Referência em branding no Brasil, Ana falou sobre o quanto a atividade evoluiu no país

Uma das principais referências em branding no Brasil, Ana Couto fala nesta Entrevista sobre a evolução da atividade e da importância de uma marca ter um propósito simples e claro. “O propósito é o talento da organização colocado à disposição do mundo. Para Apple é ‘Think different, challenge the status quo’. Para o Google, ‘Organizar as informações do mundo’, uma visão tão abrangente que não precisa se reinventar.

E com isso, essas marcas vão crescendo”, exemplifica a CEO da empresa que leva o seu nome. Ela também destaca que, num mundo VUCA, não há mais construção linear de marcas e controle. “Por isso, precisa fazer uma gestão muito saudável para quando vier uma crise a empresa conseguir reverter”.

Há quanto tempo você trabalha com branding e quais foram as principais mudanças de lá para cá?
Eu tenho uma formação de design junto com antropologia, morei nos Estados Unidos por cinco anos, onde fiz um mestrado em comunicação visual e montei a agência. Lá, eu me deparei com um mercado muito mais evoluído na época, quando design já era uma construção muito forte de negócio, trazia muito valor para as marcas, que já tinham identidades visuais muito fortes, como Fedex e Coca-Cola. Isso foi em 1993, então tem 30 anos que a gente está com esse desafio no Brasil. Eu voltei com o pensamento de que o design no Brasil ainda estava engatinhando, sob a ótica de identidade visual, e de trazer o branding como uma estratégia de negócio, de gestão de valor das organizações. Lembro que naquele tempo o Brasil não tinha marcas entre as mais valiosas do mundo e tinha um gap, pois o país era muito forte e já produzia muito. E o branding acompanhou, na virada do século 20 para o 21, a evolução de como se constrói valor nas organizações, que pelo marketing é importante, é um push de produto, e pelo branding é uma gestão de valor. Eu faço um pouco essa distinção. O branding evolui de uma estratégia de marca para uma estratégia que alinha marca, negócio e comunicação. Ou seja, quem eu sou como marca, qual é a minha personalidade, meus atributos, como sou percebido; qual o meu produto, qual a proposta de valor e o que o meu negócio faz. Isso é muito importante, porque a experiência da marca tem um impacto muito grande. E tem também os desafios do século 21 que é a visão do propósito. O propósito nada mais é do que o talento que a organização tem para impactar o mundo de uma forma positiva.

Então esse é o conceito moderno de branding?
Esse é um conceito que a gente vem desenvolvendo ao longo desses 30 anos, trabalhando muito fortemente com empresas brasileiras que não tinham frame nenhum de gestão e alinhando muito empresas globais, como Coca-Cola, P&G, Souza Cruz, que traziam um framework importante em que a gente trabalhava a partir dele. Entendendo que no fim do dia, todo e qualquer esforço tem como princípio esse alinhamento, de quem é a marca, quais são os equities, como se constrói uma marca icônica, com a proposta de valor de negócio, como coloca o consumidor no centro e com essa visão de propósito. E tem toda uma mudança de mercado com vários exemplos prontos nessa transição que são muito relevantes, como a trajetória da Nike, que é uma marca relativamente recente e traz muito foco no desenvolvimento do produto a partir dos atletas, traz identificação grande para as pessoas, porque fala que quer ser a marca mais conhecida e valorizada do planeta, com uma clareza forte do seu propósito. Até que aconteceu o downside em que começaram a acusar a Nike de produção com trabalho escravo e infantil. E daí as pessoas começaram a dizer que não queriam mais os produtos da marca e as ações da Nike caíram em todos os mercados, porque num primeiro momento a postura da empresa foi de dizer que não produzia, que terceirizava, e o mercado reagiu afirmando que ela era responsável por seu ecossistema. E foi aí que a gente começou a ver a mudança de paradigma no mercado, de deixar de ser cadeia de produção e começar a olhar o seu ecossistema. A Nike então passou a criar uma série de premissas para não produzir mais daquela forma e voltou ao ciclo da construção de valor. Por isso, o branding com ESG, toda essa frente muito clara, mostra que vamos ter um novo capitalismo no século 21, porque senão o planeta não aguenta, o consumo não aguenta esse crescimento desenfreado a qualquer custo ou só para gerar lucro e resultado para os acionistas.

