Nos últimos dias, um vídeo com uma reportagem curiosa vem ganhando destaque no Twitter. Conduzida por um jovem César Tralli e datada de 1994, a matéria fala sobre “gente comum” na propaganda e está causando discussões por motivos diversos.
O tom de Tralli impressionou os mais jovens. Em dado momento, o jornalista diz: “A baixinha gordinha, 80 kg com cara de bolacha, descobriu na própria feiura a sua fonte de renda”. A “baixinha” é Shahar Boyayan.
À época, a atriz ganhou destaque por abrir uma agência especializada em pessoas fora do padrão. “É muito bom a gente olhar isso com choque e ver que não iria acontecer mais. Na época estava dentro do contexto, não foi nunca assunto. Ao contrário, recebíamos telefonemas do tipo: ‘Aí é a agência dos feios?’ E era. Tínhamos fila na rua de gente querendo aparecer na TV. Ela cumpriu o propósito dela na época. É bom ver hoje que você olha e fala: como uma pessoa pode se dirigir a outra dessa maneira? Então, as coisas mudaram e mudaram para melhor”, diz a profissional que hoje mora nos Estados Unidos e dirige uma empresa de live streaming que transmite cursos variados.
A matéria em questão foi a primeira de muitas, conforme explica a profissional. “Depois a gente saiu em tudo quanto era canal de TV”, relembra.
As reportagens abriram portas. “Mudou a conversa que existia na propaganda de só se usar modelos”, analisa. “Acabamos colocando centenas de atores em comerciais de TV. Funcionou muito bem. Ela só fechou porque eu me mudei para os Estados Unidos”, conta Shahar.
A agência chamava-se Funny Faces. “Ela era a segunda do mundo nesse nicho. Só existia uma outra chamada Ugly, que ficava na Inglaterra. Nós abrimos logo em seguida no Brasil”, rememora.
Nos anos 90 a diversidade ainda engatinhava na propaganda. “Hoje você vê empresas como Dove fazendo comerciais para a mulher ser o que ela é, do jeito que ela é. Em 1994 foi o começo dessa conversa”, reflete a empresária. Ela conta um episódio curioso da época: “Teve um caso com a Pernambucanas que eles fizeram o mesmo comercial com três gordinhas, eu e mais duas, e com três magrinhas. Colocaram na TV para ver qual seria a recepção. O que o público gostasse mais ficava, e foi o das gordinhas. Começamos uma conversa nova ali”.
Evoluímos desde 1994? Shahar acredita que sim, mas ainda há um longo caminho. “Ainda estamos caminhando. Na mídia hoje essa matéria seria impossível, certo? É bom que isso tenha saído da mídia, mas será que a gente está mesmo representado? Quando você fala de novelas, de histórias, de séries, temos representadas pessoas gordas, que andam de cadeiras de rodas, que tenham outra coisa que as tire do que a maioria percebe como padrão? Acho que ainda não”.
“A maneira como é meu físico não tem nada a ver com o que eu posso ou não posso fazer na vida. Nem eu, nem ninguém”, finaliza.