O Magalu abriu na última sexta-feira (18) inscrições para seu programa de trainee 2021. A edição deste aceitará apenas candidatos negros. O objetivo é trazer mais diversidade racial para os cargos de liderança da companhia, recrutando universitários e recém-formados de todo Brasil, no início da vida profissional.

A Bayer também anunciou o Programa Liderança Negra Bayer. Segundo a empresa, o primeiro em dez anos que traz um recorte étnico-racial. Ambos dividiram opiniões nas redes sociais.

Críticos como Fernando Holiday (Patriota-SP), vereador por São Paulo, afirmam que as iniciativas geram dúvidas sobre a capacidade profissional de negros e instituem “um padrão racista de contratação”.

“Por esse motivo, representarei as duas empresas no Ministério Público”, disse o político.

Carlos Jordy (PSL-RJ), deputado federal do Rio de Janeiro, também disse que iria acionar o Ministério Público para “que seja apurado crime de racismo no caso do programa de Trainee só para negros”. “A lei 7.716/89 tipifica a conduta daquele que nega ou obsta emprego por motivo de raça”, disse o parlamentar.

A Magalu respondeu ao político. “Estamos absolutamente tranquilos quanto a legalidade do nosso Programa de Trainees 2021. Inclusive, ações afirmativas e de inclusão no mercado profissional, de pessoas discriminadas há gerações, fazem parte de uma nota técnica de 2018 do Ministério Público do Trabalho”, disse a empresa mencionando a Nota Técnica GT de Raça nº 001/2018.

A Magalu afirma que fez uma extensa análise jurídica prévia para promover a iniciativa. O documento mencionado pela marca foi assinado pela Valdirene Silva de Assis, conhecida do mercado publicitário por ser uma das responsáveis pelo pacto das agências para a contratação de negros.

Na nota, há explicação para temas criticados pelos políticos, como o fato de quem irá julgar quem é negro e quem não é. “A autodeclaração deve se seguir de avaliação por uma comissão de forma a garantir que a finalidade da norma seja atingida”, diz o material.

Atualmente, a Magalu tem em seu quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. Mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança.

“O Magazine Luiza acredita que uma empresa diversa é uma empresa melhor e mais competitiva”, diz Patrícia Pugas, diretora-executiva de gestão de pessoas. “Queremos desenvolver talentos negros, atuar contra o racismo estrutural e ajudar a combater desigualdade brasileira.”

Procurada, a Bayer também mencionou o documento do MPT. “O programa observa a legislação vigente, inclusive o Estatuto da Igualdade Racial. O Estatuto da Igualdade Racial prevê a possibilidade de ações afirmativas – que têm por objetivo corrigir desigualdades presentes na sociedade, dentre as quais as raciais – por parte das iniciativas pública e privada.  O Programa se qualifica como ‘discriminação positiva’, nos termos da Nota Técnica GT de Raça Nº001/2018 do Ministério Público do Trabalho”, afirma a empresa.

O documento do MPT citado pelas duas empresas pode ser lido aqui.

Racismo reverso?

O programa de trainees 2021 foi desenvolvido em parceria com as consultorias Indique Uma Preta e Goldenberg, Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Faculdade Zumbi dos Palmares e Comitê de Igualdade Racial do Mulheres do Brasil.

Tais parceiros, segundo a empresa, ajudaram a equipe do Magalu a fazer ajustes finos no processo, para que ele não tivesse barreiras para a seleção e desenvolvimento profissional. PROPMARK conversou com dois deles: Indique Uma Preta e ID_BR.

Da esquerda para a direita: Verônica Dudiman, Daniele Mattos e Amanda Abreu, cofundadoras do Indique Uma Preta (Divulgação)

Questionadas sobre a afirmação de Holiday de que a iniciativa da Magalu “gera mais dúvidas sobre a capacidade profissional de negros” e “institui um padrão racista de contratação”, as especialistas discordam.

