Alguns dos clássicos da propaganda nacional (Hitler – reveja acima – e Os Presidentes, da Folha de S.Paulo, e Menino Sorrindo, da Seagram, por exemplo) poderiam ser filmados hoje. São filmes simples, que utilizaram a criatividade para entrar para a história. Segundo especialistas, esse deve ser o pensamento de anunciantes, agências e produtoras para que a publicidade siga firme em tempos de isolamento social.

O momento é singular e inédito para a geração contemporânea. O desafio para as marcas, idem. As restrições às filmagens não são apenas recomendações da OMS. Em São Paulo, por exemplo, as autorizações de filmagens emitidas pela Prefeitura, por meio da Spcine e da São Paulo Film Commission, estão suspensas desde março. Agências e produtoras estão se reinventando para entregar os jobs para os anunciantes.

“Estamos vivendo um momento em que as marcas e os clientes precisam viver e, por isso, precisamos fazer uma comunicação completamente diferente do que estamos acostumados a fazer, mas sempre vai haver espaço para a criatividade. Na verdade, acho que é o momento de sermos ainda mais criativos para conseguirmos driblar tudo isso”, analisa Rejane Bicca, diretora de atendimento da área de publicidade da O2.

Para Marianna Souza, presidente-executiva da Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais (Apro), o momento exige reinvenção. As dificuldades, segundo a executiva, permitem “que sejam experimentados e explorados outros caminhos”. “Obviamente, lidamos com uma série de limitações a serem superadas”, alerta Marianna.

Nas últimas semanas, diversos anunciantes buscaram alternativas para colocar campanhas no ar. Alguns usaram filmagens de arquivo próprio, outros optaram por animações e vídeos feitos pelo próprio casting e muitos utilizaram o banco de imagem. Mas será que tal prática não pode deixar as campanhas com uma “mesma cara”?

“Acredito que não. Primeiro, porque é possível usar as cenas de diversas maneiras, combinando recursos de montagem, estilo, correção de cor, pós-produção e inúmeras soluções que a criatividade pode gerar. Além disso, existem excelentes opções de cenas de banco atualmente, ainda mais se você escolher as infinitas possibilidades de um dos nossos clientes”, ressalta Marcelo Nogueira, diretor-executivo de criação da AlmapBBDO, fazendo referência à Getty Images.

Nogueira revela que, recentemente, às vésperas de filmar a campanha que anuncia a volta dos Tazos, para o cliente Lay’s, o distanciamento social passou a vigorar. “Nosso astro, o jogador Dani Alves, filmou a si mesmo em casa e a campanha foi ao ar com bastante sucesso. Ele lidou com a situação com muita leveza e bom humor, o que acabou trazendo espontaneidade para as cenas”, revela.

“Banco de imagens em publicidade é um recurso mais comum do que se imagina. A diferença entre o bom e o ruim está na maneira como se usa”, opina Rafael Urenha, CCO da DPZ&T. Assim como a AlmapBBDO, sua agência também já colocou na rua trabalhos feitos pós-distanciamento social. Ele menciona uma campanha de Electrolux. “Fizemos inteiramente com cenas caseiras e com a colaboração das pessoas da agência e de amigos. Tudo com a coordenação de uma produtora”, conta.

Aliás, as produtoras também se reinventaram para conduzir os trabalhos durante as filmagens. Uma delas implementou um sistema de filmagem remota, em que tudo é acionado à distância: câmera, luzes, até um ventilador para efeitos, enquanto o diretor e a equipe comandam a filmagem de suas casas. Outra já está filmando com drones”, revela Nogueira.

“As equipes de criação são inquietas e os diretores vão na mesma onda. Pela minha percepção, esse desafio aumentou nesses dias. Ideias diferentes e técnicas como animação vão fazer a diferença”, prevê Daniel Soro, sócio e diretor de cena da Piloto.

Mas as limitações não atingem apenas as imagens. Segundo Paulinho Corcione, sócio e produtor da Lucha Libre Audio, o áudio “provavelmente” será o menos afetado em capacidade de produção. “As externas atualmente são realizadas apenas em casos muito específicos. Em casos como o da Lucha, os produtores têm capacidades tecnológicas quase full em seus home studios”, explica.

Henrique Racz, sócio e diretor musical da Tesis, pensa que ideias diferentes e mais ousadas podem ser um excelente caminho de diferenciação em um momento tão atípico como este. “É em tempos de crises e desafios que as grandes ideias aparecem. Ideias diferentes e mais ousadas podem ser um excelente caminho de diferenciação em um momento tão atípico como este”, reflete. “Uma execução criativa que chamou a atenção foi o comercial criado pela Memac Ogilvy de Dubai para o Honda Civic 2020, criado, produzido, editado e assistido direto de casa”, completa.

“Acho que as alternativas estão surgindo com as próprias limitações. Tenho falado com muitos diretores mais jovens ou experientes e todos estão buscando soluções para continuarem produzindo, seja com drones ou dirigindo filmes por videochamadas. Mas começamos a ver também filmes com estéticas superparecidas e, nesse caso, a diferenciação vem não apenas no tom de voz das marcas, mas no tratamento desse material e na criatividade”, avalia Rodrigo Lugato, diretor de criação da Talent Marcel.

Obviamente, marcas mais fortes e consistentes conseguem ter mais possibilidades nesses momentos, pois têm um histórico para ser utilizado, conforme explica Bruno Lunardon, sócio da agência SoWhat. “Estamos explorando ao máximo reutilizar imagens já produzidas para outras campanhas, reeditando filmes ou partindo para soluções sem imagens com tipografia, motion, ilustrações etc.”

Entre soluções e tentativas, algo vai ficar dessa crise: a comunicação mais humana. “Acho que a gente está vivendo durante a crise esse reset no jeito de pensar e certamente quando passarmos por isso, novas soluções e práticas vão estar colocadas na mesa. Além de novos valores, não no sentido de investimento, mas no ponto de vista de humanidade mesmo”, opina Enricco Benetti, CCO da BFerraz.

“Estamos vivendo um momento muito humanitário, tentando resolver um problema mundial. Então, antes de qualquer coisa, as marcas, as agências e as produtoras precisam sobreviver”, finaliza Rejane, da O2.