E como fica a tecnologia nesse cenário?
A tecnologia impactou todo e qualquer mercado, trazendo um novo olhar da forma como o consumidor está se relacionando com a marca. O consumidor passa a ser não só muito importante na decisão de comprar, mas também na decisão de reputação, porque tem na mão o poder de fazer a reclamação ecoar na internet.

Ana Couto: 'Quanto mais criar vínculo de valor com seus consumidores, a marca vai surfar melhor (Divulgação)

Como manter a reputação das marcas a salvo em tempos de redes sociais?
A gente trabalha com branding na visão de gerir e gerar valor. Não é linear. O conceito VUCA - Volatilidade (Volatility); Incerteza (Uncertainty); Complexidade (Complexity); Ambiguidade (Ambiguity) – mostra que é cada vez mais difícil controlar, porque o mundo é muito volátil, ambíguo, complexo e incerto. Os desafios das organizações são cada vez maiores. A gente trabalha com uma metodologia que chamamos de ondas de valor em que começa a medir toda e qualquer força da marca, sempre sob a ótica do produto, do negócio e como é o diferencial que oferece.  Mas essa onda de produto não é suficiente para construir valor. Precisamos entrar na onda 2, que chamamos de onda de pessoas, sobre como gerar identificação com a marca. A gente evoluiu dos 4Ps do
marketing para as três ondas do branding. E a terceira onda é o propósito. Em cada uma dessas ondas de valor você trabalha com as três dimensões: marca, negócio e comunicação. Então, a gestão de branding é essa gestão do é, faz e fala, que é a nossa tagline – quem você é, o que você faz e como fala. E a gente consegue medir a percepção dos stakeholders com pesquisa, social listening e performance, aliado ao branding. E dá para ver quando está construindo valor ou quando a marca está nos downsides. Eu falo que valor é que nem crédito no banco, vai ter uma hora que você vai precisar usar o dinheiro e o problema é não entrar no negativo. A empresa que tem pouca construção de valor quando tem um problema, a chance de falir é muito grande, vai usar o que não tem. Hoje, a construção do branding num momento muito VUCA é fundamental, porque todas as marcas vão ter problema, isso é fato, ninguém tem mais uma construção linear, você não controla. Por isso, precisa fazer uma gestão muito saudável para quando vier uma crise a empresa conseguir reverter, como aconteceu com a Nike.

De que forma alinhar produto, cultura e comunicação de marca?
O produto tangibiliza a proposta de valor e ele é fundamental. Antigamente, na era do marketing, em que se podia fazer uma propaganda muito boa, a experiência do produto poderia ser ruim e não reverberava muito. A potência daquela experiência ruim do produto era menor e não se lutava tanto para fidelizar o seu consumidor, não tinha tanta exposição, oferta. Hoje, são muitos canais de pressão. Esse contexto mudou demais, temos de entender que a marca precisa construir um branding forte, saudável, para entrar nas épocas turbulentas e sair dela. A gente tem hoje muitos pontos de contato, muitos canais, e, se não tiver uma estratégia clara de quem é, como faz, se perde.

