conta das obrigações pessoais de, sei lá, 3 meses de cada uma de nossas vidas.
Mas tampouco tínhamos medo.
Pelo menos não aquele medo aterrorizante, paralisante, que distrai malucos daquela certeza absurda de que, no final, tudo vai dar certo. 
Nosso primeiro anúncio, veiculado com o dinheiro da Saatchi & Saatchi e estampado em uma página inteira do jornal do dia seguinte, dava bem a dimensão das duas coisas que nos impulsionavam: a verdade nua e crua e o nosso incorrigível compromisso com a originalidade.
“A última do ranking”, dizia o título.
Para os não familiarizados: a agência mais insignificante do mercado publicitário.
Nascia a F/Nazca.
Sem nada além da vontade de revolucionar tudo o que a nossa mão e o nosso senso crítico pudesse questionar.
Em 7 meses, já tínhamos alguns grandes clientes.
Philco, Ceval, Jonhson & Jonhson, Banco Nacional foram alguns deles, para ficar em poucos. 
Mais tarde, Skol, ZipNet, Procter & Gamble, Unibanco, Nike, Alpargatas, Brahma, Embratel, Toyota, Telemar, Submarino, Claro, Honda, Sadia, Trident, Shell, Unimed, Guaraná Antarctica, O Globo, O Boticário, Google, Mercedes, Leica, BTG, impossível lembrar de todos, depois tudo e ao longo de tanto tempo. 
Melhor lembrar do trabalho inovador que virou referência em todas as categorias tocadas pela F/Nazca. 
Afirmo sem medo de errar: de cerveja a plano de saúde, de start-ups do mundo digital a tênis de corrida, passando por eletro-eletrônicos ou perus de Natal, nada jamais ficou igual depois que a F/Nazca sacudiu as estruturas com os trabalhos que foram para a rua. 
Ainda hoje podem-se ouvir os ecos da Tartaruga da Brahma, do Desce Redondo, dos velhinhos roqueiros da Skol, dos argentinos da Skol, da trave que sai andando da Skol (acho que eu podia passar dois dias falando só de Skol – de quarta marca do Brasil a quinta mais vendida no mundo; alcançando 8.263 bilhões de dólares em 2018 – marca mais valiosa do Brasil pelo sexto ano consecutivo, segundo o Instituto Kantar e a IstoÉ Dinheiro), do Melhor Plano de Saúde é viver da Unimed, das Formiguinhas da Philco, assim como o índio com seu Pequeno 14, ou ainda o cowboy zangado com o video-cassete defeituoso, o banco que Nem Parece Banco, os 100 anos da Leica (único Grand Prix de TV/Cinema brasileiro da história do Festival de Cannes), do marido corno do tênis Rainha, da República Popular do Corinthians de Nike, dos trabalhos inesquecíveis para Zip, Sagatiba, Banco Excel, de Shell, da adorável corredora mirim com Síndrome de Down (um dos momentos mais emocionantes da minha vida), enfim, difícil enumerar quantas vezes em quantas partes do Brasil ou do mundo, alguém começa a criar em sua mesa e lembra do que a F/Nazca inventou para reinventar o jeito de fazer publicidade em cada uma dessas categorias de produtos. 
Mas isso é nada perto do que fizemos por aqui.
Muito mais do que trabalho, na F/Nazca a missão número 1 sempre foi fazer o público interno feliz.
Por isso construímos uma agência de caráter. 
Caixa alta, por favor.
CARÁTER.
Lembrem-se de que quando começamos o “modelo”, o “exemplo” de agências de “sucesso” e suas “grandes” lideranças apontava claramente para as agências abusivas, líderes escandalosos, prontos para xingar e humilhar funcionários diante do primeiro erro, de um mínimo vacilo. 
Esse era o “certo” no nosso mundo – e o foi por muitos e muitos anos. 
Na F/Nazca, tudo sempre foi virado do avesso. 
Amávamos fazer o “errado”. 
Sempre tivemos em mente que vidas humanas valem mais do que qualquer sucesso profissional.
“Seres-humanos, acima de toda a empresa”,nosso lema, para escândalo dos aduladores dos papas errados. 
Minha amiga, meu amigo, como é bom poder escrever isso aqui, nesse espaço aberto, nessa timeline onde qualquer um pode entrar, ler, conversar e… me arriscar a ser contestado.
