Os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram, na última quarta-feira (17), o restabelecimento das relações entre Estados Unidos e Cuba. A decisão foi amadurecida por 18 meses, em encontros secretos no Canadá e no Vaticano (com a bênção do papa Francisco), em que Estados Unidos e Cuba colocaram ponto final em 53 anos de hostilidades.

A retomada das relações diplomáticas gerou, de imediato, a abertura de embaixadas em Washington e Havana e a retirada da ilha da lista americana de países que apoiam o terrorismo, abrindo espaço para o governo cubano tomar financiamentos no exterior e expandir negócios e investimentos. Os EUA decidiram ainda suavizar ou acabar com restrições a viagens e remessas de dinheiro e liberar várias transações financeiras e comerciais.

Na base do acordo, a libertação do prisioneiro americano Alan Gross, preso desde 2009, e, em troca, a volta à ilha de três agentes de inteligência cubanos presos nos EUA. O embargo comercial continua, mas há perspectivas de que, no futuro, venha a ser extinto – discussão que Obama pretende promover no Congresso norte-americano.

Vencedores

Professor conferencista do Ibmec e diretor do BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, Marcos Troyjo, também especialista em política internacional, diz que no curto prazo, do ponto de vista econômico, pouco deve mudar, e que os grandes vencedores são o povo cubano e os perdedores os esquerdistas da América Latina (inclusive do Brasil), em especial a Venezuela, que se beneficiavam do discurso “anti-imperialista”, colocando os Estados Unidos como os grandes inimigos a serem combatidos.

Ele lembra que Cuba representa 0,08% da economia mundial, enquanto os EUA 20% e o Brasil em torno de 3,5%. É ainda um país incipiente, e a retomada de relações entre os dois países tem, ainda, uma dimensão muito mais simbólica.

“Para os EUA é quase um golpe de mestre, em especial para acabar com a corrente latino-americana de que os EUA são a fonte de todos os males do mundo. Se houver um aumento do oxigênio democrático no país, vai chover dinheiro americano na ilha. O metro quadrado deve se valorizar. Para o Brasil, num primeiro momento, não há nada de muito relevante, em especial em termos econômicos”, analisa.

As opiniões a respeito das consequências do movimento são variadas, mas ninguém duvida que tanto para a imagem do presidente americano quanto para Cuba é uma excelente novidade – e, para o mercado de marketing e comunicação, sem dúvida, repleta de novas oportunidades. O mercado publicitário cubano sempre foi restrito, até hoje. Há poucas agências de publicidade, atendendo basicamente o governo.

Aproximação

Curiosamente, mesmo com tantas restrições, houve uma aproximação entre a propaganda brasileira e a cubana nos idos de novembro de 2002, quando a Alap (Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade) assinou um convênio de colaboração com a Associación Cubana de Publicitários y Propagandistas e com o Círculo de Directivos de Agencias de Publicidade, com o propósito de facilitar e intercambiar técnicas e estágios profissionais entre os países.

Esse convênio foi firmado por Jomar Pereira da Silva, atual presidente da Alap, em Havana, e por Rebeca Galan e Jorge Oliver Medina, presidentes das entidades cubanas, e permanece em vigor. Rendeu, nos anos de 2005, 2006 e 2007 participação brasileira no Festival de Comunicação do Bem Público. Realizado em Havana, ele contou, em 2005, com a participação de Jomar Pereira da Silva e Roberto Duailibi, da DPZ.

“Levamos inscrições brasileiras, participamos do júri e passou a haver, durante algum tempo, intensa troca de informações. Mas infelizmente, depois de 2006, o país entrou em crise e o intercâmbio parou. Na época havia cerca de dez a 12 agências trabalhando para o governo e em campanhas para atrair turistas para a ilha. Havia muitas campanhas de utilidade pública”, conta Jomar, que recebeu no Brasil o criativo Antonio Masvidal, hoje diretor de arte freelancer, mas na época presidente do Clube de Criação local.

