Passadas duas semanas da Black Friday, ainda vemos seu reflexo presente no mercado varejista brasileiro. Em algumas vitrines, resistentes materiais alusivos à data ainda são visíveis, alguns esquecidos ali – propositadamente ou não – e outros resultantes das muitas adaptações feitas por “criativos” varejistas.
A Black Friday, conceito importado dos EUA, realizada sempre na última sexta-feira de novembro, acabou virando Black Weekend, Black Month e, se bobear, vira Black Year. O faturamento do comércio eletrônico durante a Black Friday no Brasil chegou a R$ 1,16 bilhão neste ano, segundo a E-bit.
O montante representa um avanço nominal de 51% sobre o resultado obtido no evento no ano passado, ante projeção inicial da E-bit de um aumento de 56%. Segundo o relatório, foram feitos 2,2 milhões de pedidos online. Embora o crescimento tenha sido inferior ao projetado, o tíquete médio de compra subiu 32% sobre o ano passado, a R$ 522, superando a projeção inicial da empresa de pesquisas, de R$ 355.
Apesar do ainda alto número de reclamações (12.000), o resultado, considerando exclusivamente as vendas online, foi considerado um sucesso, apontando para uma consolidação definitiva da data promocional no Brasil. Mas o conceito extrapolou o universo online e permeou o varejo como um todo. Em tempos de vendas baixas, qualquer impulso promocional extra é bem-vindo.
O calendário promocional tradicional, que contempla datas de grande tradição no impulso às vendas – Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Dia dos Namorados, Natal – mostrou-se insuficiente para gerar impulso de vendas suficiente para garantir um ano bom. Para quem já vinha quebrando a cabeça para inventar argumentos para acelerar compras, uma data “importada” foi providencial. “Só até sábado”, “O gerente enlouqueceu”, “A loja faz aniversário e quem ganha é você”, e os tantos motes desgastados, mas ainda muito utilizados, ao lado das datas promocionais tradicionais, ganharam definitivamente a companhia da tal Black Friday.
Mas, pode esperar, o número de adaptações da data no próximo ano será ainda mais “criativo”. Arrisco umas versões previsíveis: “Não espere Friday para fazer um bom negócio, aqui você tem uma Black Week inteira de vantagens”; “Pink, Blue, Red, Yellow… uma Friday de todas as cores para você…”; “Atendendo a pedidos, estendemos a Black Friday até o final do mês”.
Pode guardar este artigo e comparar com o que acontecer em novembro de 2015, tenho certeza de que teremos muitos anúncios nesta linha. E o ponto é o seguinte: esse fenômeno é bom para a marca que se aproveita desses artifícios? Vale uma análise. O eterno mestre João de Simoni já dizia: cada vez que uma marca realiza promoções agressivas de preço, ela diminui seu saldo de boa imagem. Justifica sua afirmação baseado no princípio “se o produto é bom, não precisa ficar baixando preço para vender”.
O mundo ideal para manter as marcas intocadas seria, portanto, trabalhar seus atributos e diferenciais sem usar recursos e artifícios de baixa de preço e vantagens promocionais extraordinárias. Mas é preciso ponderar essa afirmação. A perda de percepção de imagem de marca pode ser bastante minimizada quando você tem uma boa data promocional para se apoiar. É diferente você promover um produto, por si, agressivamente, via preço ou “leve 3, pague 2”, por exemplo, do que justificar uma oferta por uma data promocional.
Está certo também que marcas resistentes a promoções agressivas de preço estão sendo obrigadas a correr risco de sair do pedestal e oferecer vantagens. Basta abrir os jornais e ver anúncios da Jaguar abordando vantagens de preço e condições de pagamento promocionais. Não se via isso com frequência. É o cair na real do momento mais difícil para se vender. É o diretor de vendas ganhando a queda de braço com o diretor de marketing.
Prevalece o pragmatismo do “ter de vender”, em detrimento de uma imagem de marca intocada. Por isso, as datas promocionais são esperadas e bem-vindas. Ninguém desconfiará da qualidade de boas marcas de moda, por exemplo, ao fazerem liquidações de fim de estação. Faz parte da dinâmica de vendas desse tipo de produto. Portanto, que venha mais uma Black Friday em 2015! E que seja acompanhada de outras datas promocionais criativas. Porque o próximo ano está pintando meio black…
* Diretor de marketing do WTC