O Facebook acaba de publicar seu primeiro relatório na América Latina sobre diversidade e representatividade nas campanhas veiculadas na plataforma. O resultado não surpreende, mas expõe um problema latente de desconexão das marcas em relação ao ser humano, e consequentemente, um desconhecimento sobre seus próprios consumidores.

Se nas palavras da ativista americana Marian Wright Edelman, “você não pode ser aquilo que não pode ver”, na publicidade,  você também não pode consumir aquilo que não foi feito para você. Ao reforçar estereótipos que não condizem com a realidade da população, os anunciantes estão perdendo, em última instância, a chance de conquistar a preferência e consideração das pessoas.

No relatório “Dados, diversidade e representação: por uma publicidade mais inclusiva na América Latina”, o departamento de marketing science do Facebook fez um mapeamento de milhares de campanhas de 2017 e 2018 na plataforma. A ideia foi trazer um raio-x de quais espaços e papéis os anunciantes têm dado para os protagonistas de suas campanhas e identificar possíveis vieses que apenas reforçam estereótipos.

“Quando a gente pensa nas campanhas mais icônicas que tem saído ultimamente, é muito fácil pensar em um homem protagonista em um papel heróico. Mas uma lembrança que não consigo ter com tanta facilidade é a de um homem dividindo a responsabilidade de uma tarefa de casa com uma mulher”, destacou Maíra Vidal, analista de data science do Facebook, durante a apresentação do relatório nesta segunda-feira (05), durante o Agency Women’s Leadership Day, em São Paulo.

Trazendo cases de diversidade bem sucedidos do Brasil e América Latina, a especialista apresentou alguns dados que reforçam como muitos anunciantes ainda se apoiam em estereótipos em suas campanhas. Não à toa, 85% dos anúncios veiculados no Facebook pelo setor automobilístico no Brasil são protagonizados por homens. México e Argentina seguem o mesmo caminho com 82% respectivamente. No segmento de tecnologia, o número é de 81% no Brasil, 79% e 80% respectivamente.

Do lado oposto, nas marcas de bens de consumo, as mulheres reinam prioritariamente como protagonistas, reforçando a mensagem de que cabe a elas o papel de fazer as compras do lar. No Brasil 67% das campanhas dessa categoria são protagonizadas por elas.

Reforço negativo

O levantamento do Facebook evidenciou ainda o poder nocivo dos papéis preestabelecidos na publicidade, e como alimentá-los cria um círculo vicioso que se retroalimenta. A rede social identificou 33 tipos de estereótipos mais comuns na publicidade veiculada plataforma. Eles foram separados em cinco grandes grupos: gênero, raça, orientação sexual, corpos dissidentes e classes sociais.

No estereótipo da mulher rival, por exemplo, os anúncios abordam protagonistas do sexo feminino em conflito, seja por causa de um homem, por algum bem material, como roupas e sapatos ou brigam por ascensão social. Sentimentos como vingança e inveja são comuns. Entre os homens, a figura do provedor e do pai que mantém a casa são mais frequentes, assim como o galã ou a “máquina de sexo”.

Entre os estereótipos de raça,  o reforço negativo de certos papéis permeia não apenas a população negra, muitas vezes, hipersexualizada, mas de asiáticos e ameríndios também. O mesmo vale para o protagonismo de gays e lésbicas, constantemente associado a promiscuidade e falta de laços familiares. Entre os corpos dissidentes, a população gorda é geralmente abordada nos papéis de bem-humorado ou simpático amigo da turma. Isso quando aparecem. Isso porque apenas 1% das campanhas têm como protagonistas pessoas obesas.  

“Acho importante a gente olhar para o impacto que queremos gerar como comunicadores dentro da sociedade. Ir para este caminho nos leva ao conceito de representação simbólica, ou seja, a forma como esses grupos são enxergados de forma coletiva”, destaca Maíra. Que completa: “Se eu digo para as mulheres que elas são responsáveis pelo abastecimento doméstico, elas vão ser consideradas culturalmente e socialmente por isso e só. Se eu falo que os homens são os alfas, que eles tomam decisões de alta complexidade, esse lugar vai ser sempre e apenas deles. E não é isso que a gente quer manter dentro da nossa indústria”.