Com a popularização do transporte aéreo no Brasil, grande parte das companhias desse setor apostou no modelo low cost, cortando os custos e simplificando os processos. Com o posicionamento “Aqui todo mundo voa bem”, a Avianca se voltou para um mercado carente dessa gama maior de serviços – e triplicou faturamento, número de passageiros e market share em três anos. Um dos fundadores da GOL Linhas Aéreas, Tarcísio Gargioni, vice-presidente de marketing da Avianca, contou ao propmark como foi essa transformação e o que espera do atípico ano de 2014.
Enquanto muitas empresas estão apostando no modelo low cost, a Avianca parece ir em outro sentido, com o posicionamento baseado na diferenciação. Essa afirmação é correta?
Isso está certíssimo. Só não concordo com o termo “contramão do mercado”. Não existe mão ou contramão, isso dá uma impressão de que você está cometendo uma infração. Temos que analisar o mercado da seguinte forma: em 2002, ele ainda era muito pequeno, com 30 milhões de viagens por ano. Hoje são mais de 100 milhões de viagens por ano no Brasil, considerado o terceiro maior mercado do mundo. Essa expansão se deu por conta de dois fatores. Primeiro, a ascensão do modelo low cost, que racionalizou a aviação, cortou custos e simplificou processos. E, depois, o ingresso da nova classe média, que entrou nesse mercado porque ganhou mais poder aquisitivo e substituiu o ônibus pelo avião. Então o setor viveu um crescimento “asiático”, com níveis muito altos, por dez anos. Com isso, vivemos um efeito pendular, como o de um relógio, ou seja: você solta uma ponta e ela vai para a outra. O mercado caminhou para um lado mais racional de preços, mas cresceu muito. Ainda assim temos um nicho muito grande de público que requer serviços, e é nesse setor que a Avianca se posiciona. Isso não elimina o outro nicho, o da simplificação, que atende a pessoa que quer pagar pouco e não se importa se não tem água no voo ou se o assento é apertado. Mas existe uma fatia muito grande do mercado que quer esses serviços adicionais, mais conforto e algum prazer em voar. A Avianca se posiciona justamente nesse segmento.
Como você exemplifica esse posicionamento?
Nossas aeronaves têm duas fileiras de assentos a menos, e com isso há mais espaço entre as poltronas. Com esse espaço maior, nós colocamos apoio de pé, apoio de cabeça e outros itens para aumentar o conforto do passageiro. Então vamos para o segundo pilar, que é o entretenimento, onde temos as TVs de bordo, que dão um divertimento maior para o cliente com filme, música ou jogo. A viagem fica mais prazerosa. Como os aviões têm TVs individuais para cada passageiro, cada um escolhe o que gosta e não interfere na vida do vizinho. Além disso, mantivemos a alimentação com sanduíche quente, suco, café e outros produtos, o que complementa essa opção mais completa. Atendimento, atenção e carinho ao cliente são default. É incoerente fazermos um bom serviço sem termos um atendimento pessoal diferenciado em todas as frentes de contato: call center, check-in, internet, todos os lugares. A ressalva fica no check-in, já que temos espaços físicos extremamente limitados em alguns aeroportos, então surgem as filas e algumas situações desconfortáveis para o cliente que ainda não conseguimos equacionar, porque isso está fora da nossa gestão.
Qual é o principal público-alvo da Avianca?
Esse target é extremamente amplo, porque todo mundo gosta do bom. Temos mais de 20 milhões de pessoas com idade superior a 60 anos, que gostam de viajar, estão aposentadas e gostam de espaço e conforto maiores. Outro nicho são os recém-casados, que têm bebês no ventre ou no colo e também requerem mais espaço. Muitas crianças até 12 anos viajam sozinhas e gostam de joguinhos e de brincar. Tem a turma com mais de 1,90m ou com sobrepeso, que por uma necessidade física precisa de mais espaço. Além disso, em âmbito corporativo, existe um nicho de pessoas que viajam a trabalho, gostam de trabalhar no laptop e que não têm tempo de se alimentar e comem a bordo, e em voos muito longos também precisamos de serviços de alimentação. Se somarmos todos os nichos, o nosso target é grande, e é evidente que há um tipo de consumidor que gosta de se sentir melhor a bordo. Quando ele está a negócios, vai pelo mais racional, mas às vezes esse mesmo executivo, em momentos de lazer, prefere mais conforto.
E como a estratégia de comunicação fala e atinge todos os targets?
Aqui todo mundo voa bem. O nosso slogan já diz que “todo mundo” voa bem, então atinge todos os nichos. Se você analisar as nossas peças de comunicação, inclusive no case premiado no Marketing Best 2013, temos a representação de muitos tipos de clientes: temos a imagem de um casal idoso, um casal com um bebê no colo, um jovem jogando, o executivo trabalhando, jogadores de basquete… Procuramos personificar o target. Levar por meio da nossa comunicação e das imagens a nossa mensagem, que é abrangente e de alguma maneira é coerente com o nosso slogan.
Como a Avianca está em relação à concorrência?
Nós temos 7,5% do market share. A operadora líder tem 40%, a segunda tem 35%, a terceira tem 17% e nós estamos em quarto. Essas quatro empresas têm 99% de todo o movimento da aviação brasileira. Entretanto, crescemos nos últimos três anos, em especial com a nova campanha (criada pela Rapp Brasil), que foi premiada no Marketing Best e coroa essa triplicação de share. Fomos de 2,5% de share em 2010 para 7,5% em 2013.
