O diretor de criação Wilson Mateos, da DM9DDB, tem a criatividade como seu principal interesse. No Cannes Lions 2012, onde atuará como jurado da área de Outdoor, o profissional vai aproveitar essa postura para avaliar o que de melhor pode ser encontrado em uma divisão que ele considera uma das mais excitantes do evento, especialmente por ter conceito mais amplo, apresentando e unindo, muitas vezes, características de outras áreas do festival. Otimista por natureza, como se define, Mateos crê que o resultado brasileiro deve continuar positivo como nos anos anteriores. Porém, o ótimo desempenho do país na área, como na última edição – quando as agências do país conquistaram 16 Leões, sendo cinco de prata e 11 de bronze -, o deixam com maior sentimento de responsabilidade. Para auxiliar nesse processo, vem estudando trabalhos anteriores, recebendo cases já inscritos e conversando com jurados de outros anos. Ansioso para saber o que encontrará durante o festival, Mateos conta que seu principal critério de avaliação será se deixar impressionar pelos trabalhos surpreendentes, que geram naturalmente “aquele soquinho no estômago” dos criativos.
Evolução
“Fui para Cannes a primeira vez em 1995, com 19 anos, na delegação do Young Lions (então Young Creatives). Tudo era completamente diferente. O festival era um reduto de criativos, mais voltado ao Film Lions, apesar de já existir o Press & Poster. E é engraçado que, mesmo dentro da agência, o festival era tratado como ‘o evento do pessoal da criação’. Tirávamos aquela semana para dar uma descansada, enquanto as outras equipes ficavam ‘com raiva’ da gente. Mas nós mesmos começamos a entender, com o decorrer do tempo, que aquilo era muito grande para ficar restrito à gente, até porque não adiantava mais só o pessoal da nossa área ser criativo. A partir daí, as agências começaram a levar profissionais de atendimento, de planejamento, mídia, até chegar nos clientes – e o festival, sacando esse movimento, foi crescendo e se tornando mais atraente para todos os públicos. Ele conseguiu juntar essa maior presença de outros envolvidos no processo criativo com o surgimento das novas mídias, ilustrado pelas áreas que foram sendo criadas.”
Positivo x negativo
“A parte positiva desse processo é ter toda a indústria em um só lugar. Além disso, o festival soube manter sua reputação: traz sempre palestrantes de qualidade inquestionável, que fazem valer a pena acompanhá-lo, além de permitir o debate aprofundado de diferentes assuntos. Há pessoas, no entanto, que não conseguem acompanhar o festival pelo número de reuniões e compromissos que são marcados durante aquela semana. Acho que o Cannes Lions ficou pequeno para os sete dias em que ele acontece. Vejo todo mundo saindo de lá com a sensação de ter perdido alguma coisa. Se você quis acompanhar todo o rolo de Film, perdeu uma palestra. Se viu a palestra, deixou escapar um workshop. Isso pode causar uma certa frustração. Cannes cresceu tanto em número de áreas, delegados e volume de dinheiro que talvez pudesse prolongar sua duração. Poderia haver uma logística de organização que otimizasse esse processo.”
Desconstrução
“Acho muito interessante essa ‘descategorização’ das coisas. Por exemplo: tínhamos a Press & Poster, que depois se separou, gerando a criação de Outdoor — que hoje já tem diversas subdivisões relevantes, como Ambient Media. Atualmente é difícil você categorizar trabalhos. Às vezes acaba colocando-os em várias áreas por não serem unicamente de Promo, Cyber ou outra específica. No meu ponto de vista, isso é a concretização de que não importa o meio, o que prevalece é a ideia. Nossa profissão é ter a ideia. O que a gente faz depois para ela caber numa ação, numa instalação ou num iPhone, é uma parte mais técnica. O jeito que essas áreas estão se misturando mostra isso: quem tem a ideia não é ‘o cara de TV’ ou ‘o cara de internet’, é o criativo. Na forma, no meio ou na mídia, o que manda é a ideia. Acho que ficará cada vez mais difícil fazer divisões e o festival terá de ficar atento a isso para decidir como tratar a questão. Se eles quiserem somente gerar mais dinheiro, vão simplesmente manter todas essas e talvez abrir outras. Já se quiserem manter uma postura mais legítima, terão que estudar e buscar alguma solução.”
