Usuários de crack se reúnem em grupos para fumar a droga na rua

 

O cenário é de dar medo. O clima continuava bem tenso até a semana passada na cracolândia, na região central de São Paulo, onde, desde o início do mês a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana deram início à Operação Centro Legal, uma ação conjunta do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo. Mesmo com a presença ostensiva dos policiais nas ruas ocupadas há vários anos por usuários de crack e traficantes, a situação na área continua assustadora. Os usuários de drogas que perambulam pelas ruas próximas à Estação da Luz parecem zumbis. São homens e mulheres aparentemente desnutridos e muito sujos. Eles andam com o isqueiro nas mãos em busca da droga. O local cheira mal e há destruição por toda a parte (veja galeria de fotos aqui).

Para homenagear a maior cidade do país, com 11.253 milhões de habitantes e PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 389.317 bilhões, que completa 458 anos nesta quarta-feira (25), o propmark está com a campanha “São Paulo contra o crack”. O jornal convidou seis agências para criar anúncios sobre o tema (veja texto sobre o conceito criativo nesta página). As peças criadas por Africa, Neogama/BBH, Nova/sb, Ogivly, Publicis e Talent também podem ser conferidas em uma das galerias do site.

A reportagem do propmark esteve na cracolândia na última terça-feira (17), numa tarde chuvosa e muito tensa, pois os funcionários da Prefeitura trabalhavam na área para emparedar com blocos de concreto bares, hotéis, pensões e até um salão de cabeleireiro. Eram locais irregulares, que funcionavam sem licença. O sentimento dos comerciantes era de revolta. Funcionários da Defensoria Pública também estavam na região para ouvir as reclamações e cadastraram quem teve seu imóvel emparedado.

Jurandir Lopes dos Reis, de 47 anos, dono de uma pensão onde moravam 60 pessoas estava desesperado, porque seu imóvel ia ser emparedado também. “Eles querem emparedar aqui, alegando que eu não tenho alvará de funcionamento. São mais de 60 pessoas que moram e estão aqui há muito tempo”, disse ele. Perguntado se havia usuários de crack entre os moradores, Reis respondeu: “aqui dentro ninguém fuma. E também não tem traficante aqui dentro”. Mas a prefeitura não descarta uma possível ligação das pessoas à droga. Os desabrigados podem se cadastrar e receber ajuda da Secretaria da Habitação.

Prédios invadidos por traficantes e usuários também foram demolidos pela prefeitura nas ruas Helvétia e Dino Bueno, na região da cracolândia, porque estavam condenados. No local, funcionários trabalhavam para limpar a sujeira e os restos de objetos deixados dentro dos prédios abandonados, como colheres usadas para fumar crack e até uma bíblia.

Cidade fantasma

As histórias dos usuários da droga beiram o surreal. De uma maneira geral, todos elegeram o prefeito Gilberto Kassab como o vilão da história. “Fala para o prefeito visitar a gente aqui. Ele chamou a gente de doente, mas não é assim que se tratam os doentes. Não é batendo. Eu apanhei muito da polícia, levei cinco dias para me recuperar”, falou Wilson Chagas Alves, de 50 anos e usuário de crack há mais de 20.

Ele também diz que Kassab vai transformar São Paulo em uma cidade fantasma. “O prefeito está apagando a Nova Luz. Antes, era todo mundo na paz. Agora está diferente. O prefeito quer uma cidade fantasma”. Alves afirma que nasceu na cracolândia e que sempre trabalhou. Diz que tem três filhos e até um neto, que moravam no interior de São Paulo. Ele contou que havia dois dias que não fumava crack. Outra usuária se aproxima e começa a disparar contra Kassab. “O Kassab está querendo transformar a gente em um monte de marginais. Nós temos famílias, eu tenho cinco profissões, mas sou viciada em crack. O crack é comércio, é dinheiro, nós empregamos muita gente. Eu acho que tinha que ter mais honestidade [na operação]. Os nóias são as vítimas”, disse Rosangela dos Santos, de 47 anos e viciada em crack desde os 20 anos. “Eu já tentei parar de fumar”.

A Prefeitura de São Paulo respondeu via comunicado: “É importante destacar que a Ação Integrada Centro Legal, para atendimento a dependentes químicos na região central da capital, é diária há dois anos e meio, já que o enfrentamento ao uso abusivo de álcool e outras drogas tem sido um dos trabalhos prioritários e mais efetivos da Prefeitura de São Paulo”. No meio da confusão e fechamento dos estabelecimentos, Eliana da Silva, de 40 anos, se aproxima querendo falar.  “O que eles estão fazendo é muito errado. Estão colocando as crianças nas ruas”, dizia ela. Ao ser indagada sobre o que falava exatamente, ela respondeu: “Eles estão tirando as crianças daí de dentro [da pensão] e colocando elas nas ruas. E nós não vamos deixar de usar drogas nas ruas”, afirmou Eliana, que está há 23 anos no crack.

Nas ruas

Apesar de a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana ocuparem a região da cracolândia para combater o tráfico e o uso do crack, os viciados continuam fumando crack nas ruas. É assustador. Os cerca de 100 usuários que se concentravam na área na última semana andavam de um lado para o outro em busca da droga. “Tem gente fumando ali. Acho que tem droga”, disse uma mulher a outro homem. No entanto, de repente, os usuários se reúnem e fazem uma roda em volta de um suposto traficante, acendem a pedra e, rapidamente, se dispersam novamente, sendo observados à distância pelos policiais. “Aqui é muito perigoso. Alguns [viciados] foram embora. Mas depois que a polícia deixar as ruas eles voltam de novo. Isso já aconteceu antes”, disse uma comerciante, que não quis se identificar. O governo de São Paulo afirma que a operação não tem prazo para acabar e que os policiais continuarão nas ruas o tempo que for necessário para erradicar o problema.