Mas ainda que possa aparecer alguém aqui para me queimar a minha língua, acredito que será uma ínfima, minúscula minoria.
E, quer saber?
Fico triste, mesmo que haja só uma pequena fração de pessoas decepcionadas. 
Porque, fosse apenas uma, uma não é pouco.
Porque gente não é estatística.
Cada um é 100 por cento de si mesmo, por mais óbvio que pareça. 
Então, talvez a despeito de todo o cuidado, se a gente errou feio com um, errou brutalmente no mundo dessa pessoa – e isso me entristece, sinceramente. 
O que consola, por outro lado, é saber que acertamos com a gigantesca maioria quando criamos um ambiente em que a maldade, a vilania, o carreirismo, a competição insalubre, a exigência desumana, o tapete puxado, a fúria, a falta de educação, a busca por culpados dos fracassos, o aumento escamoteado de uns em detrimento de outros, o segredinho e corredor, a fofoquinha, o disse-me-disse, o incentivo ao jogo sujo, o atropelamento dos mais fracos e todo o resto que infelizmente é praxe por aí afora, nunca teve espaço na F/Nazca.
Esse foi o trunfo fundamental de todos esses anos sucesso. 
Apostar nas lideranças certas que, por efeito cascata, derramam virtudes sobre os demais, foi o nosso truque mágico. 
Vício é como excelência: ambos se espalham sem você se dar conta.
Comece à partir de um ou de outro e verá as consequências de uma decisão que pende para um lado ou para o outro.

E por que estou falando de tudo isso agora?
Porque eu estou saindo da F/Nazca.
O modelo de negócio baseado excelência, remuneração justa para os melhores talentos, estabilidade contra instabilidades externas, onde os impactos são absorvidos pelos sócios e muito raramente reverberam sobre a parte mais fraca, onde o cuidado, o detalhismo, o esmero e o alto nível de exigência, no craft – ou como sempre chamamos aqui, o artesanato – parece não ser mais tão lucrativo como no passado (“Passado”; sinônimo: aquela época em que a gente só fazia o descrito acima e, no final, chegava à conclusão de que era mesmo lucrativo.) 
A farta distribuição de boatos, mentiras, fake news, fofocas impiedosas criadas e disseminadas por concorrentes – desses que jamais preencheriam os mínimos requisitos para fazer parte da nossa família – também não nos ajudaram muito nesses últimos três anos.
Para vocês terem uma ideia: perdi as contas das vezes que tive que negar que eu estava pensando em me retirar, seguir outros rumos, fazer outros negócios, enfim, tudo o que desejavam que eu fizesse, para deixá-los mais à vontade para fazerem seus negócios sem a competição da F/Nazca. 
O desgaste é evidente quando um cliente, um colaborador, um prospect te interpela para confirmar se o que ele ou ela está ouvindo é verdade ou só mais mentira maldosa.
Em uma dessas vezes o CEO de uma grande empresa me chamou em sua sala, no meio de um processo de concorrência, para me dizer que talvez não entregasse sua conta, única e exclusivamente por isto. 
Outras vezes perdemos negócios pela mesma razão, com a diferença de que em muitos casos nem tivemos a chance de negar antes de nos alijarem do processo. 
Daí, talvez confirmando o ditado sobre a água mole em pedra dura, o Grupo Publicis, que acaba de reunir 100% das ações antes detidas por mim e pelo Ivan, pediu para eu me afastar do comando da agência.
Talvez você ache paradoxal, mas aqui eu insiro um elogio a esse meu ex-sócio internacional, com quem, obviamente, tive alguns momentos de insatisfação ou de discordância profissional, mas que nunca me negou respeito e admiração e, sobretudo, jamais pediu para que eu me desviasse da filosofia, das crenças e do DNA que alicerçaram a F/Nazca
Muito pelo contrário, sempre entendeu nossa genética, nosso modo de pensar, nosso jeito genuíno de fazer propaganda. 
Não por outra razão, acreditam que agora me preservam, ainda que soe estranho para alguns, quando demonstram compreender que eu não sou a pessoa ideal para prosseguir em quaisquer que sejam os novos planos para a F/Nazca. 
A depender de mim eu jamais deixaria a agência.
Isso sempre esteve claro em nossas conversas abertas e francas. 
Não sou do tipo que pula do barco, sai de fininho, corre pela porta dos fundos ou pega o boné e deixa problemas grandes ou pequenos para os outros. 
