A pandemia ofusca a comemoração dos 467 anos de São Paulo completados nesta segunda-feira (25). A cidade tem hoje mais de 12 milhões de habitantes, de acordo com dados do IBGE. São 12 milhões de histórias de pessoas de diferentes tipos, gostos e hábitos, que nasceram aqui ou escolheram a metrópole para viver. E se apaixonaram. Diversidade é o seu nome. A TV Globo também resgatou o tema e lançou campanha na semana passada. Os três filmes têm locução de Maju Coutinho, César Tralli e Rodrigo Boccardi e mostram rostos diversos, representando paulistanos dos inúmeros bairros, hábitos e “rolês” que compõem a cidade. A assinatura decreta São Paulo. 467 anos. A cidade que a gente escolheu.
A Otima também homenageia os “diversos paulistanos” que ela abriga. A empresa de OOH lançou a campanha Diversos paulistanos, uma só cidade. Com criação da Momentum, a plataforma de mídia out of home registrou 25 fotos de paulistanos natos e pessoas que adotaram a cidade para viver. A head de marketing da Otima, Laís Melo, justifica o investimento na campanha porque acredita que São Paulo é o berço da diversidade. “Encontramos pessoas de vários cantos do mundo com diferentes estilos de vida. Registrar essas pessoas em lugares muito representativos para os paulistanos é a nossa forma de homenagear tanto a cidade quanto os cidadãos que nela vivem e, para nós, são os reais protagonistas da grandeza de São Paulo”, afirma.
O município é o mais populoso do país e se orgulha da diversidade, da mistura de raças, convicções, crenças e religião. Por isso, o PROPMARK foi buscar alguns profissionais “de fora” que adotaram São Paulo para viver e trabalhar, engrossando ainda mais o caldo da diversidade. Eles contam a seguir a ligação que têm com a metrópole.
Elise Passamani, chief culture & operation officer da Lew’Lara\TBWA, é um dos milhares de exemplos. Ela é de Goiânia, Goiás, chegou a São Paulo em 2005, e fala que a cidade é um desafio para todos que são de fora. “Leva um tempo para entender a cidade, tanto geográfica quanto organizacionalmente. Não diria que sofri preconceito, mas talvez tenha sido mais difícil para mim do que teria sido para uma pauslistana com uma história parecida com a minha, da minha idade, com família daqui, porque você chega e ela é, a priori, uma superselva de pedras”. Ela que tem de conquistar as pessoas, honrar sua história e fazer valer o seu background: “tudo ao mesmo tempo”. “E leva tempo. Tempo para absorver tudo. Tempo para provar para os críticos que o seu sotaque te faz único, que também existem universidades boas fora de São Paulo, que todas as experiências importam”. Para ela, a trajetória não foi tão fácil. “Diria que é preciso persistir para que possa apaixonar-se por São Paulo. A minha paixão demorou dois anos para chegar, mas chegou para ficar”.
Ela comenta que o que ama na cidade é a diversidade e a dinamicidade. “Amo a cultura pulsante, a culinária global, as oportunidades que se tem aqui. Também amo as pessoas que escolheram esta cidade para chamar de sua, sejam elas paulistanas, de nascimento ou de coração. Quando questionada se tem intenção de voltar às origens, ela é taxativa: “Já me tornei uma paulistana de coração, tenho filhos paulistanos e acredito que minha história continuará a ser escrita aqui, nesta cidade que me acolheu, me desafiou, me deu as melhores oportunidades e alegrias da minha vida”.
Clima
O colega de Elise, Sleyman Khodor, executive creative da Lew’Lara\TBWA, é carioca e, desde agosto de 2011, “respira” o ar de São Paulo. Ele fala que no início foi difícil por conta do clima – imaginem um carioca tentando se adaptar em São Paulo. “Quando olhei o termômetro marcando seis graus, fiquei chocado. Mas a cidade me acolheu superbem, assim como todo mundo que trabalhava comigo”. Ele comenta que não sofreu preconceito e ao seu lado trabalhava gente do Tocantins, Bahia, Curitiba e até dos Estados Unidos. “Era um ambiente plural na essência”, declara, bem a cara de São Paulo, onde, diz ele, se respira trabalho. “Um lugar para quem gosta de fazer acontecer. Por mais que eu ouvisse reclamações dos paulistas sobre a própria cidade, sempre achei um lugar organizado, educado e respeitador. E os paulistanos seguindo o mesmo caminho”.