A situação na região da cracolândia é muito triste. É a degradação humana que se vê lá. Homens e mulheres andam com objetos quebrados nas mãos, cachorros muito magros nas coleiras e, para se proteger da chuva, eles também se enrolam em cobertores sujos. O crack é feito a partir da mistura da cocaína e bicarbonato de sódio. Causa euforia, alucinações e paranóia e vicia muito rápido. Como disse Ricardo Furiel, vp de criação da Nova/sb, “para o crack acabar precisa haver uma iniciativa coletiva, de todos os cidadãos que moram em São Paulo”.

Na última semana, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, visitou a região da cracolândia e anunciou um investimento de R$ 6,4 milhões para programas de tratamento de dependentes químicos em São Paulo. Padilha também anunciou a criação de dez residências terapêuticas em São Paulo até março deste ano. As estruturas são consideradas a última etapa do tratamento de dependentes químicos. Segundo o ministro, o governo federal apoia a ampliação da rede de acolhimento dos dependentes e os investimentos permitirão a abertura de 100 a 150 leitos novos para tratamento.

Balanço da Operação Centro Legal, divulgado pelo Governo do Estado, mostra que foram realizadas 92 internações, sendo que 352 usuários de drogas foram encaminhados para tratamento de saúde. Entre as ações sociais, 1.165 pessoas foram encaminhadas para abrigos. Durante a ação policial, foram apreendidos 3,433 kg de crack (ou cerca de 10,3 mil pedras). Já foram realizadas 6.293 abordagens policiais, sendo que 126 pessoas foram presas. Foram apreendidos 15,160 kg de cocaína e 43,383 kg de maconha na região da Nova Luz. Na operação, estão envolvidos agentes das áreas de saúde, assistência social, segurança pública, justiça, cidadania e zeladoria urbana. É São Paulo contra o crack.

Agências abordam o tema

São bem diferentes as abordagens e alertas dos anúncios especiais criados pelas agências Africa, Neogama/BBH, Nova/sb, Ogilvy, Publicis e Talent para o tema “São Paulo contra o crack”. As agências foram convidadas pelo propmark para criarem especialmente sobre o assunto, em projeto especial para o aniversário de São Paulo. A Africa, por exemplo, decidiu pegar a ideia de que fumar crack é andar para trás.  “O crack tem um problema de informação no Brasil. Nos Estados Unidos, ele foi resolvido com muita informação, campanha pública”, comenta Flávio Waiteman, vp de criação da Africa.

O anúncio da agência mostra a imagem de um homem  acendendo uma pedra de crack no cachimbo e andando para frente. No entanto, com efeitos especiais, da cintura para baixo dele percebe-se que na verdade ele está andando para trás. “Os jovens, que são alvo do tráfico, precisam saber que o crack não tem futuro, que é andar para trás. Nada de bom vem do crack. Achamos que essa era a melhor maneira para expressar o tema”, explica Waiteman. O título da peça é: “Só existe um caminho pra quem usa o crack”.

A Nova/sb, que atende a conta da Prefeitura de São Paulo, seguiu a linha de que a iniciativa de combate ao crack tem que ser coletiva. “Esse é um problema de todos nós. Não é um problema só da governança da cidade. Não é apontar um culpado. Sozinho ninguém vai fazer nada”, diz Ricardo Furriel, vp de criação da Nova/sb. A peça traz uma tartaruga e o texto de ponta-cabeça. O título é: “Tem coisas que não dá para resolver sem ajuda. Com o crack é a mesma coisa”. O texto continua: “No aniversário de 458 anos de São Paulo, é um bom momento para entender que o crack não é um problema só do usuário, da polícia, ou do estado. Mas sim de todos nós. São Paulo contra o crack”. Furriel explica que a ideia de apresentar o anúncio de ponta-cabeça é uma alusão ao fato de que quando se vira uma tartaruga, ela não consegue voltar sozinha. “Com o crack é a mesma coisa. Precisa dar uma mão”, reforça ele.

Já a Publicis resolveu fazer uma pesquisa no Google para saber o que os brasileiros comentam sobre o crack. A agência descobriu que o problema não é uma prioridade nas buscas. O anúncio traz uma espécie de infográfico com os assuntos mais comentados no Google. O BBB lidera, com 468 milhões de resultados, enquanto o crack tem 2,2 milhões menções. “O crack deveria ser um tópico importante nas conversas. É um assunto que deveria ser prioridade”, destaca Denis Kakazu, diretor de criação da Publicis. O título é: “O maior inimigo na luta contra o crack é a falta de prioridade no assunto”. O texto continua: “O melhor presente que São Paulo pode ter é uma cidade livre do crack.  Informe-se, compartilhe e faça sua parte”.
A Talent buscou um visual mais suave para abordar o assunto e fez uma analogia com o diamante. “Ficamos procurando verdades sobre o crack e uma delas é que não se consegue largar dele nunca mais. Pelo fato de se tratar de uma pedra, fizemos analogia com os diamantes, sobre os quais há aquele velho ditado de que são para sempre”, destaca Rodrigo Bombana, diretor de grupo de criação da Talent. A peça traz os anéis e no lugar do diamante, há uma pedra de crack. O título completa: “Crack is forever”. Os anúncios estão publicados nas páginas desta edição do propmark.