E como criar reputação de marcas em uma época de fake news e de conteúdos impróprios na internet?
Eu acho que quanto mais criar vínculo de valor com seus consumidores, stakeholders, começando pelos seus colaboradores, investidores e pela sociedade que está impactando no ecossistema direto, a marca vai surfar melhor. É preciso ter os defensores da marca. A Apple, por exemplo, é a marca mais valiosa do planeta e a que menos gasta em comunicação. E por quê? Porque ela tem o ‘é, faz e fala’ totalmente alinhados. Claro que tudo pode ser quebrado e mudar. Mas essa consistência do ‘ser, fazer e falar’ é que está ganhando o jogo. Outra coisa importante é saber responder ao contexto. O branding, obviamente, é uma estratégia de longo prazo. A Coca-Cola, por exemplo, que é uma marca centenária, tem uma clareza muito grande nos equities, nas cores, o script. Ela sabe do propósito dela, de criar momentos felizes, familiares, e vem evoluindo. Deixou de ser uma empresa só de refrigerantes, comprou portfólio de sucos, e evoluiu na proposta de valor de uma forma consistente. O contexto vai mudando e as organizações que não responderem ao contexto de uma forma fiel à crença delas vão dançar.

Quando ocorre uma crise de reputação, o que a empresa deve fazer em primeiro lugar?
Assumir (o problema). As empresas não podem mais se omitir. Na onda 3 do propósito, a gente fala que a marca precisa ter um ponto de vista e se posicionar. Ela pode estar errada, dizer que errou, assumir o erro e andar para frente. Quando a marca não assume um ponto de vista, não assume um erro, ela vira vidraça. E teto de vidro hoje é muito perigoso. Nesse caso, tem o papel da maturidade das organizações. Tem um caso famoso nos Estados Unidos, construído em cima da era do branding, que é da Starbucks, quando trouxe duas travestis para serem speakers da campanha e a ala conservadora dos EUA fez um boicote à marca, dizendo que não entraria mais nas lojas e pedindo para a marca tirar a campanha do ar. E o CEO da Starbucks foi para uma reunião de apresentação de resultados e falou para os acionistas: “Nós somos a empresa que mais traz retorno para os acionistas, um dos nossos valores é diversidade e quem não estiver com a gente é convidado a se retirar, como acionista, colaborador e consumidor. Nós acreditamos em diversidade e não vamos tirar do ar a campanha”.  E o mercado de investimento, em vez de sair fora, cacifou mais. E os consumidores também apoiaram a marca.

Você acredita que a diversidade é um dos pontos mais sensíveis para o mundo corporativo?
Eu acho que está tudo muito sensível. Estamos no lugar de muitas mudanças, todos se sentindo muito ameaçados. Quando o ser humano se sente ameaçado ou ele se fecha ou agride. E somos todos seres humanos, muito vulneráveis. Eu acho que não está fácil, diversidade entra nesse contexto, não dá mais para deixar ninguém de lado. De novo, a tecnologia nos dá um novo nível de transparência. É uma realidade muito diferente.

Qual a diferença entre valor e propósito de marca?
Dentro desse contexto muito competitivo, complexo e com várias informações, para o colaborador realmente introjetar missão, visão e valores é um nível de complexidade muito alto. Aconteceu também junto com isso que as organizações não são mais fechadas, o que antigamente estava fechado em sete chaves, como metas e cultura, hoje não tem mais. E a marca precisa engajar não só os colaboradores, e sim o ecossistema. Desde que essas grandes organizações mais valiosas do planeta, como Google, Facebook, Apple, Amazon e Microsoft, começaram a trabalhar com ecossistema aberto, não de produção fechada, é preciso que o seu propósito comece de dentro e reverbere para fora. E é um nível de simplicidade maior na fala. Hoje se trabalha o propósito com a seguinte visão: o propósito é o talento da organização colocado à disposição do mundo. Para Apple é Think different, challenge the status quo. Para o Google, Organizar as informações do mundo, um propósito tão abrangente e não é uma visão que acaba e precisa se reinventar. E com isso, o Google e essas marcas vão crescendo. O propósito te dá uma dimensão de talento para crescer a visão de mundo atemporal. Porque as pessoas têm de pensar a longo prazo. É uma forma engajadora de falar quem você é e se apresentar. A organização precisa estar evoluindo e se transformando.

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