Sempre o conheci como Álvaro Moya, até que foi colocado esse “de” em seu nome. Tive com ele um início de convivência que se misturava com admiração. Fui seu aluno em 1950, na Associação Paulista de Desenho, que funcionava num espaço sublocado só à noite. Era uma salinha pequena na Rua Álvaro de Carvalho, no centro ainda vibrante de São Paulo. Na verdade, a Associação era uma espécie de célula, cujo verdadeiro objetivo era criar uma legislação que obrigasse os jornais a publicar uma percentagem de tirinhas feita por desenhistas brasileiros. Na época, essa intenção era ima coisa considerada altamente subversiva.
Álvaro Moya, juntamente com Jayme Cortez e outros, começou a dar cursos sobre histórias em quadrinhos de forma absolutamente pioneira no Brasil. Pela primeira vez citavam-se desenhistas como Will Eisner, Hall Foster e heróis como o Príncipe Valente, Capitão Marvel, Superman como referências respeitáveis na área de comunicação e educação.
Moya tinha uma particular admiração por Will Eisner, desenhista de O Espírito. Ele explicava quadrinho por quadrinho como uma particular obra de arte, com enquadramento cinematográfico, sombras, cenários, guarda-roupas e texto com qualidade literária. O “plot” era detalhado e explicado – e juntamente com o curso de teatro no prédio da Pinoteca, dirigido por Décio de Almeida Prado, o curso de Álvaro Moya foi um dos primeiros em que técnicas literárias eram a matéria-prima da formação de novos talentos.
Todas as historinhas publicadas nos jornais brasileiros de então, no entanto, eram de desenhistas estrangeiros, distribuídas pela United Press International, a famosa UPI, que achávamos naquela época ser um braço da CIA.
Em 1951, Moya conseguiu organizar a primeira exposição de histórias em quadrinhos, que foi, de certa forma, um choque nos meios acadêmicos. Juntamente com um artigo publicado no Suplemento Literário do jornal Estado de São Paulo, então dirigido por Pietro Maria Bardi, as HQ começavam a ser aceitas como uma forma alternativa de arte. O Rio seguiu o exemplo de São Paulo, principalmente através do trabalho e da influência de Ziraldo, seu irmão Zélio, Millôr Fernandes e as revistas Cruzeiro e Manchete.
Eu fazia parte desse movimento muito mais como estudante e massa de manobra do que como líder. Tinha pouco mais de 14 anos de idade. Ainda assim, numa primeira viagem que ganhei como prêmio a New York, decidi conhecer a UPI. Como pretexto, levei algumas tiras de Maurício de Sousa.
Descobri o endereço no gigantesco edifício onde se localiza a Grand Central Station e, sem marcar hora (para os brasileiros, não havia nem o hábito de se usar o telefone na ocasião), bati à porta do pequeno escritório, que se compunha de apenas duas salinhas. Apenas duas pessoas trabalhavam ali: uma velhinha, que era a secretária, e que me atendeu cordialmente, e um velhinho, que era o seu chefe.
A ideia de conspiração da CIA desfez-se ali. O senhor me explicou que eles representavam vários desenhistas americanos e que seu negócio era distribuir suas histórinhas para jornais dos Estados Unidos e de alguns países, aos quais mandavam correspondência oferecendo o trabalho. Faziam uma espécie de mala direta com um mimeógrafo. Explicou-me também, um pouco magoado, que forneciam material para uns vinte jornais brasileiros… e que nenhum jamais havia pago as faturas. Em todo caso, gostou dos desenhos do Maurício e os promoveria.
Álvaro Moya continuou fiel às HQ pelo resto de sua vida. Promoveu a vinda de vários artistas ao Brasil, o que era uma novidade absoluta, tanto para os brasileiros quanto para os americanos.
Compôs, ao longo da vida, uma coleção impressionante de originais dos desenhos e informações, que hoje se encontram guardados nas casas de amigos e que constituem um patrimônio artístico de primeira categoria. O que será feito com esse tesouro que Álvaro nos deixou?
Roberto Duailibi é publicitário e fundador da DPZ