Por minha vontade, portanto, eu nunca deixaria a F/Nazca. E ainda que algum dia pensasse em fazê-lo só o faria na certeza de que ela estivesse em velocidade de cruzeiro. 
Mas tampouco vou cometer a leviandade de dizer que o Grupo esteja errado. 
A empresa agora é deles. 
O resto faz parte da vida, faz parte do mundo empresarial e é característico do mercado em que trabalhamos. 
Sempre que feito com o respeito, com a deferência e a gratidão com que fazem agora, não cabe espaço para ressentimentos, maledicências, muito menos ódio.
Tampouco sou do tipo que sai atirando, rodando a baiana, quebrando o salto e jogando dejetos orgânicos no ventilador. 
Muito menos aceitaria desestimular jovens talentosos, gente querida que segue na agência e na Publicidade, gente também que eu nem conheço, pessoas e profissionais que amam esse negócio e que acreditam que, a despeito de todas as transformações pelas quais ele está passando (ao ponto de ser constantemente colocado em cheque), querem perseguir o sonho que há muitos anos eu mesmo sonhei.
Passei metade da minha carreira sendo esse jovem promissor.
E a outra metade incentivando e instrumentalizando os que vieram depois de mim.
Não haveria porque violentar o meu jeito agora. 
Eu rejuvenesço neles.
Não quero que eles envelheçam em mim. 
Além disso, sou muito agradecido à vida, a Deus, ao acaso, à imensa sorte de ter sido aquele 1 em muitos milhões de pessoas, que consegue realizar o sonho de criar algo tão relevante e tão influente no seu ramo de atividade.
E de trabalhar todos os dias como se fossem o primeiro: com curiosidade, excitação, alegria de encontrar o inesperado, louco para fazer alguma coisa que eu ainda não tenha feito antes. 
Gratidão e reconhecimento são sentimentos nobres, eu acho. 
Quero mantê-los vivos em mim hoje e sempre. 
E é só o que eu sinto quando noto que quase tudo na minha vida pessoal e profissional devo à profissão que amo e que abracei quando eu ainda era um juvenil presunçoso, destemido e cheio de vontade de deixar a minha marca. 
Por outro lado, como isso aqui ainda não é a minha despedida do mercado mas sim a minha despedida da F/Nazca, não vou personalizar o discurso mais do que o óbvio e necessário, já que coube a mim o papel de idealizador e fundador desse delicioso quintal no qual eu cresci e me diverti demais, mais do que qualquer um possa imaginar, todos os dias em que passei aqui nos últimos 25 anos. 
Agradeço com toda a força possível a cada um que esteve ou que está aqui, com a certeza mais visceral do mundo de que eu não teria feito nada, absolutamente nada, sem a lealdade e o brilhantismo de vocês. 
Não cito nomes, porque não acabaria muito cedo, mas você que está me lendo aqui e que trabalhou aqui, sinta-se beijado e abraçado, com todo meu carinho e admiração. 
Aproveito também, sem me arriscar muito no terreno da pieguice, para pedir desculpas sinceras aos que inadvertidamente magoei nestes tantos anos, por um sem número de erros que certamente cometi, ainda que não intencionalmente, com colaboradores, com fornecedores e com clientes, a quem também posso ter decepcionado com algum trabalho menos eficiente do que acreditava estar fazendo (não estou sendo hipócrita, claro que às vezes acontece) e, por último e não por isso menos importante, aos meus filhos, MarianaFernandaNina e Théo – contraditoriamente, razão maior para eu me dedicar mais e mais ao meu ganha-pão – pelo tempo que neguei a eles, pela distância que muitas vezes estive deles, por não estar mais tempo e com mais qualidade ao lado deles; aos meus pais, aos meus irmãos e aos meus amigos, a quem muitas vezes também não soube priorizar e à minha mulher, Karin, pelo conjunto de todas as razões acima, mais as tantas vezes em que ainda descontei nela as minhas eventuais decepções, angústias e derrotas, nunca sabendo compensá-la, em igual proporção e intensidade, pelos sucessos e realizações que me acompanharam por muito mais vezes – inclusive com a ajuda, o apoio e a compreensão dela.
No epílogo também peço desculpas a você, que leu tudo isso talvez achando que valeria a pena perder o seu tempo e, muito provavelmente, acabou de chegar à conclusão de que não valeu”.

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