Khodor afirma ainda que não se vê vivendo em outro lugar do Brasil que não seja São Paulo. “Fiquei encantado pela cidade, pelo jeito que ela pulsa, pela cultura e gastronomia multifacetadas, por tudo o mais que encontrei aqui”, argumenta.
O mineiro, de Belo Horizonte, Leonardo Chebly, CEO da NEOOH, é outro que se diz apaixonado por São Paulo, por conta da diversidade e riqueza étnica, cultural e gastronômica, “aliada ao ambiente altamente propício para os negócios, que faz de São Paulo uma das melhores metrópoles do mundo para se viver”.
Ele conta que chegou a São Paulo em 2005, quando a NEOOH inaugurou uma filial e ele viajava com frequência à capital paulista. Foi em 2018 que se mudou com a família para São Paulo. Ele não enxerga preconceito nos paulistanos e afirma que “de maneira alguma sofreu esse tipo de ‘ataque’”. “Depois que mudei em definitivo para São Paulo percebi uma maior aproximação com os paulistanos que eu já conhecia e ampliei muito o meu networking na cidade. Acho inclusive que os paulistanos nutrem grande simpatia e confiança pelos mineiros. Ele comenta que
a família se adaptou muito bem e todos amam a cidade. “Obviamente temos saudades de Belo Horizonte, mas São Paulo foi a cidade que escolhemos e adotamos para ser o nosso novo lar”. Para ele, o maior símbolo da grande ligação com o município “é a filha mais nova, que nasceu aqui e é a ‘paulistinha’ da casa”. “Não tem jeito de existir ligação maior do que essa”.
Ele destaca que gostam muito de passear com as crianças e visitar parques, museus e monumentos na cidade. “Sempre nos impressionamos positivamente com o nível de cuidado e de zelo das pessoas com os bens públicos. Acredito que o paulistano sabe utilizar tudo o que a cidade tem para oferecer e em sua grande maioria respeita e ajuda a preservar o patrimônio da cidade”.
Pio Figueiroa, diretor de cena da Piloto, é outro profissional que vive certo caso de amor com a cidade e constata, como um pernambucano de Recife, algumas peculiaridades do paulistano. “Acho São Paulo um acúmulo gigante, o que remonta uma encruzilhada de vidas e faz tudo ser imenso. Ao mesmo tempo, parece que esse tamanho todo nos faz superbairristas. Todo mundo aqui se sente de uma cidade pelo filtro de um logradouro: sou dela e do Butantã, ou da Zona Leste. Sou do Grajaú, do Centro, de Perdizes, da Mooca”, analisa.
Ele já está há algum tempo em São Paulo, desde 1997, quando chegou para um programa de trainee da Editora Abril. “São Paulo sempre ofereceu um campo maior profissionalmente. Mas cheguei aqui e me apaixonei por um monte de outras coisas”.
Sobre o preconceito, ele é taxativo: “Ah, sim! Essa cidade sabe ser menor também. Ela é machista, patriarcal. Acha-se mais próxima da Europa do que do resto do Brasil. Tudo bobagem, né? São Paulo chega a ser frágil por isso. Cresceu imatura sobre a própria história”, dispara Figueiroa.
Sobre voltar às origens, o diretor de cena reflete: “Tem uma distância meio subjetiva para quem deixa o lugar que nasceu. Faz a gente nunca mais ser de lá, tampouco ser de fato do outro canto. Eu até lembro o dia que saí do Recife, mas não sei direito quando cheguei por aqui. Sinto-me nesse meio aí: pernambucano que não sente saudade de lá. Aliás, me emociono toda vez que saio de Cumbica e entro na Marginal. Aquela feiura toda que garante minha chegada”, descreve.
Na opinião dele o paulistano maltrata muito a cidade e lembra que ficou deslumbrado pela luz da cidade no outono, mas “morreu de rir quando percebeu que a luz mais bonita era aquela filtrada pela poluição”. “Quando o céu fica levemente enferrujado nas inversões térmicas. Existe alguma racionalidade em tanto trânsito? A gente precisa mesmo dessa concentração de grana e segregação? Como contornamos o fato de uma polícia que mata e morre o tempo todo? São Paulo é essa contradição: querida e maltratada”, conclui.