O faturamento acompanhou esse crescimento? A que você atribui esse sucesso?
Sim, tivemos tudo multiplicado por três: market share, quantidade de passageiros e faturamento. O sucesso vem de uma boa estratégia de marketing, bom posicionamento, execução e um bom plano de negócios com investimentos, acreditando que o nosso produto, por ser diferenciado, atende um mercado que estava carente.
O que você pode falar no quesito investimento?
Temos que separar investimentos no negócio em si de investimento em marketing. Foi feito em 2010 um plano de negócios de R$ 2,7 bilhões que vai até 2015, e que tem como base a ampliação e substituição da frota de 39 aeronaves. Do ponto de vista monetário, nossos investimentos em marketing são baixos, porque estamos em uma fase de muito crescimento, então temos budget muito limitado, mas temos adotado estratégia de apoio cultural, ao esporte e ao meio ambiente, e temos resultados muito bons. Também estamos procurando nichos de oportunidades, mas ainda não temos a chance de entrar nas mídias de massa. Estamos nas mídias regionais e canais de venda, e fazendo com que, por meio do nosso atendimento, o nosso net promote score seja alto, fazendo com que recomendem a empresa para outras pessoas. Na última pesquisa, tivemos um avanço grande e resultado de 75%, que é um pouco acima do indicado. Acreditamos que esse caminho facilita a nossa vida.
Esse indicador é um termômetro de fidelidade?
Sim, e além dele temos um índice alto de clientes que viajam dez ou mais vezes por ano conosco. De 2011 até hoje, esse índice saiu de 39% para quase 80%. Isso representa um grau de lealdade e fidelidade muito alto, o que é bom, e significa que estão gostando e falando bem da gente, e esse conjunto de ações é coerente e dá um resultado positivo.
Então vocês apostam na experiência de voar?
O ato de voar hoje é um ato de conveniência. Alguns anos atrás, as pessoas voavam por glamour, hoje voam porque precisam voar. O que nós queremos é tornar esse voo prazeroso, que a experiência seja agradável, e não uma penalização.
Qual a presença de vocês em marketing digital?
O marketing digital hoje é uma necessidade. Esse mundo é inevitável, hoje qualquer empresa não pode mais ignorar essa realidade. Temos no Facebook cerca de 1 milhão de fãs e um índice de engajamento extremamente alto, muito acima da média de outras companhias aéreas. Do ponto de vista de tecnologia, aperfeiçoamos nossos canais de venda no site para dar praticidade e funcionalidade, até porque hoje se compra praticamente por meio dos sites. Vamos fazer uma mudança no nosso core business até março, com o ingresso de uma plataforma mais robusta, modificada, que nos irá facilitar a comunicação com o nosso cliente. Estamos em fase de transição, mas a partir desse novo core business nós aceleramos a digitalização dos processos, com uma presença em mobile para check-ins, por exemplo.
O retorno digital é mensurável?
Hoje trabalhamos apenas com vendas por meio do nosso sistema online, que já representa 100% da nossa venda. O que nós temos é uma divisão de quem compra. 40% dos clientes compram diretamente do site, em um sistema B2C, enquanto 60% fazem a transação via agência de viagens, são B2B. Nesse caso, muitos clientes são do mercado corporativo. Em relação ao canal de compra direta, são três opções: site, loja no aeroporto ou call center. Já o nosso retorno em vendas em mídias sociais ainda não representa um share alto, mas o volume absoluto é significativo, e está crescendo em uma velocidade muito grande, com uma curva de evolução três vezes maior do que as demais.
O ano de 2013 representou uma desaceleração no crescimento do setor de aviação. Como lidar com isso?
O crescimento que tivemos este ano foi quase zero. Fomos bem no último mês, mas na somatório do ano crescemos quase 1%, para quem estava acostumado a bater os 10%. O mercado ficou praticamente estagnado. A Avianca cresceu quase 40%, mas o mercado em si ficou estagnado no período. Um dos fatores é o o baixo desempenho econômico do Brasil. Nós somos resultantes do PIB (Produto Interno Bruto), à medida que a economia cresce, todo mundo viaja mais, mas o mercado corporativo e as pessoas físicas viajam menos quando a economia fica retraída. Além disso, tivemos um endividamento das pessoas físicas, especialmente classe média, que contribuiu para a estagnação.
O que esperar de 2014?
2014 será um ano completamente atípico. Teremos um Carnaval tardio, só em março, então o mercado corporativo volta a consumir tardiamente. Entramos em um período de pré-Copa e Copa do Mundo, que desequilibra o perfil e a matriz de voos. Muitos devem ter antecipação de férias, mudança de planos de férias coletivas. E depois da Copa temos as eleições e todos os seus reflexos. Com isso, cremos que haverá uma mudança de perfil, mas não acreditamos em superaquecimento. O modelo B2B diminui, e o Brasil não tem nenhuma perspectiva de voltar a ter crescimento de 4% do PIB. Com um crescimento econômico moderado, não esperamos nenhuma explosão. Os voos de lazer vão se deslocar durante a Copa, com momentos de pico por conta dos jogos. Mas picos não são demandas contínuas, então na média não teremos grandes movimentos crescentes. Além disso, os jogos vão proporcionar alguma ociosidade da operação, com altíssima demanda em uma direção, mas baixíssima em outra direção, e avião não é igual automóvel, que pode esperar o passageiro voltar. Na média, quando for dividir, dá na mesma, ou até fica abaixo da média normal.