Conceito
“Quando eu fui indicado para ser jurado, fiquei muito feliz em ver que era para Outdoor, que considero uma das áreas mais excitantes. Tenho visto e estudado os últimos três ou quatro anos, tentando ver o porquê de cada trabalho, e é interessante perceber como algumas coisas são primas do Press, outras de Promo etc. Eu vou julgar uma área que tem muito de outras, que tem um conceito muito amplo. Estou começando a ver os trabalhos do Brasil e percebo que temos ainda muito forte a questão do pôster, uma coisa já cultural, de maior liberdade criativa. Porém, como tudo que vai ganhando novos competidores, o pôster terá que ser muito diferenciado para competir com cases premiados como o ‘Teletransporter’ da Argentina, a lancha que passa com uma mensagem no canal de Amsterdã e os trabalhos de HBO, entre outros. O que me conforta é que tenho visto, além do pôster, ações muito interessantes do Brasil. E é bom que o mercado esteja entendendo esse recado e o que a área de Outdoor proporciona, bem como o quão rica ela pode ser. Mesmo assim, o pôster vai continuar existindo no Brasil por um bom tempo, até por ser uma solução mais simples, mais fácil de aprovar e veicular.”
Critério
“Sempre me perguntam sobre qual será meu critério de avaliação. Costumo falar que, não importando a área, o criativo tem um critério natural, que é aquele ‘soquinho no estômago’, quando vê um determinado trabalho, aquele que você olha e solta um ‘Putz! Por que eu não pensei nisso antes?’. Esse é o critério mais legal, porque é legítimo. Você passa tanto tempo trabalhando para tantos clientes parecidos que, quando você se depara com uma ideia que sequer passou no seu radar, sente uma coisa física, mesmo. O problema é a quantidade de peças desse tipo – muito pequena dentro de um festival como Cannes. Então, para distribuir o restante dos prêmios, existem outros critérios. Um deles é a pertinência, o ‘onde veiculou isso?’ ‘Por que esse cliente aceitaria isso desse jeito?’. Depois tem o craft, o destaque de uma ideia dentro de uma determinada categoria, a aplicação da ideia diferenciada para um cliente em especial, começa-se a entrar nesse julgamento de valores.”
Expectativa
“Essa é a questão que me tira o sono. O Brasil teve um desempenho altíssimo em Outdoor nos últimos anos, porém, Cannes não é uma escala geométrica. O resultado depende muito do momento, e a expectativa que o país tem, tradicionalmente, é o que me deixa um pouco tenso. Agora eu estou recebendo mais trabalhos e sou procurado pessoalmente por agências para apresentação de alguns cases – o que eu acho muito legal, já que você passa a ter argumentos melhores para, de repente, defender uma peça que tenha boas chances. Essa expectativa, para mim, é uma grande responsabilidade, porque sei que vou ser cobrado com base no desempenho dos anos anteriores (em 2011, o Brasil conquistou 16 Leões, sendo cinco de prata e 11 de bronze). Mas esse retrospecto também me faz pensar que o país estará enviando um bom material. Eu sou um otimista por natureza e creio que dará tudo certo, mesmo já tendo pensado em inscrever meu estômago no Cirque du Soleil, de tanto que ele dá piruetas nos últimos tempos.”
Ser jurado
“Ser jurado brasileiro é uma questão engraçada. Tem vezes que eu me sinto um atleta olímpico, com pessoas me dizendo: ‘você vai lá representar o nosso país’, o que soa quase como um ‘trazer alegria para esse povo tão sofrido’. Enquanto isso, outros me dizem: ‘vai lá, vota naquilo que você gosta, você não é advogado de ninguém’. Eu transito um pouco pelos dois mundos, porque eu sei que o Brasil tem uma expectativa – não importa se essa postura é normal se comparada a outros países, mas tem – e, se você topa, tem que saber que é assim que funciona, que é o trabalho que seu país produz que você vai encontrar no júri, que não dá para dar muita desculpa depois. Do outro lado, temos que analisar a composição de um júri de Cannes, que traz pessoas de todas as partes do mundo, que não se conhecem na maioria das vezes, com diferentes gênios e interesses. Em certo aspecto, é como uma casa de Big Brother. Você não sabe como será recebido, se vai ser o bonzinho ou o vilão. Mesmo assim, não dá para dizer que não sabia o que te esperava.”
Da porta para fora
“O que eu mais gosto de fazer na minha vida é criar coisas. Claro que me especializei em propaganda, mas tento aplicar isso em outras coisas que faço. Gosto de desenhar e, nos últimos tempos, estou amarradão em fotografia. É um trabalho despretensioso, quase um exercício de livre criação, do ‘eu comigo mesmo’. Mas essa é minha paixão: a ideia, a criatividade, poder transformar algo que não estava ali até você chegar.”