Amor Baiano
Gal Barradas, partner/CEO na Gal Barradas Brand&Venture, é outra nordestina, de Salvador (BA), que se declara a São Paulo, mas não deixa de amar sua terra natal. “Amo ser soteropolitana, baiana, vivo e valorizo 100% as minhas origens. Mas adoro morar em São Paulo. Sempre desejei morar aqui. Morei um ano e meio em Paris, onde fiz pós-graduação. Em seguida, vim pra cá (1992). Apesar de ter vivido uma era pujante da publicidade na Bahia, eu já desejava vir para São Paulo, por ser o maior polo do Brasil”.
Ela fala que, independentemente da questão profissional, passou muitas férias em São Paulo e a cidade sempre a encantou por outras questões: “ser cosmopolita, a cultura, a estética. Sempre gostei da atmosfera da cidade”, relata. A trajetória profissional dela teve forte ligação com a Bahia, pois trabalhou com Duda Mendonça em Salvador (antiga DM9), mas só quando voltou de Paris ele a convidou para vir para São Paulo, para atuar na Duda Mendonça&Associados. Gal destaca alguns pontos da cidade que a faz dizer que acha São Paulo encantadora. “Uma cidade de muito charme, com seus parques de mata atlântica, grandes museus e grande gastronomia advinda dos diferentes povos que a habitam. Além disso, é uma cidade que abraça quem trabalha com seriedade e competência. É uma terra de oportunidades. Isso não é clichê. É real. É um mercado grande e pulsante”.
A ligação de Gal com São Paulo passa hoje, depois de 29 anos de convívio, por laços profundos, já que os filhos são paulistanos e sair da cidade “é algo que não passa pela cabeça”.
Já Daniele Marques, sócia e CCO da Bold, nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em Taguatinga, cidade satélite do Distrito Federal. E chegou a São Paulo em 2007, porque na época “existia um mito de que as carreiras de criatividade existiam apenas em São Paulo e unicamente no mundo das agências”. “E que você, como criativo, ia morrer se ficasse fora disso de alguma maneira. Também existia uma cultura de que você teria de chegar em São Paulo, independentemente da experiência que tivesse acumulado trabalhando no seu local de origem, e trabalhar de graça”. “Mas, felizmente, encontrei ótimas pessoas e oportunidades ao longo do caminho. Acredito que hoje a geração que está na faculdade ou recém-formada já consegue entender que o mercado de criatividade se ampliou e existe muito a ser feito e explorado em outros tipos de empresas e segmentos”.
Para ela, São Paulo é uma cidade incrível, apesar do difícil começo. “Vim sozinha e não conhecia quase ninguém. Mas, no meu caso, particularmente, não acredito que teve relação com preconceito por ser de fora. O que fiz de errado foi passar muito tempo tentando viver aqui da mesma maneira que eu vivia na minha cidade. Depois de alguns anos batendo cabeça entendi que precisava olhar para o que a cidade oferece, e aí ficou bem mais fácil. Eventualmente fiz grandes amigos, graças ao trabalho. De modo geral, me senti acolhida, sim, mas demorou alguns anos”, conta.
Daniela acredita que a cidade tem muito a melhorar, “ser mais inclusiva, para que todo mundo possa usufruir melhor dos espaços”. “Falando do contexto de trabalho, acho que é fantástico. Tem oportunidade, tem gente com histórias e experiências muito diferentes, disposta a fazer, a ensinar. Traz essa riqueza de pontos de vista e de vivências de uma metrópole que, se você souber se interessar, enriquecem muito a sua maneira de entender o mundo”.
