Não há como uma marca ter propósito se ela não for corajosa e paciente. Essa é uma das conclusões de um debate com Bob Liodice, CEO da Association of National Advertisers (ANA) nos Estados Unidos, Stephan Loerke, CEO da World Federation of Advertisers (WFA), Ricardo Wolff, vice-presidente Brasil de marketing da Johnson & Johnson, e Frank Pflaumer, vice-presidente de marketing da Nestlé.

Os quatro participaram do ABA Summit 2019, no painel “Better Marketing: Putting People First”. A moderação ficou com João Campos, presidente da PepsiCo e presidente do Conselho Superior da ABA. “Nunca foi tão importante entender o que o consumidor está pensando e buscando. As pessoas querem relacionamentos mais fortes e menos transacionais, e exigem mais relevância. A agenda proposta pela ABA ressalta o marketing como instrumento de crescimento, e a entidade está ciente da responsabilidade que tem”, disse durante abertura da programação.

Escolha estar perto
Na avaliação de Liodice, da ANA, marketing é sobre tocar nossos consumidores. E isso requer coragem.

Para reforçar esses pontos, ele citou frases de executivos como Charles Trevail, CEO da Interbrand, e Vineet Mehra, CMO do Walgreens, e destacou que a coragem está no coração de um marketing poderoso, e as marcas precisam envolver os consumidores em suas histórias, para que eles a defendam como sua. “Se não tivermos isso será quase impossível alcançar nossos consumidores. Temos que passar de ter consistência para ter o desejo dos consumidores por nossas marcas, e de falar de experiências para faze-lo”, comentou.

Entre as prioridades globais devem estar a inovação de marca e a criatividade; o talento e ter ferramentas para mudanças; contar com tecnologia de dados e métricas; e priorizar a sociedade sustentável. “Podemos ser fortes para o bem e para o crescimento. Temos que ser. As marcas líderes do mundo estão ativando a coragem e colocando as pessoas primeiro. Para ter propósito significa ser ser paciente. Não é sobre marketing de performance, não é algo delivery. É compromisso de longo prazo”, observou.

Como exemplo, ele falou do #SeeHer, movimento que nasceu na ANA para buscar e promover a igualdade de gênero não apenas na publicidade, como na mídia e na indústria como um todo. Inspirado nesse nasceu o #SeeAll, cujo objetivo é ter todas as culturas igualmente representadas. “Todos precisam estar refletidos no nosso marketing, e temos que e como medir isso, bem como o impacto dentro dos anúncios. O crescimento precisa ser medido e ser buscado”, indicou. O ” Global Growth Goal” é aumentar em US$ 500 bilhões as vendas em três anos.

Para crescer e ser líder, marca precisa ter propósito e encontrar o caminho da coragem (Créditos: Jamie Street/Unsplash)

Aprendizado e ação
Loerke ressaltou que “Better Marketing” é a visão da WFA, tanto para as pessoas quanto para o que a sociedade “está esperando de nós”, e mostrou alguns desafios da área no Reino Unido.

Entre os dados, ele citou um levantamento que aponta enfermeiros com 96% de confiança das pessoas e 26% dos publicitários – listados abaixo dos políticos, inclusive. Também destacou um estudo da Bain & Company de 2005 que mostra um 8 ou 80 perigoso: 80% marcas acreditam que entregam experiências, apenas 8% das pessoas concordam.

“Frequentemente somos apontados como culpados pela obesidade infantil, crianças mais materialistas, do aumento do alcoolismo, de roubar dados de pessoas, e até de sermos os ‘vilões centrais da internet'”, elencou.

Para superar esses desafios e estar pronto para o futuro, ele defendeu a necessidade de pensar nas pessoas primeiro e elencou sete pontos que ajudariam nesse objetivo. “1, É preciso ter diversidade no local de trabalho e na comunicação; 2, Diversidade é mais do que gênero: é isso, é raça, orientação sexual, religião e uma combinação de todos; 3, não precisa salvar o mundo, mas posicione-se, e tenha convicções e valores que guiem seu comportamento; 4, propósito tem que ser autêntico e, para ser crível, a empresa tem que ter princípios; 5, autenticidade começa envolvendo colaboradores; 6, esqueça a palavra com C: consumidor, porque somos pessoas, não consumidores; e 7, seja corajoso”, disse.

Cuidar primeiro, vender depois
Wolff, da Johnson & Johnson, foi enfático ao dizer que ter propósito já não é uma questão de escolha, é um fato. “A opinião colocada precisa ser sustentada. Ficar por baixo do radar vai matando sua marca”, disse. Ele apresentou dois cases para reforçar o propósito da empresa: cuidar da saúde das pessoas e de quem elas gostam.

Um deles integra uma parceria de mais de 20 anos com cerca de 120 maternidades que colocam enfermeiras preparadas para ensinar a dar o primeiro banho e falar sobre a importância do contato da família com o bebê. “Essa é a forma como a J&J se conecta com o profissional de saúde. Ele é um facilitador de promover a melhora do paciente. São mais de 200 mil banhos que a gente consegue garantir essa educação de qualidade e essa interação tão fundamental para o bebê. Nossos produtos fazem parte do contexto desse banho, mas não é sobre o produto, é sobre o momento. Como maior empresa de saúde do mundo, a gente coloca de fato as pessoas no centro”, afirmou.

O segundo exemplo foi o Sempre Juntas, de Sempre Livre, que mostra a marca em prol da naturalização das conversas sobre menstruação. Uma das ações é o “Meu sangue, meu corpo”, documentário feito em parceria com a Fox.

No conteúdo, histórias e depoimentos de meninas ao redor do mundo para levar credibilidade e naturalidade ao tema. “Esse diálogo aberto faz com o tema comece a navegar pelas escolas. Mais do que vender um absorvente a intenção da Johnson & Johnson é fazer com que meninas peguem seus absorventes sem precisar esconder nem sentir vergonha. Algo que por muito tempo tinha que ficar escondido a gente busca trazer a tona”, explicou.

Diversidade além da palavra
A ótica escolhida por Pflaumer, da Nestlê, foi abordar a questão da diversidade e provocar uma reflexão: “é a nossa realidade? Não. Todos os brasileiros se veen representados? Não.”

O executivo mostrou dados de 2019 do “Pela Família Brasileira”: a tradicional família hétero com filhos deixou de ser maioria, 31% dos casamentos no Brasil são interraciais, 71% dos brasileiros declaram ter amigos LGBT, e mulheres são as principais fontes de renda de 45% de lares brasileiros. “Isso é crescente, provavelmente será mais de 50% em breve”, sugeriu. “E outros levantamentos mostram que 103 milhões de brasileiros não se identificam com propagandas. São números duros”, acrescentou.

Ao falar de representatividade, ele citou o Projeto Identidade, ensaio fotográfico feito com atores negros representando ícones populares como Harry Potter e Mulher Maravilha, e uma frase da ativista americana Marian Wright Edelman: “você não pode ser aquilo que não pode ver”.

“Se representar a realidade faz bem, por que não começar agora? Temos que pensar nisso em tudo, na frente e atrás das câmeras, em reuniões, produções, e ter sempre em mente esse olhar de representatividade da população brasileira”, falou.