Esperança

Masvidal diz que a retomada de relações com os EUA era muito esperada, e que veio com medidas que nem mesmo o mais otimista poderia sonhar. Ele relata que há na ilha uma sensação de alívio e expectativas de grandes melhorias no país que desabou “econômica e moralmente”.

“O que existe em Cuba é uma cultura generalizada de sobrevivência, pois o poder central do Estado sobre a produção não cobre as necessidades básicas da população, e tornou a publicidade, por exemplo, uma atividade inexistente para os cubanos comuns.

As campanhas publicitárias são realizadas para fora da ilha, cobrindo turismo, tabaco e rum, principalmente. E o Estado controla as agências”, relata Masvidal.

Segundo ele, hoje existem cerca de três ou quatro agências estatais trabalhando em um sistema grande, lento, improdutivo, burocrático, ineficaz e de qualidade profissional duvidosa. Em tempos mais recentes, ele conta, houve uma tentativa de criar algumas microempresas provadas (pequenos hotéis, restaurantes e outros prestadores de serviços), o que entusiasmou o mercado publicitário e aos poucos ganha força.

“Há um grande número de jovens recém-formados no Instituto Superior de Desenho da Facultad de Comunicación Social de la Universidad de La Habana trabalhando nesse novo mercado que se desenvolve. Esse terreno fértil que trará, inevitavelmente, um certo ressurgimento da atividade publicitária dentro do país.”

Masvidal diz que as mudanças, a partir da abertura com os EUA, não devem ocorrer no curto prazo, pois a grande questão é a mudança nas relações de produção atuais, para que exista uma economia real em Cuba que, no final, necessite de publicidade. “O trunfo da ineficiência socialista tem sido o ‘bloqueio imperialista terrível’. Agora vamos ver quem vai arcar com a culpa, uma vez que não há mais bloqueio. Enquanto isso, os publicitários cubanos seguem como a orquestra do Titanic. Tocando, embora o navio esteja afundando.”

 

acontecimento

Orlando Marques, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), comenta que esse é um dos maiores acontecimentos políticos do ano, porque “mostra que o mundo está ficando mais amigável e menos guerreiro, apesar dos russos”.

“Mostra também o senso prático dos americanos: se dá para fazer negócio com os EUA, vamos fazer negócio. Num primeiro momento não me parece bom para o Brasil, que se considerava parceiro preferencial dos comunistas, investiu em infraestrutura por lá e agora vai ter que competir com os americanos. Estes são muito mais competentes e têm serviços e preços mais competitivos que os nossos porque são mais eficientes na gestão”, disse.

Sergio Azevedo, presidente da ABA-Rio, conta que tem um grande amigo cubano, Jorge Lopez, que se refugiou nos Estados Unidos e sonha em ver seus nove irmãos e familiares resgatarem condições dignas de vida e liberdade: “Acho que esse sonho está perto de se realizar. Ele me contou detalhes da sua vida desde que era um soldado da marinha de Fidel Castro até os dias de hoje. Com muita luta, refez a sua vida nos EUA e hoje é um empreendedor. Mantém um escritório de contabilidade e é uma pessoa feliz e muito inspiradora”, conta Azevedo, que acredita que “o ciclo Castro terminou” e o regime de Cuba ruiu.

“Do ponto de vista do marketing e comunicação, vamos ter novas oportunidades, pois Cuba é uma linda ilha que, além das belezas naturais, foi no passado grande produtora de açúcar e outros produtos agrícolas. Turismo; serviços; agricultura; boa música, como a salsa; charutos e um povo latino de muita garra; certamente vão ser ingredientes importantes para o ressurgimento de uma Nova Cuba, mais aberta, mais democrática. A cultura cubana é rica e, abrindo-se ao mundo, vai despertar grandes oportunidades. Esse gesto dos EUA, muda sim o mundo, a realidade de Cuba e, certamente, abrirá portas para o Brasil estreitar suas relações e fazer parte dessa evolução que todos esperam que ocorra nos próximos anos”, conclui.