A implantação do Plano Real, o tetracampeonato de futebol, os Mamonas Assassinas, a prematura morte de Ayrton Senna, a primeira eleição e o impeachment de um presidente da República após a ditadura militar. Alguns dos principais eventos que permeiam a memória coletiva dos brasileiros ocorreram há quase 30 anos. Mas a julgar pelas ações das marcas e do mercado, em pleno 2019, a última década do século 20 parece estar sendo agora.
Exemplo dessa retomada é a estreia de Verão 90, novo folhetim das 19h da Rede Globo, nesta terça-feira (29). A novela promete trazer de volta a moda, as gírias, o comportamento e rememorar o trabalho de artistas da época.
Diferentemente de outras ocasiões em que a própria Globo foi responsável pelo resgate de um período histórico, outras marcas já investem na tendência do fim dos anos 1980 e dos 1990 há algum tempo. O sucesso mundial Stranger Things, da Netflix, em 2017, chamou a atenção do mercado para isso.
Para Marcelo Pontes, professor de publicidade e propaganda da ESPM, essa é uma tendência mundial e cíclica. Elas tendem a dar cor àquilo que foi bom de cada época. “Neste caso, inclinamos a não nos lembrar que perdemos da França em 1998, mas que fomos campeões em 1994”, aponta.
Tanto é que a Pepsi vai recriar para o Super Bowl deste ano um de seus clássicos comerciais de 1992, estrelado pela modelo Cindy Crawford, criado pela BBDO NY. Outro anúncio global foi o retorno das Spice Girls para uma turnê no Reino Unido em 2019.
Surfando essa onda
No ano passado, a Rider lançou uma linha de roupas e materiais esportivos em parceria com Deco Neves e Lucas Stegmann, da Bolovo. Eles promoveram um ensaio de fotos e vídeos sob o tema Dê férias para o futebol. A campanha, estrelada, entre outros, pelo ex-atleta Amaral, trazia elementos típicos da modalidade nos anos 1990. Chinelos slide, comemoração em frente à torcida adversária, churrasco e cerveja ilustram a chamada época “raiz” do esporte.
A empresa afirma que seu auge foi nos 1990 e, como a década voltou com bastante força, aproveitou o momento para resgatar os códigos e lançar a coleção. Segundo informações da Rider, os esforços com a ação em parceria com a Bolovo foram elogiados e reconhecidos e, certamente, um dos principais projetos da marca em 2018.
Já a Rebook afirma que os anos 1980 e 1990 foram ótimos para a marca e sempre estiveram no DNA da empresa. Em 2019, a marca deve revisitar os produtos da época.
“Teremos releituras dos modelos Aztrek, InstaPump e Club C, além de outras novidades ao longo do ano como as novas cores do Sole Fury, que tem uma silhueta inspirada nos tênis de corrida dos anos 1990”, aponta Lucas Ribeiro, brand manager da Reebok.
“A principal mensagem continua focada em mulheres e em buscar um equilíbrio mental, social e físico. Para nos apoiar nessa mensagem, Paolla Oliveira e Camila Queiroz são as principais embaixadoras do Brasil, enquanto globalmente nosso time conta com nomes como a estilista Victoria Beckham e as atrizes Gal Gadot, Danai Gurira e Nathalie Emmanuel”, diz.
A Adidas Originals promete uma collab “em breve” com uma marca icônica dos anos 1990. “O lançamento deve mexer com a memória afetiva de muita gente”, promete Felipe Savone, senior manager brand Communications da Adidas Brasil. “Ao longo do ano teremos uma série de lançamentos e campanhas que se inspiram em referências de estilo associados aos anos 1990, mas olhando para o futuro, ditando novas tendências. Além de focar nos meios digitais buscamos criar experiências memoráveis para o consumidor e essa deve ser a estratégia adotada para nossos próximos lançamentos”, acrescenta.
Revivendo clássicos
De acordo com Marcelo Pontes, a década de 1990 para a comunicação brasileira viveu seu período de ouro com campanhas emblemáticas e o surgimento das grandes agências, amparadas pela revolução tecnológica e a chegada da internet. “Dessa época temos o Hitler, da Folha, e a guerra das cervejas, com o inesquecível Brahma Chopp, a número 1”, aponta o professor da ESPM.
Algumas marcas também têm aproveitado o boom noventista para recriar seus comerciais clássicos. Caso do Tio da Sukita, que voltou após 20 anos para a promoção da B.blend, máquina de bebidas em cápsulas da Brastemp. A própria fabricante de eletrodomésticos reviveu o Não é Assim uma Brastemp, com especiais para a internet.
O filme dos bichinhos da Parmalat também ganhou nova roupagem com os atores agora adultos tentando vestir as fantasias dos mamíferos. Mesma estratégia da Embratel, que convidou os garotos do DDD para reutilizar suas fantasias e promover a operadora.
Do analógico ao digital
O fortalecimento da internet, ainda engatinhando nos anos 1990, possibilita reviver hoje programas de TV, filmes publicitários e levar ao YouTube as experiências da época. Para Izabel de Oliveira, uma das autoras de Verão 90, o salto tecnológico refletiu nas relações interpessoais. “As mudanças que ocorreram nesse período originaram esse jovem conectado de hoje”, diz.
Na internet, diversos canais do YouTube tratam da cultura popular e história dos anos 1980 e 1990. O Nostalgia, um dos mais populares da plataforma, com mais de 11 milhões de inscritos, é um deles. Já o Canal 90 trata especificamente do tema e faz um apanhado da cultura pop brasileira e mundial da época. Outros canais que dedicam parte de seu conteúdo ao assunto são O Brasil que Deu Certo, Nunca te Pedi Nada e Anos Incríveis, que leva o mesmo nome do seriado americano transmitido pela rede americana ABC, entre 1988 e 1993 e, posteriormente, televisionado pela TV Cultura.
Em 2017, o Memorial da América Latina anunciou que a mostra Rá-Tim-Bum, o Castelo, baseada no programa da TV Cultura, foi a exposição mais vista do país naquele ano, com 600 mil visitantes. A própria emissora fomenta o interesse em seus antigos programas mantendo o Instagram sempre atualizado com fotos e informações de bastidores dos clássicos Castelo Rá-Tim-Bum, Mundo da Lua e Glub Glub.
Para o professor Marcelo Pontes, esse período contrasta com tudo que já vivemos no Brasil. “Tivemos uma efervescência cultural muito forte. No YouTube e na TV fechada a audiência de programas dessa época continua em alta. Isso de resgatar anos passados é contínuo, até porque, o futuro é incerto”, finaliza.