Radical
Nascida e criada em Araraquara, interior de São Paulo, Fabíola Sidorenko, diretora da mídia da Cheil, veio para São Paulo nos anos 1990 para estudar e nunca mais voltou. “Foi uma mudança radical na minha vida. Tudo novo! Uma nova cidade. Grande, muito grande. Barulhenta e perigosa. E fazia frio, como jamais havia sentido na minha cidade. E rica em opções culturais que tanto me fazia falta”. Com todas essas dificuldades, ela afirma que não foi difícil, “foi maravilhoso!”. “A dificuldade era administrar o tempo para me dividir entre os estudos, conhecer a cidade e escolher o que iria fazer no fim de semana. Ficava absorta entre as inúmeras possibilidades que encontrava nas páginas da Ilustrada (caderno de cultura da Folha de S.Paulo)”. Fabíola declara que ama São Paulo, assim como os paulistanos. “Vivo aqui há mais tempo do que vivi na minha cidade natal, então sinto até que posso chamá-la de minha”.
Aga Porada, head de mídia da Wieden+Kennedy São Paulo, se considera “praticamente uma nômade”, pois é polonesa e deixou Varsóvia desde o início da faculdade, que cursou em Londres. “Durante a universidade, antes de chegar a São Paulo, fiz todos os intercâmbios possíveis, por isso, também já estudei e morei na França, no México e no Canadá”, relata.
Em São Paulo chegou em 2012 e conta que foi bem acolhida, uma vez que o paulistano tem “curiosidade com os gringos”, o que, segundo ela, acaba ajudando na adaptação. “O mais difícil foi entender as gírias nas conversas de bar”, pontua Aga, que tem opinião muito particular sobre os paulistanos. “É uma cidade que você aprende a gostar com o tempo, em função da infinidade de opções que ela oferece. Tem de tudo aqui, para todo gosto”.
Outro pernambucano de Recife, Thiago Lins, redator da Leo Burnett TM, desembarcou em São Paulo em 2011. Escolheu a cidade porque abriga, segundo ele, o maior mercado publicitário do Brasil e um dos maiores do mundo. “Logo, se torna natural profissionais de qualquer lugar do país, ao menos por um dia, sonhar em trabalhar aqui”.
Sobre sentir preconceito dos paulistas ele afirma que não dá para negar sua presença em várias situações, “como quando alguém imita o sotaque de um nordestino, quando alguém usa o termo baianada ou quando forçam um sotaque nordestino em um personagem ‘engraçado’ de um comercial”. “Para quem acha o sotaque do nordestino engraçado, aviso, a gente não veio aqui para fazer graça pra ninguém”, comenta.
Mesmo assim, ele acha São Paulo uma cidade incrível e justa. “O que você entrega para ela de suor, ela recompensa de volta. Mas o que para mim era um sonho profissional, nestes quase dez anos, se tornou a minha vida. A Terra da Garoa me apresentou amigos maravilhosos, que me ajudaram este tempo todo. Em São Paulo nasceu minha filha Antônia. Metade potiguar, metade pernambucana, mas paulistana. E acredito que só esses pontos já digam muito sobre a admiração e o carinho que eu tenho por quem é daqui”, acrescentando: “Com todo perdão ao bairrismo nato pernambucano, São Paulo virou a minha cidade. Tenho curtido muito o retorno de tudo o que depositei aqui. Sim, passa pela cabeça a ideia de ir para fora, por exemplo. Mas, enquanto as coisas seguirem dando tão certo, seguirei feliz como cidadão paulistano”.
Adaptação
Já Flávio Proença, chief transformation officer da SunsetDDB, nasceu em São Luiz, mas foi para Belém ainda pequeno, onde ficou até 2004. Está há 16 anos em São Paulo, onde veio para estudar. O curioso, segundo ele, era a preocupação dos empregadores com a sua adaptação à cidade. “Difícil era convencer sobre minha adaptação. Estavam mais preocupados do que eu. Tinham medo que em dois/três meses eu iria embora”.
Ele conta que o primeiro ano foi difícil e no segundo começou a trabalhar. Entre as agências em que esteve estão Y&R e DM9, até chegar à Sunsett. Proença fala que veio para São Paulo porque “não cabia mais em Belém”. “Ter vindo para São Paulo foi prazeroso, por tudo o que a cidade oferece: consumo, cultura”, afirma. Ele diz não ter sentido o paulista preconceituoso e atribui ao fato por ser homem, hétero, branco. “Sou privilegiado”, dispara, acrescentando que São Paulo é uma cidade dura para quem chega, mas representa muito bem o mercado publicitário por abrigar tanta diversidade. “Para a propaganda e comunicação isso é fabuloso”.