“Iniciativas de fomento à inclusão de negros no mercado de trabalho não questionam a capacidade desses profissionais. Isso porque nós acreditamos que vivência e repertório valem mais do que a faculdade ou o intercâmbio que você fez. Daí a necessidade de políticas afirmativas nas grandes corporações, políticas essas que já estão sendo aplicadas no campo da educação há alguns anos e já apresentam avanços positivos. Quando falamos de processos seletivos tradicionais, ainda existe a máxima de que apenas “universidades de ponta” (aquelas que só pessoas com alto poder aquisitivo podem pagar) formam profissionais excelentes. Esse modelo de avaliação acaba sendo excludente para pessoas negras e o resultado disso é o baixo percentual de pessoas negras em cargos estratégicos nas empresas. O fato de uma iniciativa como essa causar incômodo e críticas quando está ligada a cargos de lideranças, só reforça o quanto essas ações devem ser cada vez mais recorrentes e se estender para outras empresas e áreas”, dizem as sócias do Indique Uma Preta.

Luana Génot, diretora-executiva do ID_BR (Divulgação)

“O padrão racista de contratação já existe e ele é branco”, afirma Luana Génot, diretora-executiva do ID_BR, ao comentar a afirmação do vereador. No que diz respeito a contratação de vagas de trainee, segue a especialista, o histórico dos últimos programas de grandes empresas, fica claro que as seleções são ocupadas, majoritariamente, por pessoas brancas. “Mesmo num país de maioria negra. O que mostra que as oportunidades, apesar da previsão da Constituição do princípio de igualdade, ela não se dá na prática. Então, as ações afirmativas não são um medidor de quem é mais ou menos capaz. Até porque, ainda assim haverão processos seletivos que irão medir o fit, ou seja, o encaixe dos candidatos com o perfil da vaga e da empresa”, justifica Luana.

Muitos críticos da iniciativa dizem que há racismo contra brancos no processo seletivo do Magalu. “Essa frase não possui legitimidade”, explicam as sócias do Indique Uma Preta. “No Brasil, brancos não sofrem com o racismo estrutural, ou seja, aquele racismo que institucionalmente nega acessos e oportunidades às pessoas negras. Políticas afirmativas que fomentam a inclusão de negros no mercado de trabalho não excluem pessoas brancas, apenas diminuem barreiras que sempre foram impostas às pessoas negras pelo racismo. Iniciativas como a do Magalu impulsionam e aceleram reparações históricas no Brasil, gerando oportunidades iguais para todos”, explicam. “Não pensar em mudanças estratégicas que alterem o cenário que vivenciamos hoje é um comportamento que compactua e reforça a exclusão do negro nesses espaços”, completam.

Para Luana, “não dá para pensar em racismo contra brancos numa situação onde você enxerga o racismo como estrutural”.

“O racismo faz parte de uma estrutura da sociedade em que é preciso entender onde moram as relações de poder, de modo geral. Quando a gente vai falar sobre a estrutura da sociedade, a gente vai ver que a população lida como branca detêm privilégios na forma das suas narrativas, da ocupação dos espaços, ainda que esses tipos de privilégios não necessariamente sejam tocados por todos os indivíduos, mas estamos falando aqui que, coletivamente, os brancos têm um privilégio. Obviamente, toda regra tem sua exceção, mas estamos falando por via de regra. Então, como a estrutura de poder privilegia mais os brancos, não tem como você falar sobre a reversão de uma estrutura por conta de uma iniciativa que tem como princípio uma ação afirmativa intencional para equilibrar que as oportunidades”, argumenta.

Para a diretora-executiva do ID+BR, não dá para falar em racismo reverso, assim como não dá para falar em machismo reverso. “Ações como esta visam apenas equilibrar essa equação para o bem de todos. […] A economia não pode evoluir se metade do Brasil ficar para trás”.

As sócias do Indique Uma Preta também destacam que a diversidade é boa para os negócios. “Estudos das mais respeitadas universidades no mundo apontam que diferentes pontos de vista resolvem problemas mais complexos. Segundo a McKinsey, empresas que possuem diversidade étnico racial em seu quadro de colaboradores possuem resultados até 35% melhores do que outras empresas. Entendemos que esse dado de fato é pertinente, afinal, como entregar um produto inovador ou até mesmo um serviço efetivo se todos os envolvidos nos processos têm as mesmas referências e não se conectam o público principal que utilizará esse serviço?”, questionam as executivas.

Luana finaliza com uma frase que parece sumarizar as iniciativas de maneira cabal: “Não é favor, é estratégia.”